Espaço de Leitura - Noemi – Trouxeste a chave?

sexta-feira, 07 de dezembro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

Francisco Gregório Filho

Escreveu-me Noemi. Pediu ajuda para identificar a autoria de um poema. O poema chegou-lhe às mãos repassado por um rapaz em uma festa de uma dessas baladas de muita gente. Noemi recebera um envelope com o poema escrito à mão em um pedaço de papel. O rapaz entregou-lhe o envelope e sumira. Procurou-o para perguntar-lhe sobre o autor do poema mas não conseguira encontrá-lo.
Relata-me Noemi em sua cartinha que também não guardara a fisionomia exata do rapaz, coisa lá de festas, bebera um pouco mais da conta umas taças de vinho. Restara na memória da balada um som de roque muito alto, um rosto difuso na multidão de um rapaz sorridente, além de um envelope contendo um papel com o registro de um poema anônimo do qual gostara muito e que tem como título Flecha.
Gostei de receber essa cartinha da Noemi, apesar de não me lembrar de tê-la conhecido pessoalmente em algum momento anterior. No entanto fiquei sensibilizado e me agradou o pedido de ajuda. Fiquei logo mobilizado para buscar uma resposta positiva.
Bom, amigos leitores, eis aqui o poema que recebi pela carta da Noemi:

“na palavra flecha
podemos ouvir
o arco que se flete
a corda que rufla
 ar que freme e chia

é flecha a palavra
mas como prever
seu voo inflamável
seu trajeto flébil
o alvo onde se crava?”

Noemi, viva! Consegui localizar o poema. Está no livro Sob a face neutra*, escrito por Marco Catalão e editado pela Funarte em 2012. O autor é mestre em Teoria e História Literária (Unicamp). Poeta, dramaturgo e ficcionista, é autor de outros livros. Atualmente desenvolve uma tese de doutorado sobre a obra do poeta argentino Roberto Juarroz.
Pronto, consegui uma resposta positiva, objetiva e pontual. Para além disso, a Noemi, se desejar, poderá caminhar, por suas próprias pernas, para obter mais informações. Porém diria a nossa desconhecida leitora, talvez já melhor de sua ressaca, adquirida na balada roqueira daquela noitada em meio à multidão, que valeria sim adquirir o livro e conhecer mais aprofundadamente a poesia desse autor.
Tenho aqui em mãos um exemplar do livro e o abro aleatoriamente na página 15 e leio o poema Amora:

“a palavra amora
seria talvez menos doce
e um pouco menos vermelha
se não trouxesse em seu corpo
(como um velado esplendor)
a memória da palavra amor

a palavra amargo
seria talvez mais doce
e não pouco menos acerba
se não trouxesse em seu corpo
(como uma sombra a espreitar)
a memória da palavra amor.”

Peço licença aos amigos leitores para oferecer mais uma dica à cara Noemi. O livro tem como epígrafe um texto de Carlos Drummond de Andrade que vou transcrever aqui: “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deves: trouxeste a chave?” 

*Sob a face neutra foi contemplado
pela Bolsa de Criação Literária da
Fundação Nacional de Artes – Funarte, em sua quarta edição. www.funarte.gov.br.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS:
Publicidade