Francisco Gregório Filho
O fato existiu mesmo. A carta original está em Portugal, compondo os registros sobre a história colonial brasileira.
A descoberta de uma cópia desta carta pelo historiador Luiz Mott foi tão importante que o dia 6 de setembro se tornou o dia estadual da consciência negra no Piauí, e Esperança Garcia se tornou nome de maternidade e de alguns grupos culturais voltados para africanidade em Teresina.
A carta é datada do dia 6 de setembro de 1770 e dirigida ao governador da capitania do Maranhão e do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro.
Não se sabe onde a escrava Esperança nasceu, nem o ano. No entanto, ela se destacou por sua coragem em escrever a primeira petição para um governador relatando os maus-tratos sofridos nas mãos do capitão Antonio Vieira do Couto, inspetor de Nazaré, hoje município de Nazaré do Piauí. Por ser escrava de fazenda jesuíta, Esperança Garcia foi certamente alfabetizada e catequizada por eles.
A Editora Pallas marca importante ponto no mercado editorial com o lançamento do livro “Quando a escrava Esperança Garcia escreveu uma carta”, escrita por Sônia Rosa e ilustrado por Luciana Justiniani Hees. Belíssima obra (do ponto de vista gráfico e do ponto de vista de conteúdo).
Sônia Rosa frequentemente nos surpreende com sua poética. Já publicou trinta e cinco livros em prosa e poesia. Sônia é professora-pedagoga, com especialização em leitura, cultura e história africana. A autora dá nome a várias salas de leitura no Rio de Janeiro.
Luciana Justiniani Hees é uma ilustradora brasileira e vive em Moçambique desde 2003. Tem ilustrado livros cujos temas são a cultura africana e a afro-brasileira, trabalhos premiados.
“Ela, Esperança Garcia, continua esperando a resposta da carta que escreveu ao Governador … porque uma Esperança de verdade nunca desiste de esperar. E assim, nessa incansável espera, Esperança Garcia entra para a história como a escrava corajosa que redigiu a primeira carta-petição no Brasil afro-brasileiro”, escreveu Sônia Rosa, felicíssima pelo resultado de seu esforço em pesquisar e compartilhar essas notícias que tanto nos orgulham e nos lembram as vozes de nossos ancestrais-inquietos e que denunciavam as injustiças:
“A História mostrou que a força da voz de Esperança Garcia foi um grito de libertação! E que não foi em vão.
Esperança Garcia – um grande exemplo de vida! Uma mulher realmente inesquecível!”.
Recomendo a leitura do livro pelos professores, crianças e jovens leitores sublinhando a beleza do texto de Sônia Rosa e o alumbramento dos desenhos e cores da ilustradora Luciana. E transcrevo aqui essa carta, adaptada à linguagem atual, e que ficou sem resposta:
“Eu sou uma escrava de V. S. da administração de capitão Antonio Vieira de Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrador, que me tirou da Fazenda de Algodões, onde vivia com meu marido, para ser cozinheira de sua casa, passo muito mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho, uma criança, que lhe fez extrair sangue pela boca; em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo apeada; por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V. S. pelo amor de Deus e do Seu valimento, ponha os olhos em mim ordenando, digo, mandar o Procurador que mande para a fazenda onde ele me tirou, para eu viver com meu marido e batizar minha filha.
De V. Sa. sua escrava, Esperança Garcia”.
Deixe o seu comentário