Francisco Gregório Filho
“Este livro tem formato de um calendário.
A cada dia, nasce uma história.
Porque somos feitos de átomos, mas também de histórias”
Esta informação ouvi do Eraldo, jovem de voz vibrante e determinada, lendo a quarta capa do livro “Os filhos dos dias”, escrito por Eduardo Galeano e publicado pela editora gaúcha LPM Editores (www.lpm.com.br). O título original é “Los hijos de los días” e foi traduzido por Eric Nepomuceno, com ilustração de capa por Coco Cano.
O autor, um de meus favoritos, Eduardo Galeano, nasceu em Montevidéu em 1940. Viveu exilado na Argentina e na Catalunha, na Espanha, desde 1973. Em 1985 voltou ao Uruguai onde vive até hoje, caminhando e escrevendo.
Bem, amigos leitores, voltando ao Eraldo Galvão, ele é trabalhador de serviços gerais num centro cultural onde realiza serviços de limpeza nos salões das exposições das obras de artistas plásticos contemporâneos. Na convivência com as artes ali expostas e com seus criadores, Eraldo foi fisgado pelo vírus da curiosidade e do interesse pela leitura. Retornou aos estudos numa escola pública do curso do EJA, Escola para Jovens e Adultos, concluiu o ensino fundamental com trinta anos de idade. Logo ingressou no ensino médio e hoje, já com trinta e cinco anos, está fazendo as provas do Enem e tenta ingressar no 3º Grau, para cursar uma faculdade de letras. Concorre à parcela de vagas destinada a alunos oriundos de escolas públicas e que declaram pertencer a cor negra, conforme aquele sistema de cotas, regulamentado por lei, que determina para as universidades públicas uma reserva de vagas para esse segmento de alunos da nossa sociedade.
Não preciso dizer que os esforços de Eraldo são enormes para conseguir uma boa classificação nas provas que ora realiza, mas me diz que vai reivindicar seus direitos, se necessário. Torcemos aqui para ele e os demais que, como ele, estão na luta para a conquista de mais essa etapa da vida. Desejamos empenho e firmeza bem focados.
Prezados leitores, fui então apresentado ao livro do Galeano pelo leitor Eraldo Galvão, que por coincidência tem as mesmas iniciais do Galeano, E e G.
Comprei um exemplar na Livraria Arabesco e dediquei um tempo para a fruição de uma deliciosa leitura. Já na primeira pagina o autor nos chama atenção: “E os dias se puseram a andar. E eles, os dias, nos fizeram. E assim fomos nascidos nós, os filhos dos dias os averiguadores, os buscadores da vida” (Gênesis, de acordo com os Maias).
Livro aberto, sigo as sugestões de Eraldo para ir lendo, folheando as páginas aleatoriamente.
Então chego à página 363 e lá está novembro, dia 17, O outro ouvido:
“Hoje morreu, em 1959, o músico brasileiro Heitor Villa-Lobos. Ele tinha dois ouvidos, o de dentro e o de fora.
Em seus anos moços, quando ganhava a vida tocando piano num puteiro do Rio de Janeiro, Villa-Lobos dava um jeito de ir compondo suas obras, como quem não quer nada: fechava o ouvido de fora, e ouvia o ouvido de dentro que se abria para escutar nota a nota, sua música nascente.
Depois, nos anos maduros, o ouvido de dentro foi seu refúgio contra os insultos do público e os venenos dos críticos”.
Deixe o seu comentário