ESPORTES - Histórias sobre duas rodas

terça-feira, 27 de agosto de 2013
por Jornal A Voz da Serra
ESPORTES - Histórias sobre duas rodas
ESPORTES - Histórias sobre duas rodas

Vinicius Gastin

Augusto Lins e Silva é apaixonado por motocicleta desde os 15 anos de idade, quando comprou a primeira lambreta importada de Pernambuco. Aos 71, a moto deixou de ser apenas um hobby e se transformou na principal companheira de aventuras. A última delas, o Projeto Eurásia, foi concluída há duas semanas. O pernambucano aposentado, radicado em Nova Friburgo, percorreu 40 países em três continentes diferentes no período de 67 dias. Para tanto, utilizou uma moto BMW de 800 cilindradas, adaptada para corrigir o problema que possui no joelho. O objetivo era percorrer os continentes europeu e asiático, mas o aventureiro resolveu visitar também a África. "Eu não pude ir à China e, para compensar isso, resolvi improvisar e entrei pelo Norte da África”, conta o motociclista, que no ano passado viajou do Brasil para o Alaska.

Após deixar a carreira política — foi vereador e prefeito em Recife e deputado federal —, Augusto mudou-se para o Rio de Janeiro e há 17 anos escolheu Nova Friburgo para viver. Em todas as excursões, o pernambucano leva uma bandeira da cidade para presentear alguma autoridade local. "Eu consegui um terreno em Mury e resolvi morar no município. Montei uma pizzaria e um pub. O meu filho se casou com uma friburguense, que acabou falecendo em um desastre. Ele foi embora para os Estados Unidos e eu, com mais de 60 anos, não queria trabalhar durante toda a madrugada. Fechei os negócios e dali em diante só pensei em andar de moto.”

Augusto percorreu os desertos do Atacama (por 11 vezes), o Monjave, Sechura e o Saara, sob um calor de 51ºC. "Eu não tinha ninguém, apenas os camelos por perto. Batia papo com eles e tirava fotos”, diverte-se. Os dois recordes mundiais na categoria terceira idade pertencem ao motociclista, considerado o melhor da modalidade entre os estradeiros de longa distância nesta faixa etária. Além das histórias, coleciona o troféu do maior encontro do mundo da modalidade em Dakota do Sul, nos Estados Unidos. "Cheguei lá com 32 km percorridos e era o mais rodado até aquele momento”, conta.

O motociclista percorre, no mínimo, 90 mil quilômetros por ano. Durante as viagens são 800 km diários. Augusto toma apenas café da manhã, ingere um energético e acelera até a gasolina chegar à reserva no tanque. Geralmente volta a se alimentar apenas à noite. "Prefiro assim, para evitar os cochilos. Perdi muitos amigos dessa forma. Esse é meu ritmo e por isso ninguém viaja comigo. É um momento que tenho para refletir, estar sozinho comigo mesmo.”

Em entrevista para A VOZ DA SERRA, Augusto Lins conta um pouco das histórias construídas sobre duas rodas, fala da frustração por não receber apoio e revela o próximo projeto: percorrer todos os estados brasileiros.

 

 

Durante as excursões, Augusto coleciona histórias e amigos



A VOZ DA SERRA: A moto sempre foi uma paixão, mas o projeto das viagens começou recentemente. Quando e como surgiu a ideia?

AUGUSTO LINS: Os projetos começaram quando eu me aposentei. Eu sempre tive vontade de viajar por todo o continente americano, europeu, asiático e africano. No entanto, eu tinha algumas atividades empresariais que impediam. Aos poucos eu parei de me dedicar a elas, e quando eu percebi que poderia dispor do meu tempo, eu comecei a planejar. Tudo o que eu tinha pensado, comecei a executar.


AVS: O custo das viagens não deve ser baixo. Como faz para conseguir os recursos necessários?

AUGUSTO: As minhas viagens são feitas com sacrifício, pois não tenho ajuda nenhuma, a não ser da minha família. Quando eu fui ao Alaska e consegui o primeiro recorde para o Brasil, a bandeira de Nova Friburgo que eu levei para entregar ao prefeito de Anchorage foi comprada com o meu dinheiro. Isso não é nada. Trouxe os recordes para a cidade, e acredito que ninguém vai conseguir fazer igual. É preciso disponibilidade de tempo, muita saúde e coragem. É complicado que apareça alguém que reúna essas características. Procurei ajuda inclusive na Prefeitura, mas não recebi nada. Desta vez entreguei, além da bandeira da cidade, uma comenda da Euterpe Friburguense ao prefeito de Lisboa, e lhe contei a história da banda civil mais antiga do Brasil criada por um português. Ele ficou encantado e meu deu um livro de Lisboa em retribuição.


AVS: Ainda assim, sente-se motivado a continuar viajando?

AUGUSTO: A paixão pela moto está acima de tudo. Se me ajudarem ou não, eu vou fazer de qualquer maneira. Mandei três e-mails para a Secretaria dos Idosos, criada recentemente pelo governo estadual, e nenhum foi respondido. Eu expliquei que sou um cidadão, de 71 anos, falei sobre o meu projeto, que eu divulgaria o estado do Rio de Janeiro e sequer me deram uma satisfação. Saí do Brasil para buscar um recorde mundial com um patrocínio português. Eu não tive quase nenhum apoio no Brasil. Corri atrás, mas só consegui o apoio de um laboratório em São Paulo. Eles pediram para ir ao ministério dos Esportes para registrar o projeto, pois precisavam justificar o dinheiro no Imposto de Renda. Eu fui até Brasília, e me exigiram a criação de uma empresa comercial para conseguir o patrocínio. Mas se eu monto a empresa, e depois tento fechá-la ao retornar da Europa, eu vou demorar pelo menos um ano. O que eu gastaria de despachante e com outros impostos seria um valor superior ao que receberia da empresa.


AVS: Apenas a ajuda dos familiares foi suficiente?

AUGUSTO: Além das ajudas que tive dos irmãos, sobrinho e outros familiares, eu vendi a minha moto. Quando eu fui para o Alaska, saí de moto de Nova Friburgo e voltei pra cá da mesma forma. Geralmente, motociclista que faz esse trajeto vai de avião até o Canadá. Essa é a grande diferença. Na hora que estou discursando, falo sobre o país, o estado e a cidade. Fico decepcionado por não receber nenhuma ajuda, mas nada disso me abate. O currículo de moto que eu tenho é o que importa.


AVS: Nessa última viagem você decidiu visitar também o continente africano...

AUGUSTO: Achei que estava sobrando muito tempo e resolvi percorrer o continente africano. Na Europa, eu consigo percorrer dois países em apenas um dia, pois são pequenos em extensão. Curioso é que a África foi o continente por onde eu mais rodei, mesmo comparando à Ásia e Europa. Fui a três países apenas, mas peguei o Saara e fiz a mesma rota do Paris-Dakar (uma das maiores competições de rally do mundo). Neste percurso, que é maravilhoso, por sinal, a quilometragem é imensa.


AVS: Como você faz para se guiar em tantos lugares diferentes e desconhecidos? Utiliza o GPS ou algum outro aparelho?

AUGUSTO: A moto que eu aluguei em Portugal tinha um GPS inclusive, e mandei tirar. Eu passei por regiões que eu teria que desmontar o aparelho para não ser roubado, e cada vez que faço isso tenho que programar tudo novamente. Isso dá muito trabalho e exige tempo. Além disso, já tive péssimas experiências com GPS, e fui parar em lugares que não estavam planejados. Prefiro usar apenas o mapa mesmo e não tenho nenhum problema para me localizar.


AVS: Então você prefere alugar a moto...

AUGUSTO: Sim, aluguei por alguns motivos. Se eu levasse a minha moto, sairia bem mais caro do que alugar na Europa. Além do mais, eu não tinha a certeza se todos os países que eu passei aceitariam a matrícula do Brasil e não teria nenhum tipo de assistência técnica e mecânica. Ainda mais pelo modelo da minha moto, uma Yamaha, que na Europa é difícil de encontrar peças. A partir do aluguel, a empresa demonstrou interesse no meu projeto. Sugeri que diminuíssem o preço em troca de plastificar a moto com a marca deles e a do meu Projeto. Dessa forma, elas se tornaram meus parceiros e eu consegui uma diferença de quase dois mil euros. A moto tinha todos os seguros e assistência por onde eu passasse na Europa e na Ásia, mas não tinha o norte da África no contrato. Eu que decidi. Quando entrei pelo Marrocos, estava literalmente sozinho.


AVS: Não sente medo de sofrer algum acidente?

AUGUSTO: Confio na moto. E assim tem que ser. Imagina se quebro no meio do deserto? Graças a Deus, só tive um acidente na Albânia. Fui pego por uma Mercedes quando estava parado no posto de gasolina. O motorista estava completamente embriagado, às 9h da manhã. Consegui chegar um pouco pra frente, se não ele me pegaria no meio. Infelizmente, o retrovisor do carro pegou o para-brisa da moto, quebrou as lentes e o farol. Voei por cima do capô, estilhacei o vidro da frente, mas só machuquei o joelho. Continuei a viagem, pois era o início. Eu tinha todo o leste europeu para subir ainda.


AVS: De todos os locais por onde viajou, quais aqueles que mais o encantaram?

AUGUSTO: A Bósnia, a Croácia e Montenegro estão no litoral. Quando eu estava a mil metros de altura pude avistar o mar e o visual é simplesmente deslumbrante. Fiquei encantado também com o mar Egeu, por conta do azul diferente da água. E olha que eu rodei quase dez oceanos, passei pelo Atlântico, Pacífico, Mar Negro, Mediterrâneo, Adriático, Báltico e outros. Conheci os lagos na região da Suécia, Finlândia e Noruega, onde de um lado está o ma báltico e do outro o mediterrâneo. Isso sem falar nos estreitos.


AVS: Como é a recepção das pessoas?

AUGUSTO: Faço muitas amizades, principalmente com motociclistas. Sempre paro nos postos para abastecer e encontro grupos, que reparam a bandeira do Brasil ou do projeto e se aproximam. Trocamos cartões, informações e experiências, até por conta da minha idade. A maioria da turma tem entre 30 e 40 anos. Acho que sou um exemplo para a terceira idade. Todos deveriam fazer uma atividade, viajar, abrir a mente. Do contrário nós vamos morrendo aos poucos. Pretendo andar de moto pelo menos até os 80 anos.


AVS: E quais são seus projetos? Já planejou a próxima viagem?

AUGUSTO: Prometi à minha esposa que vou ficar pelo menos um ano sem viajar. O meu principal projeto é juntar dinheiro para comprar outra moto. A partir daí, vou estudar uma viagem por todo o Brasil, para visitar todos os estados, de norte a sul, de leste a oeste. Devo levar uns 50 dias nessa aventura. É uma viagem pesada em termos de quilometragem; afinal, o Brasil tem as dimensões de continente. Mas isso não é problema, estou acostumado.

 

 Visuais como este fizeram parte do roteiro de viagem do motociclista


  

A visita ao continente africano não estava nos planos: o tempo livre e a vontade de percorrer o Saara pesaram a favor



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