Francisco Gregório Filho
Testemunho com certa surpresa e contentamento o crescente movimento dos jovens interessados em escrever. São leitores de diferentes modalidades da literatura e que exercitam a escrita em seus cadernos ou em seus computadores, como em caminhos simultâneos de leitor-escritor.
Tenho merecido a confiança de muitos desses jovens que me procuram pedindo para ler seus textos. Alguns ainda desbravando florestas, como que num ato de registrar sentimentos ou de elaborar um discurso sobre suas impressões acerca das relações humanas. Quase sempre recomendo para que continuem a escrever e a ler muito. Às vezes saio até distribuindo livros de meus autores favoritos, como o João Guimarães Rosa, que certa vez escreveu:
“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem!”*
Nos textos desses jovens, leio de tudo um pouco, crônicas, poemas e contos e me vem outra vez na cabeça o Rosa, que num depoimento dizia:
“Não preciso inventar contos, eles vêm a mim, me obrigam a escrevê-los. Acontece-me algo que nesse caso se chama precisamente inspiração. Isso me acontece de forma tão consequente e inevitável, que às vezes quase acredito que eu mesmo, João, sou um conto contado por mim mesmo. É tão imperativo.”*
Em minhas andanças de contador de histórias e mesmo em minhas oficinas, quando apresento livros e outros materiais de leitura, tenho estabelecido certa empatia com os jovens, estudantes de diferentes faixas de idade, e aí as trocas de textos e as indicações de livros são permanentes. Nesse caminho, recorro muito à obra do mestre Paulo Freire. Seus escritos, voltados a quem ensina, sempre me trazem inspiração nesse meu trabalho de incentivador da leitura e da escrita. Tem um texto dele especialmente que me ajuda muito a entender essa inquietude e essa necessidade da escrita. “A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de ‘ler’ o mundo particular em que me movia me é absolutamente significativo. Neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e re-vivo no texto que escrevo, a experiência vivida.”** Assim entendo o esforço desses meninos de colocar no papel, ainda que de forma pouco elaborada e mesmo atabalhoada, suas primeiras vivências.
É nessa perspectiva de Paulo Freire que percebo a importância do trabalho que realizam alguns professores e que merecem nosso aplauso, especialmente aqueles de nossa Região Serrana, que tem esse compromisso de estimular seus alunos para o exercício de ler e escrever, de registrar suas memórias e histórias. Sabemos que são poucos ainda os mestres com esses conceitos já internalizados, mas tenho visto que mais e mais o resultado dessa experiência já é visível na leitura que faço dos textos que me chegam desses meninos jovens escritores.
* Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa,
editado pela Nova Fronteira, 2001
** A Importância do Ato de Ler, de Paulo Freire,
editado pela Cortez, 1988
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