Há pouco li nesta coluna sobre texto sobrenatural. É de fato um tipo de literatura instigante, se de fato for Literatura. Reportei-me logo à obra de Moacyr Scliar. Muitos de seus contos e romances são desconcertantes. Embora membro da ABL desde 2003, tendo recebido inúmeros prêmios, tenha obras traduzidas em mais de dez idiomas, ter galgado alto patamar na moderna literatura brasileira, no Rio de Janeiro seu nome, às vezes, não recebe o destaque que merece. Ele escreve para jornais de Porto Alegre e São Paulo, nos do Rio casualmente aparece. Como já foi constatado que há gente que se diz leitor, mas o é de apenas papel jornal, talvez isto explique este desconhecimento. Mas sempre é tempo de conhecer-se sua obra. Seu estilo é leve e irônico, suas obras frequentemente abordam a imigração judaica no Brasil, retratam temas do socialismo, da medicina, enfim o cotidiano da classe média do país.
Seus contos, geralmente curtos, levam a desfechos surpreendentes. O leitor põe-se sempre a refletir e dizer: “não esperava por esta”. Mas ao lado desta expressão há também a alegria de constatar como é preciosa sua narrativa. Quando ouvi na voz de uma contadora “História portoalegrense”, procurei obras de Scliar, a cada nova leitura, o encanto só aumentou. E isto se deu com outros; vejamos o caso da premiação do livro “A vida de Pi” do escritor canadense Yann Matell, em 2002. A semelhança com o núcleo do romance de Scliar “Max e os felinos” é gritante. Houve até o boato que nosso autor processaria o canadense por plágio. Matell confessou que havia lido a obra defendendo-se ao dizer que a abordagem era outra. Scliar, elegantemente, disse que tudo não passara de exagero da mídia.
Em “Max e os felinos” o protagonista cresceu oprimido por um tigre empalhado que seu pai conservava em sua loja como símbolo de sua força e aventuras. Max odeia o tigre e felinos em geral. Por ironia do destino, para seu desespero, quando fugia da Alemanha nazista seu navio afunda o deixando no meio do oceano em um pequeno bote com um jaguar.
Em a “A vida de Pi” o narrador é um jovem indiano que foge para o Canadá, nos anos 70, para se afastar da instabilidade política de seu país. O cargueiro levava vários animais de um circo que pertencera a seu pai. Quando o navio naufraga, Pi se vê em um barco com uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre de Bengala.
As duas obras são ótimas, vale conferir.
Nelly Duffles é especialista em leitura pela PUC-Rio.
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