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sexta-feira, 21 de setembro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

Francisco Gregório Filho

Todos os meses. Durante uma década. De 1954 a 1964. Minha mãe arrumava os filhos, apanhava o violão, uma sacola com algumas roupas e brinquedos, e saíamos para visitar uma das casas de um bairro muito pobre, paupérrimo. Éramos pobres, mas muitas famílias eram bem mais desprovidas de recursos e confortos.
Era uma visita de umas duas horas. Minha mãe nos apresentava, um a um, entregava as sacolas com roupas e brinquedos à mãe e às crianças da casa visitada, ouvia as queixas e as necessidades das pessoas, conversava, sugeria soluções para as questões ali reveladas. Depois, ao violão, tocava, cantava, declamava poesias e fazia-nos também recitar poemas, tidos como infantis, e a dizer boas notícias. Minha mãe era professora. Ainda escrevia os nomes dos adultos e das crianças num papel e o endereço completo daquela casa. Posteriormente escrevia carta para as pessoas adultas dessas casas e estimulava para que escrevêssemos às crianças: cartas, bilhetes, poesias, letras de músicas, notícias e crônicas. Ela gostava de ler nos jornais as crônicas. Solicitava que nós, os filhos, escrevêssemos comentários sobre algumas observações que tivéssemos feito durante as tais visitas. Chamava isso de crônicas. Nós escrevíamos muito – minha irmã gostava de escrever pensamentos – e remetíamos pelo correio essas cartas àquelas pessoas. Às vezes recebíamos cartas escritas por elas também. Agradavam-me essas visitas. Preparava um repertório de poesias que minha mãe ensinava para recitar nessas visitas. 
Mamãe chamava de visitas fraternas. As cartas que recebíamos guardávamos em caixinhas. Uma vez ou outra, minha mãe pedia que lêssemos essas cartas para lembrar-nos de escrever de novo às crianças visitadas. Ainda criança e depois adolescente, fui padrinho de muitas delas. Em 1964, minha mãe recebeu uma ameaça, e meu pai proibiu de continuarmos com nossa rede solidária. 
Minha mãe lia em voz alta para nós as crônicas publicadas semanalmente nos jornais. Eram bonitas. Algumas eu não entendia. Mas era muito bom ouvir a voz de minha mãe pronunciando aquelas palavras dos textos. Fechava os olhos e viajava, imaginando. Sempre, depois dessas leituras, minha mãe tocava violão e cantava. Cantávamos juntos. Ouvíamos muito rádio e sabíamos as letras das canções. 
Adorava ouvir a previsão meteorológica e sair anunciando em toda a casa e para os vizinhos: hoje, máxima de 36 graus, mínima de 30 graus de temperatura. Era o máximo. 
Escrever cartas, bilhetes, telegramas e até crônicas é uma brincadeira prazerosa durante as oficinas. Levantar bibliografia de livros de crônicas e de cartas. Mexer em seus guardados e trazer para ler em grupo algumas dessas cartas de significação para cada um. Ler crônicas que nos chamaram atenção. Às vezes montamos um painel de tempos e contextos datados com essas peças que nos comovem. 
E como é gostoso contar cartas, contar crônicas e até cartões-postais. Eles trazem histórias afetivas também. Lembro sempre o livro de Cecília Meireles, “Problemas da literatura infantil”, e lemos especialmente o capítulo “Da literatura oral à escrita”.     

Texto originalmente publicado em “Pensar a leitura”, organizado por Eliana Yunes, da Coleção Teologia e Ciências Humanas, Edições Loyola, Editora PUC-Rio, 2002.

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