Espaço de Leitura - Remexendo o baú no trânsito lento - 11 a 13 de dezembro.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Quando fazemos uma reflexão sobre determinada questão referente à constituição do leitor, podemos distinguir o que se passa com o outro e o que vem muito de dentro de nós mesmos – como se deu comigo?

Ao ler Da cozinha à mesa posta, de Graça Paulino, professora da UFMG, deu-se comigo um fato que não posso deixar de me referir e que, após alguma reflexão, faz ressaltar o binômio – teoria/prática – na formação do leitor. A autora, ao narrar seus primeiros passos escolares, fala de suas andanças com da doce Lili. Envolvida pela narrativa, quis eu voltar à infância e saber de minha cartilha – qual fora o texto de minha cartilha?

Dia depois, dirigi-me a São Paulo, a fim de participar de um painel intitulado Formação do Leitor. Não ia a São Paulo há uns 5 anos, talvez. O carro se arrastava no trânsito lento – Avenida Paulista, Avenida Brasil, igreja de Nossa Senhora do Brasil, as grandes mansões, os jardins floridos... e o bonde, onde está o bonde? Só há veículos modernos andando lentamente. Onde ficou tudo? Relaxei e entreguei-me ao adiado passeio pela memória. Voltei a ter 6 anos, mudando-me de cidade. São Paulo de décadas passadas: Parque D. Pedro II cortado pelo rio, que transbordando com as enchentes, provocava estranheza à menina. Menina do mar, menina do Rio, que com espanto percebia (ou lia?) o movimento da água corrente passando, tão diferente das ondas poderosas que se quebram na areia. A chuvinha fina chamada de garoa, regando as manhãs das crianças que, assim como eu, corriam para as escolas. E o colégio? Era no Centro. Dificuldades nos estudos? Nenhuma. Era tão bom ler os anúncios que, à noite, enchiam-se de luzes, no alto dos edifícios. Ver as pontes que chamavam de viadutos. E tudo no caminho que levava à escola!

E a cartilha? Não me lembro! Impossível lembrar! Perderam-se as letras, as palavras, as frases, as histórias. Na memória ficou a cidade de São Paulo com sua gente, sua paisagem, seu som, sua maneira de ser.

Fui leitora do mundo com todas as suas linguagens, com todas as histórias contadas. Sampa foi a cartilha maior que me fez amiga inseparável de livros. Hoje, confessando afetos e descobrindo-me uma leitora amorosa, decifrei porque ecoam em mim, com tanta emoção, os versos de Mário de Andrade:

São Paulo comoção de minha vida...

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Os meus amores são flores feitas de original!...

Nelly Duffles é professora de Língua Portuguesa e Literatura e especialista em Leitura/PUC-Rio.

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