Espaço Pró-Leitura - Oralidade, afeto - 9 a 11 de outubro.

sexta-feira, 08 de outubro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Meu avô se esforçava para manter a coluna aprumada na cadeira. Ele tinha horror a dor de coluna e dizia que as pessoas que tratam o corpo apenas como uma mala pesada que é preciso carregar ao longo da vida sofrem dor de coluna. Vovô era magro, alto, careca, usava chapéu e tratava muito bem do corpo. Fazia grandes caminhadas e se sentava ereto com a espinha dorsal no eixo. Contava histórias para os netos. Jurava que quem descuidasse do corpo sentiria dores na coluna e que, quando morresse, viraria alma penada. Como a ossada doeria muito, essas almas vagariam em agonia, assustando os vivos.

Almas penadas eram as de pessoas que haviam sido gananciosas, que só haviam pensado em acumular riqueza material com muitas trapaças, movidas pela ambição. Essas almas não têm sossego e, à noite, saem dos cemitérios e vagam pedindo clemência e gemendo. “Com dores na coluna”, afirmava vovô.

E assim ficávamos horas e horas, com vovô sentado na cadeira de balanço. Era o tempo sem pressa de reunião com os netos, tempo de histórias, quando ele explicava a complexidade da natureza humana, suas diabruras e virtudes.

Ele nos fazia ver que o maior bem da humanidade sãos as histórias; a herança familiar mais valiosa de nossos antepassados é o acervo de histórias que ficam em nossa memória e nos fazem refletir o presente para aprimorarmos o futuro.

Ele tinha prazer em declamar poesias, versejando, como ele gostava de dizer; versejar. Ouvi-o falar diversas vezes que gostaria de ter sido poeta. Ter escrito poesias e publicado. Eu sabia que vovô escrevia poemas e guardava, ou melhor, escondia. Nunca nos mostrou seus escritos. Talvez, um dia, meu avô tenha sonhado publicar seus poemas. Mas não o fez; não lhe surgiu “oportunidade”, disse certa vez. Numa de nossas conversas, numa tarde, quando apreciávamos o pôr do sol, puxei esse assunto, mas vovô não se animou muito com minha sugestão de buscar uma “oportunidade” para que seus versos fossem publicados: “Ah, meu neto, meu tempo passou, agora é sua vez.” Olhou, penetrante, nos meus olhos e disse: “Esteja ciente de que você tem que falar para ser ouvido, mas tem que se calar para ser apreciado.”

Ainda não descobri de onde meu avô tirara essa fala, mas me lembro até hoje do tom de sua voz pronunciando essas palavras; pressentia que era algo profundo, mas não alcançava o significado desse texto para ele nem para mim.

Imaginemos uma cidade em que os avós tenham tempo de reunir os netos e, com livros nas mãos, ler e contar muitas histórias. Que revolução!

Francisco Gregório Filho – autor, contador e secretário de Pró-Leitura.

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