Jaqueline Ferreira
Vamos! Rápido! Chuta! Acredita!”. De longe se ouvem os gritos de incentivo do professor João Baptista. É dia de treino para os meninos do Projeto Reação, na cidade de Sumidouro. Chinelos e mochilas se acumulam nos cantos do campo e nas arquibancadas vazias. A torcida não é numerosa, três ou quatro curiosos. O uniforme é o colete da própria escolinha de futebol, simples, sem glamour. Mas a postura dos garotos na foto oficial é a mesma dos craques antes de um grande jogo.
A escolinha existe há 11 anos e desde abril a Prefeitura daquela cidade assumiu toda a responsabilidade sobre ela. Pois, mesmo com a proximidade da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, a CBF deixou de prestar assistência ao projeto. A dificuldade de verbas próprias para o esporte na cidade também se deve ao fato de Sumidouro não ter uma secretaria específica. Todo o investimento nos futuros atletas depende da Secretaria de Educação do município. “Não temos um órgão oficial de esporte em Sumidouro. Há oito anos criaram os cargos de coordenador e auxiliares, mas não criaram o órgão. Nós somos um braço da Secretaria de Educação e é ela quem transfere a verba para o esporte. Não temos verba específica”, revela João Baptista Araújo, professor e coordenador de esportes.
Ainda segundo João, este ano a situação deverá ser amenizada com investimentos no setor. Mesmo não sendo independente, terá uma quantia fixa destinada às atividades esportivas. O próximo ano também marcará uma nova postura para o Projeto Reação. “Temos planos de montar uma escolinha de voleibol e fazer passeios turísticos pelo município. O projeto está voltado para a educação, tanto nos treinamentos quanto no dia a dia. O objetivo principal é tirar a criançada da ociosidade, pois esporte sozinho não vale a pena. Ele deve ser bem direcionado, de forma que a gente possa observar os erros do aluno, conversar, aconselhar, ensinar e vê-lo crescer como cidadão responsável” enfatiza.
Cidadania: um gol de placa
Ao todo, 94 alunos estão inscritos no projeto; os mais velhos, 52 deles, treinam em campo. Já os 30 pequenos ficam com a quadra, assim como as 12 meninas matriculadas. As idades variam de 7 a 18 anos, no entanto, é preciso que estejam frequentando a escola. Na quadra comandam os treinos os auxiliares de esporte Jader Gomes Carneiro e Guilherme Francisco Corguinha, ambos de 22 anos. Os profissionais de educação física vivem a experiência de voltar como professores ao ambiente que conheceram quando crianças. “É uma experiência legal; os alunos estão muito motivados com a possibilidade de jogar na Copa do Mundo e nas Olimpíadas do Brasil. Eles acreditam no sonho e se espelham em jogadores famosos. É claro que nossa intenção não é formar apenas profissionais, mas pessoas de bem. Afinal, eles estão em fase de amadurecimento e construção da personalidade”, expõe Jader. “A gente gosta muito deles. Tratamos como se fossem nossos filhos. As vivências do colégio e da vida as crianças compartilham conosco e é importante participar disso”, complementa Guilherme.
Leonara Emiterio, 11 anos, se destaca no futsal feminino e já tem consciência de que esporte não se resume à badalação. Nara, como é chamada pelos colegas, com os pés no chão dá uma aula de cidadania. “Na escolinha eu entro às 4h30 e saio às 18h, chego em casa tomo banho, janto, vejo a novela e durmo: não dá tempo de fazer algazarra na rua. Sem os treinos estaria brincando por aí. Além disso, eu aprendo a ser mais educada e a trabalhar em equipe”, relata.
Quando o assunto é preconceito, ela não se intimida: faz referência a jogadoras consagradas e mostra na quadra o seu valor. “Ainda existe preconceito, sim. Minha tia sempre manda eu arrumar alguma coisa de menina pra fazer. Até minha mãe me chama de moleque, mas eu nem ligo. Os meninos me respeitam, eles mesmos falam que eu jogo tão bem quanto eles. Aliás, eu sou melhor do que muitos deles. Quero ser uma Marta ou uma Formiga da vida, elas jogam futebol até demais! Admiro o talento delas. Quero ir pra Copa, ter um futuro melhor, ganhar muitos reais e aparecer na televisão”, conta a menina com um sorriso nos lábios.
Entre os garotos, Kaká, Cristiano Ronaldo e Adriano são os mais populares. O tricolor Samuel Santos se empolga ao falar dos craques e das jogadas que tenta copiar, mesmo com o braço quebrado. “Eles sempre fazem muito em campo, são tantas jogadas que nem sei como comentar. Tento sempre bater faltas como eles. Desde pequeno jogo bola. Não sei explicar o que sinto quando estou em quadra. É uma paixão muito grande. Com o braço assim sou mais ou menos, mas sem o gesso eu sou bola cheia”, garante o menino de 10 anos.
Família: uma grande companheira de equipe
A mãe de Nara não é muito otimista quanto ao futuro do esporte em Sumidouro, mas aprova a participação dos três filhos na escolinha. “É uma maneira de saber onde eles estão enquanto trabalho. Não tenho tempo de acompanhar os treinos, mas sei que o esporte é importante. Dessa maneira, passam menos tempo na lan house ou na rua”, reconhece a doméstica Maria Helena da Conceição.
Wenderson Andrade, ao contrário, chega sempre no finalzinho dos treinos. O cansaço de um dia inteiro de trabalho é visível, mas ele grita, dá dicas e assiste com orgulho o filho no gol. “Estou sempre incentivando para que no futuro a gente possa representar o Brasil de alguma forma. É o sonho dele! Quando ninguém da família vem ao treino do Weverson, ele fica desanimado e não joga com emoção”, explica o auxiliar de serviços gerais. O flamenguista Weverson Costa Andrade tem 8 anos e se inspira no goleiro Bruno, do time do coração, para concluir suas defesas. Segundo o pai do menino, a escolinha de futsal também é importante para a mudança de conduta fora de quadra.
A quadra onde Lehan, Weverson, Nara, Samuel e outros possíveis atletas praticam futsal é cedida ao Projeto Reação pelo Ciep 998 São José de Sumidouro. Apesar de pertencer ao único colégio que oferece ensino médio no município e ser vizinha da Câmara de Vereadores, a quadra não possui cobertura e nem rede nas traves. A grade está cheia de buracos, enferrujada e em alguns pontos simplesmente não existe. Logo, o jogo é paralisado a todo o momento e quando chove as atividades são canceladas. O sol forte também é obstáculo. Nos dias quentes o jeito é treinar mais tarde ou usar apenas os espaços com sombra. “Aqui a gente não pode bater pênaltis direito, porque a bola sai toda hora. Eu queria jogar na quadra que está sendo construída. Estou ansioso, porque vai ser uma quadra nova, coberta e com espaço pra gente correr e chutar bem forte”, comenta Gabriel Lima, 11 anos, que se refere com tanta esperança ao prometido Ginásio Poliesportivo de Sumidouro, resultado de convênio com o governo estadual, através dos recursos do Programa de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios (Padem).
A obra se arrasta por mais de cinco anos. Teve início em junho de 2004, passou por paralisações, rescisão contratual em setembro de 2007 e modificação de projeto em fevereiro de 2008. Uma nova licitação foi aprovada em março de 2008 e o ginásio foi orçado em R$ 739.400,00, segundo o engenheiro Carlos Giffoni, responsável pelo projeto. Em agosto de 2009 a obra foi reativada. Ao passo que as ferragens se erguem, cresce a desconfiança daqueles que sonham com a sua inauguração. “Se for para parar, não deveria nem começar. Agora parece que vai dar certo, estou torcendo. Quanto mais cedo ficar pronta, mais rápido as crianças vão sair da quadra cheia de buracos onde jogam”, ressalta Guilherme Machado, de 14 anos, aluno da escolinha há exatos cinco.
O secretário de obras, Gilberto da Silva Ferreira, se negou a comentar o fato, alegando ser um assunto anterior a sua gestão. No entanto, o engenheiro Carlos explicou o motivo da demora: “Foi um convênio muito truncado. Houve paralisações por falta de repasse de verbas. E, no caso específico do ginásio poliesportivo, houve necessidade de mudanças no projeto, devido a problemas térmicos e de ventilação. Optou-se por uma solução mais arrojada, que permitisse contornar esses dois problemas. A data prevista para o término da obra seria em dezembro. Porém, com as chuvas, os funcionários não estão podendo trabalhar na execução da estrutura como deveriam. Está havendo um certo atraso. Mas a estrutura já está toda no local, faltando apenas a quadra e os vestiários para terminar a obra”, conclui o engenheiro.
Enquanto a previsão não se transforma em ação e o projeto não vira ginásio, a espera continua. Resta saber por quanto tempo mais.
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