Espaço de Leitura - Moacyr Scliar - 19 a 21 de março 2011

sexta-feira, 18 de março de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Moacyr Scliar

a saudade ficou 

Já escrevi para esta coluna, mencionando Moacyr Scliar e sua instigante obra. Hoje, com saudade, me refiro novamente ao laureado autor. Ele partiu no dia 27 de fevereiro, e, com certeza, está em outra dimensão a conversar, sempre com ironia e risinho maroto, com homens de livros que o precederam nesta nova morada. A Drummond deve estar dizendo: “Veja, Carlos, este pessoal do Rio de Janeiro procurando o Humor em meus textos, acham que o privilégio é somente seu”.

O que agora importa é recorrermos à sua escritura, maravilhosa escritura a nos consolar pela sua ausência. Scliar é sobretudo um incentivador da leitura e enobrecedor da condição cultural da mulher. Servindo-se de sua vasta e multifacetada cultura no campo da História, Religião e Humanidades, criou narrativas cativantes onde mistura fatos históricos com uma criativa ficção. Um dos melhores exemplos desta sua postura é o romance A mulher que escreveu a Bíblia, livro provocativo a começar pelo título. Nele, a partir de um caso corriqueiro de escolha de profissão, dá a palavra a uma narradora letrada que conta uma história ágil, interessante e sobretudo reflexiva sobre as surpresas que a vida revela, em todos os tempos, lugares e condições sociais. A linguagem da narrativa é solta, mas precisa e de acordo com as normas, não se prendendo à censura prévia nem a exageros de mau gosto. Ela nos leva ao sorriso espontâneo provocado pela constante ironia fina. Fala nesta e em outras obras da tradição judaica, que bem conhecia devido a sua origem. Não deixou, entretanto, de abordar o fantástico no entrelaçado das tramas literárias. O romance O Centauro no Jardim foi incluído numa lista com os cem melhores livros relacionados à história dos judeus dos últimos dois séculos, elaborada pelo National Yiddish Book Center.

Scliar ousou provocar o leitor na abordagem de temas religiosos, sociais e culturais, ousou ao defender os esquecidos, os injustiçados, os oprimidos, a mulher..., ousou ao criar títulos instigantes. Quem não ficará curioso para ler o livro que recebeu o Prêmio Jabuti, em 2009, e tem como título Manual da paixão solitária? Quem não desejará conhecer os outros contos depois de ler o fragmento: “Espero que recebas esta carta. É que estou escrevendo já no meio do rio — e é a primeira vez que mando uma carta numa garrafa jogada às águas.” — História portalegrense?

Scliar é tudo isto e muito mais. Leiam, vão adorar.

Nelly Duffles – especialista em

Leitura pela Puc-Rio.

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