Estamos em Abril, que nos fala de outonos friburguenses, em céus azuis com nuvens cor-de-rosa. É um tipo de avanço para o inverno que aquece o coração de memórias... Entre muitas, as das narrativas: elas nos tornam mais gente, mais humanos, com a lembrança das experiências que destacam do ordinário dia a dia, mais que o relógio, a ganância e o lucro, as vantagens e oportunismo: resgatam a condição de sensibilidade, de delicadeza, de solidariedade que nos dão uma dimensão diferente da vida, mesmo que andemos de chinelos e não comamos à mesa com talheres finos.
Já lembraram aqui que abril é o mês de nascimento de Andersen; leram uma história de vida pessoal e de escritor que não se deixou levar pela miséria na Dinamarca dos anos oitocentos, e que se tornou uma figura de proa no mundo da literatura, tendo sido criado como leitor da bíblia e das tradições orais que lhe chegavam, além de um ou dois clássicos lidos intensamente pelo pai... enquanto viveu com ele. Menino, ainda foi para a capital, fracassou no teatro de palco, teve sucesso com o de sombras; porque suas histórias encantavam ricos e pobres, nobres e mendigos, pelo imaginário tocante, pela crítica subliminar, que descartou moralismos e pedagogismos para falar ao povo.
Dali para o mundo... E como viajou o moço! Percorreu de carruagem a Europa, foi amigo de escritores como Dickens, sem ter ideia de que seria então maior que eles, um dia, no coração de leitores do mundo todo. Depois da segunda guerra mundial, com a infância destroçada na Alemanha e muitos países, uma ideia luminosa no IBBY, de Jella Lapman, foi criar o prêmio Hans Christian Andersen, que desse a escritores e ilustradores do mundo reconhecimento por seu trabalho em resgate do universo interior da infância, sua imagens e ritmos, sua confiança e esperança na vida por vir.
Com este prêmio, as narrativas passaram a percorrer o mundo letrado, entre crianças e adultos — e a trazer uma reflexão de fundo capaz de eternizarem-se. Com selos de qualidade indelével, marcaram obras e autores que se constituem no cânone universal da Literatura infantil e juvenil. Com referência ao Brasil, o único país abaixo do Equador a ser premiado nestas quatro décadas, dois nomes receberam a joia deste pequeno Nobel — Lygia Bojunga, em 1982 e Ana Maria Machado em 2000.
Lygia, que não tinha mais que cinco títulos publicados até então, teve que traduzir duas obras para os jurados e foi apresentada uma única vez como candidata. Para Ana, depois de várias candidaturas, com uma centena de livros já traduzidos para o espanhol e outras línguas, o coroamento veio na reunião do IBBY, em Cartagena de Índias, na Colômbia. Autoras muito diferentes dão um colorido especial à presença brasileira, com a diversidade cultural e temática que expressam, estas filhas de Lobato.
Neste ano, o apresentado será Bartolomeu Campos Queirós, que já ganhou o premio SM de Literatura Infantil, entregue no México em 2009. Uma janela para a atenção dos jurados sobre um autor extraordinário para gente de todas as idades. Aliás, coisa própria da grande literatura infantil e juvenil: mesmo sem texto, pura imagem, as publicações são pequenas obras de arte para homens de boa vontade, dos 07 aos 70...
Eliana Yunes, coordenadora da
Cátedra Unesco de Leitura – PUC-Rio
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