Espaço de Leitura - Lavadeiras de Lumiar e as pedras

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sexta-feira, 29 de março de 2013
por Jornal A Voz da Serra

Francisco Gregório Filho

Certa vez apanhei um ônibus no terminal rodoviário da Praça Getúlio Vargas e fui passear em Lumiar, distrito de Nova Friburgo. Desci do ônibus na pracinha do Centro. Tomei um cafezinho em uma padaria, e com uma garrafinha de água nas mãos, pus-me a caminhar, perambular pelas ruas e ladeirinhas. 
Terminei parando diante de um dos rios da região. Águas limpas, uma correnteza que produzia um barulho gostoso e um cheirinho de água com mato, terra e pedra. Muito tanquilizador aquele lugar. Um pouco mais adiante encontrei um grupo de mulheres lavando roupas. Lavadeiras das roupas de suas próprias casas e também das casas alheias. 
Explicaram-me que em boa parte das casas havia máquinas de lavar roupas, que algumas das famílias lavavam toda a roupa suja nessas máquinas. Em outras casas, parte das roupas era lavada nas máquinas e parte lavada com as mãos nos tanques. Em pouquíssimas casas, as famílias preferiam que as roupas fossem lavadas integralmente pelas mulheres lavadeiras. 
Um grupo dessas lavadeiras, ou por opção ou por não terem ainda adquirido as tais máquinas, lavavam as roupas nas beiras dos rios onde houvesse pedra para poderem bater as roupas.  Parei a conversar com essas mulheres trabalhadeiras que me acolheram bem e educadamente se dispuseram a um diálogo. Logo estava eu lhes dizer trechos de um poema de Cora Coralina chamado “Vida das lavadeiras”: “Sombra da mata/ sobre as águas quietas/ onde as iaras vêm dançar a noite.../ Não. Mentira./ Façamos versos sem mentir./ - Onde batem roupas as lavadeiras pobres”.* 
Também me lembrei de outro poema, “A lavadeira”, da mesma autora, e falei de cor alguns trechos: “Essa mulher.../ Tosca. Sentada. Alheada.../braços cansados/ descansando nos joelhos.../ olhar parado, vago, / perdido no seu mundo de trouxas e espumas de sabão – é lavadeira”.* 
Conversei muito, apesar de não querer atrapalhar seus ritmos de trabalho. Ouvi muitas histórias, depoimentos de uma vida dura. Algumas delas já eram avós e sustentavam suas casas e os estudos das filhas e de suas netas. “Não quero que elas também se tornem lavadeiras, quero estudem muito para encontrarem uma vida melhor”, disse-me uma delas. “Sou lavadeira, minha mãe e minha avó também foram.” 
Já disseram outras: “O rio me ajuda muito, lavo a roupa de casa e lavo roupa para fora para ganhar meu trocadinho”. “O mundo é grande e tem muita sujeira maior.” 
E ainda outras: “Lá em casa tá cheio de água, mas eu prefiro vir para o rio. Aqui aparece alguém pra conversar, pra prosear”. “Prefiro lavar roupa aqui do que em casa. A roupa fica mais bem lavada. E eu economizo minha conta d’água.”
A convite de uma delas fui visitar sua casa, ali próxima da beira do rio. Lá encontrei sua família: uma filha e uma criança—sua neta. Casa simples, arrumadinha e muito limpa. Percebi, bem próxima a uma televisão que estava ligada em um canal que veiculava uma reprise de novela, uma pequena estante com alguns livros. Passei a vista nos títulos e puxei um deles. Veio um livro de contos de Drummound. Abri aleatoriamente o livro e pousei minha vista na página de um conto chamado “As Lavadeiras de Mossoró”. Aproveitei e li em voz alta para as mulheres da casa o seguinte trecho: 
“As Lavadeira de Mossoró, cada uma tem sua pedra no rio; cada pedra é herança de família, passando de mãe a filha, de filha a neta, como vão passando águas no tempo. As pedras têm um polimento que revela a ação de muitos dias e muitas lavadeiras. Servem de espelho a suas donas. E suas formas diferentes também correspondem de certo modo à figura física de quem as usa. A lavadeira e a pedra formam um ente especial, que se divide e se unifica ao sabor do trabalho.
Na pobreza natural das lavadeiras, as pedras são uma fortuna, joias que elas não precisam levar para casa.”**
* – Meu Livro de Cordel – Cora Coralina – Editora Global – 2ª edição – São Paulo 
** – Contos Plausíveis – Carlos Drummond de Andrade – Editora José Olympio – Rio 1981.       

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