Francisco Gregório Filho
Estou a namorar. A namorar um texto. Namorando com calma, com cautela. Ir me aproximando dele devagar, sem pressa. Leio, namoro, volto, leio de novo, paro, penso, novamente retomo sua leitura. Namoro. E aí passo, viro a folha, volto a ler outra vez. É, completamente enamorado, vou em pleno exercício de enamoramento de um texto. Suas palavras, seu alinhamento com o raciocínio conceitual despertado em mim. Inteiramente instado ao enamoramento.
Aqui esclareço amigo leitor sobre qual texto venho lhe falar. “Quando as violetas” é seu título.
Já não é a primeira vez que me descubro enamorado desse texto. Pus meus olhos sobre ele há mais de 20 anos atrás, quando de sua primeira edição, incluído na coleção Ler e Fazer, publicada pelo Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler), da Biblioteca Nacional, no período de 1992 a 1996. Mais recentemente me reencontro com ele, agora numa edição que reúne todos os títulos da série num único volume, publicado no livro de mesmo título da série, Ler e Fazer*, pela Cátedra Unesco de Leitura Puc-Rio.
Pois nessa conversa de hoje, fraterno leitor, falo desse texto escrito por amiga muito querida que, após a tragédia de 2011, que nos abateu tão violentamente, deixou Friburgo para retornar a Bicas, Minas Gerais, sua terra natal. Marilu, como é conhecida pelos mais próximos, por longos anos, morou em Friburgo, exercendo o magistério em escolas públicas e privadas. Maria Luiza Almeida é especialista em Teoria da Literatura e ainda mestre e doutora em Língua Portuguesa. É também psicóloga, com pós-graduação em Teoria e Clínica Psicanalítica**.
Gostaria de sugerir essa leitura aos educadores de dentro e de fora das escolas, bem como aos bibliotecários e agentes promotores da leitura. Um texto que me provoca e me anima por reforçar em mim a certeza de que nossos acervos pessoais, adquiridos ao longo da nossa vida, são permanentes em nós. Num jeito caloroso, mas muito afetivo, Marilu mostra o caminho próprio que trilhou na iniciação ao prazer de ler, na escolha de seus autores favoritos, enfim, como se deu seu enamoramento pela leitura e pelo livro.
“Ah! Tão bom sentar em semicírculo e ouvir meu pai ler o almanaque da farmácia. Aprendi sobre ervas, dicas sobre o tempo, os ventos, as frutas... sem contar que comer o pãozinho doce feito pela minha mãe... sentados à noite na cozinha...”
De muitos modos pode se dar a iniciação ao gosto pela literatura, pelo livro, pelas linguagens artísticas, mas penso que esse gosto se dá, de algum modo, a partir de uma relação afetiva com o conhecimento que pode nos chegar de vários modos, como no caso da Marilu, a partir de seu cotidiano familiar. Pode vir de um amigo que nos convida a ouvir uma música nova ou a ver uma peça de teatro. Pode também e principalmente nos chegar de um professor, que nos orienta e indica uma primeira leitura. Nesse sentido a escola é um lugar privilegiado para isso. Sei de muitos jovens que são gratos a seus mestres pela iniciação à literatura. Rapazes e moças conectados e interferindo nos acontecimentos políticos e sociais das suas cidades, muito a partir de boas experiências vividas em sala de aula com a arte e com a literatura.
Assim, considero um compromisso nosso, aqui nesta coluna, compartilhar sempre nossas leituras, nossos achados, oferecer indicações de onde encontrá-los. Não é isso?
E para dar um gostinho a mais da leitura sugerida de hoje, recorro a outro belo fragmento do texto de nossa amiga Marilu:
“E promover a leitura, porque acreditamos que é uma chance de qualificarmos mais as relações humanas e valorizarmos os indivíduos nas suas identidades, não é para mim um mostrar como se lê, é ler junto, na diferença. Ler é verbo de regência com, de estar junto – eu leio assim e você outro assim – namorando o livro, a vida com paixão. Acredito que ser leitor é lidar também com os afetos, ler afetos, e a leitura afetiva aparece quando utilizo todos os sentidos e eles têm trânsito livre para o texto e vice-versa. No namoro há encontros e desencontros, afeto, amor, tristezas e alegrias. Namorar é também ato de generosidade: encontro de autor que é leitor, no espaço de existência do texto, com muitas e outras subjetividades do leitor que é autor.”
*Ler e fazer. Org. Eliana Yunes. Cátedra Unesco de Leitura Puc-Rio e Editora Reflexão. São Paulo, 2011.
**Marilu como a chamamos carinhosamente, continua trabalhando como psicanalista em consultório e em projetos sociais, culturais e educativos em Minas e claro, a escrever sobre as práticas de formação de leitores.
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