Sei que você deve conhecer A festa de Babette, a história de uma francesa refugiada, sua chegada a um vilarejo e a transformação que ali provoca: ao receber uma fortuna, ela decide gastá-la oferecendo um banquete à pequena comunidade inicialmente aterrorizada com a sedução, mas, ao fim, deliciada.
Poderíamos ler o filme pensando no significado de um banquete: fartura e acesso a tudo o que é ofertado, a delícia dos sabores, o compartilhar à mesa com outros convidados, a beleza criada por aqueles que possuem os segredos e a experiência alquímica com os alimentos, a festa dos cheiros, da mesa posta, do riso possível, do gosto a ser saciado.
Assim também com a biblioteca. Quando penso nela, é um banquete o que vejo: variadas maneiras de ler o mundo, palavras, ideias organizadas para que tudo se possa acessar. Porém, ao contrário daquele banquete “real”, que poderá reviver somente pela memória, a biblioteca é um banquete sem fim, ao permitir constantes releituras.
Sendo assim, as bibliotecas devem parecer mais com refeitórios que com armazéns. Se forem como esses, são passivas, só um lugar para estocar informação. Para serem como refeitórios, há que dinamizá-las, torná-las vivas como o calor do fogo que tudo transforma. Oferecer palavras e conhecimentos em um sedutor banquete a ser compartilhado.
Escolhas – eis o tema de nossa conversa. Pois ao transformá-la num organismo pulsante de vida, providenciando com ela um banquete de leituras, o que de verdade se faz é escolher sua modificação profunda: a biblioteca é então mais que um espaço cercado de livros por todos os lados.
Compreender bibliotecas como algo que envolve acervo e, principalmente, leitura é escolher a ação cultural como pressuposto básico. Pois, afinal, é de construção de conhecimento que falamos, é de significação. Em lugar de matar a imaginação, provocá-la. Em vez de trabalhar ao modo de uma “educação bancária”, preferir ao reencantamento dos aprendizados pela leitura, com a literatura.
Por isso, hoje, nas bibliotecas, o festim das narrativas é ofertado a nós todos, seduzidos pela palavra, pela letra e o que elas nos possibilitam: o gosto, o sabor dos saberes, um banquete, enfim, nos tornando companheiros.
Quando penso no meu fazer bibliotecário, sempre me questiono sobre três coisas fundamentais: que é isto que faço e para que serve? Que marcas nisto estarão sendo gravadas? Serei, afinal, tal como Ariadne?
Ariadne, a do labirinto, conhece? Bom, essa é uma outra história e fica para a próxima vez.
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