Meu avô costumava dizer que tudo no mundo é espiral. Mostrava-nos fotografias e desenhos dos planetas sempre com uma luz espiral em torno. Assim os planetas distribuem suas luminosidades para todos os cantos do mundo, sublinhava meu avô.
Assim também são os homens. Irradiam suas energias de forma espiral. Projetando-nos, dessa forma podemos nos comunicar com o entorno, interagindo, agindo e reagindo. Projetamo-nos e recebemos os comunicados, os sinais, as mensagens, as imagens, os cheiros; em resposta a essa distribuição de presenças. Palestrava e gesticulava meu avô sentado na cadeira de balanço.
O diálogo é circulante, redondo. Todo espaço tem um eixo. Esse eixo é o circulador das presenças. Espalha-nos por todos os cantos como um abraço. Dialogar é convidar o outro para o abraço: percepção. Perceber o espaço e se projetar nele por meio de seu eixo: partilhar. Compartilhar com os demais os espaços, as ideias, as energias e as emoções. Perceber é aprofundar o olhar. Dialogar com o corpo, com a voz: comunhão. Elaborava assim seu discurso.
Meu avô discorria horas a fio sobre o espaço [...]
Vovô dizia que ele não era o centro do mundo. Ele não era o dono do mundo. E muito menos o eixo do mundo. E mandava os netos circularem: com os olhos abertos, vendo enxergando, percebendo, dialogando com o que estava em volta. [...] Os canais sensoriais trabalhando, aguçando os sentidos, aprimorando.
Meu avô gostava de jogar percepção. Observação: fechávamos os olhos por alguns segundos e, quando abríamos, vovô estava ali com alguma mudança na gravata ou no cabelo, ou na boca, enfim, algum detalhe, sutil, de mudança em seu comportamento. Uma nuança. Por que nós gostávamos tanto de brincar com vovô? [...] Vovô aplaudia nossas descobertas. Fazia uma pausa e iniciava seu discurso sobre a relação corpo/espaço: agir e reagir. “Interagir”, repetia ele.
Os adultos tinham dificuldade em entender os discursos de meu avô. Até emitiam comentários depreciativos. Nós os netos, entendíamos nosso avô. Compreendíamos e gostávamos de participar de seus discursos e de suas observações. E brincávamos com ele longos tempos até o vô cansar e encerrar esses encontros com um “o tempo passou!”. Por fim vovô exclamava para nós “não me desmereçam, eles já fazem isso por vocês”, apontando para os adultos, e ria.
[...]
Hoje, meu avô é uma ausência, mas também uma eterna presença; nunca um esquecimento. Ele nos protege da pressa. O tempo passou... como as águas de um rio. O tempo passou e levou meu avô, como o rio, espalhando água por todos os cantos. Meu avô espiral. Espalhou-se no tempo.
In: Lembranças Amorosas de Francisco Gregório Filho, editado pela Global, 2000
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