“A gente nem imagina o quão importante somos na vida de um jovem”
Nossa aventura com Piscuela -- como era chamado quando jovem -- entretanto, começou alguns dias antes, logo assim que pensamos em escrever uma série de reportagens especiais sobre o Dia do Professor. Em busca de personagens, iniciamos a saga atrás de alguns daqueles que marcaram a vida dos estudantes friburguense e que representassem o amor à profissão. Em meio a tantas sugestões, lá estava Mário Osvaldo dos Santos, com seus 63 anos de idade e 42 de sala de aula: entre os primeiros do nosso ranking de professores mais queridos de Nova Friburgo.
O espaço em que ele nos recebeu fica no quintal de sua casa. É uma sala pequena, mas arejada e extremamente aconchegante. No centro há uma mesa de madeira e, em volta, algumas cadeiras coloridas. Há também um armário no canto com alguns livros e um potinho cheio de bala azedinha. Em uma das paredes, um quadro chama atenção: uma caricatura de Mário, feita por um de seus muitos alunos e que, segundo ele, representa a sua “força” em Química. No fundo há um quadro branco, onde provavelmente números, símbolos e elementos da tabela periódica já foram escritos e apagados inúmeras vezes. O local, uma espécie de escritório/ mini-sala de aula, é usado por ele para aulas particulares e, agora, é palco da nossa entrevista.
Piscuela conta que se tornou professor por acaso. “Assim que terminei o colegial, em 1974, comecei a cursar Química Industrial, na UFF. Fiz um ano e depois voltei para Nova Friburgo. Na época, em 1975, existia uma carência de professor de Química muito grande e, por isso, o então diretor do Colégio Anchieta, Padre Paiva, me convidou para dar aula de reforço de Física. Com apenas 21 anos de idade, eu aceitei. Durante as preparações dos exercícios, me imaginava como aluno, pensava nas dúvidas que eu tinha quando estudante e que pudessem ser as mesmas daqueles jovens. Gostei da experiência e continuei, até que, em fevereiro de 1976, o padre me convidou para dar aula para o alunos do ensino médio. Foi um desafio muito grande”, conta ele, explicando que conseguiu uma autorização do estado para lecionar.
“Em 1978 me formei em Química Industrial. Fiquei dois anos morando em Friburgo e estudando em Niterói. Teve uma época que eu vinha duas ou três vezes por semana e períodos em que eu ia e voltava todos os dias. Em 1980, concluí a segunda graduação, em Engenharia Química, e depois fiz licenciatura em química”, relata Mário. Além do Anchieta, onde lecionou até 2016, ele deu aulas no Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora das Mercês, no Instituto Padre Cultura, Odette Pena Muniz, Jamil El-Jaick, Feliciano Costa e Galdino do Vale Filho, onde ainda trabalha.
Questionado sobre o segredo dos elogios na cidade, o professor afirma: “Eu sempre tive uma postura muito democrática com os alunos. Sempre me preocupei em saber o que eles achavam das minhas aulas, se havia algo que eu pudesse melhorar e acho que isso deu certo”, riu.
As memórias e a escolha do magistério
De fato, a memória não ajuda quando se trata de detalhes. Mas, ao falar sobre algumas das tantas histórias que viveu em sala de aula, Mário se emociona. “Há algum tempo fui ao consultório de um otorrino, doutor Mauro Salarini, um ex-aluno meu. Lembro que eu estava com uma sinusite braba e, durante a consulta, ele me surpreendeu ao relembrar uma conversa nossa do tempo de escola. Mauro era um ótimo aluno e queria ser médico, mas não passou no primeiro vestibular. Ele disse que naquele dia, assim que recebeu o resultado da prova, ficou bastante triste e que eu o havia incentivado ao dizer: ‘Não tem problema, Mauro. Você é um excelente aluno, exemplo de dedicação. Vai fazer a prova novamente e conseguirá passar’. Ele me contou como aquela conversa tinha sido importante para ele e me agradeceu”. Fiquei muito emocionado. Lamento muito que ele tenha falecido”, revela o professor com olhos marejados. “São tantos depoimentos, tantas histórias bacanas. Às vezes a gente nem imagina o quão importante somos na vida de um jovem”, pontua.
Bom de química e de bola, Mário sorri ao lembrar de outra história. “Essa foi lá por meados da década de 80. Eu e mais alguns professores que sempre gostaram de jogar bola montamos um time de futebol e desafiamos a garotada do ensino médio. O jogo foi um grande evento. Eles achavam que ganhariam fácil da gente, mas se surpreenderam ao ver o time dos professores dando um verdadeiro show em campo. Ganhamos de lavada e passamos o resto do ano implicando com os alunos e relembrando a vitória”.
Sem esconder a paixão pela profissão, Mário conta que até tentou sair da sala de aula, mas que o coração sempre esteve com o giz e o apagador na mão. “Eu queria exercer a profissão de engenheiro químico e fui trabalhar em um laboratório de água. Fiquei apenas três meses e percebi que não conseguia ficar longe das salas de aula. Eu nasci para ajudar os meninos e as meninas a se prepararem para o vestibular, a mostrá-los que a vida retribui os esforços e que estudar é investir no futuro”.
Com anos de experiência em sala, Mário conta que a profissão de professor sofreu uma enorme desvalorização. “Acho que o magistério ainda tem muito que melhorar. A condição que o professor trabalha hoje é desumana. Criou-se uma cultura de terceirização da educação dos filhos por parte das famílias e a escola acumula a função de passar os conteúdos, educar e impor limites”, afirma. Mesmo sem esconder a tristeza pelos rumos que o magistério tomou, quando questionado se escolheria ser professor novamente, ele é enfático: “De olhos fechados. Fui e sou muito feliz como professor”.
A origem do apelido
Pelo tempo de magistério, a quantidade de escolas e a fama de bom professor, imagino eu (repórter) que o número de alunos, amigos e conhecidos que desconhecem a origem do apelido de Mário Osvaldo deve ser grande. Pois bem, desvendamos o mistério. O cognome teve origem nos tempos em que o professor estava ainda do outro lado da mesa, quero dizer, quando Mário era aluno. “Meu irmão e eu estudávamos no anchieta e eu gostava de jogar bolas com ele e os amigos, que eram mais velhos e muito maiores que eu. Um deles me apelidou de Pisquila, que significa, de forma informal, pessoa muito pequena, menino miúdo. O tempo foi passando até que virou Piscuela”.
Piscuela
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