Espaço de Leitura - Delicadamente aterrorizantes - 2 a 4 de abril 2011

Por Laura van Boekel (*)
sexta-feira, 01 de abril de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Ao longe se escuta o Vento. Vento da memória, que sopra rascante. Ele passa, vagaroso e arrebatador, ferindo os diversos rostos de um narrador em primeira pessoa que grita em poesia dores anestesiadas, mistérios recônditos, lancinantes saudades e medos profundos.

O resultado desses gritos poéticos são doze pérolas: doze contos de terror urdidos pelo discurso, de sensibilidade e ternura raras, da premiada escritora carioca Roseana Murray e reunidos em livro: Vento distante, da Escrita Fina Edições.

Mas que terror é este?

Não é aquele em que em rolam cabeças ferozmente arrancadas dos corpos, nem em que o sangue quase espirra das páginas. Não, não é um terror sanguinolento, não é um terror grosseiro, agressivo. É sutil, mais propriamente psicológico, mesmo trazendo em muitas das histórias traços sobrenaturais. São contos delicadamente assustadores. Dá-se nessas narrativas, como bem diz o texto de quarta capa, “o doce encontro entre beleza e terror”. E, nesse encontro, questões ficam suspensas para que o leitor lhes dê sentidos.

Para exemplificar essa atmosfera de horror sutil de Vento distante, um conto – “No quarto dos irmãos”– é trazido agora à baila.

Nessa história, a narradora retorna a um episódio muito marcante de sua infância. Ela e a irmã caçula sofrem, em razão de um esqueleto montado no quarto dos irmãos, uma tortura psicológica: eles obrigam-nas a cumprimentar, por meio de apertos de mãos e beijos, o tal esqueleto. Para o imaginário infantil das meninas, que enxergam nas caveiras seres do mal, aquele contato é horripilante. Depois disso, as meninas vivem em pânico durante vários meses, até o dia em que os irmãos avisam-nas de que dona Maria dos Ventos, nome com o qual batizam o esqueleto, voltará para a faculdade, de onde a haviam trazido. Obrigam-nas novamente a passar pelo desespero de tocar no esqueleto para se despedirem. Para elas, outro momento de puro horror.

Ao fim do texto, a narradora faz pertinentes reflexões: “E hoje, quando escrevo este conto, tão longe daquele tempo na porta do quarto dos irmãos, eu penso: Quem teria sido a D. Maria dos Ventos na vida real? Como foi parar numa caixa de papelão na nossa casa? Por que às vezes são tão maus os irmãos?”.

Para corroborar o clima de terror e delicadeza das narrativas, o livro traz um primoroso projeto gráfico de Martha Werneck.

Vento distante é uma publicação refinada que causa calafrios e questionamentos. Vale a pena ser lida.

(*) Coordenadora editorial da Escrita Fina Edições

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