Francisco Gregório Filho
Como já comentei aqui neste espaço com os amigos leitores, acordo diariamente muito cedo, melhor dizendo, cedo de cedinho. Acordo e me levanto às quatro para as quatro e meia horas. Faço o café após tomar dois copos com água. Bom, aí vou ler, escrever e fazer meus trabalhos manuais. Confeccionar pipas com os retalhos de tecidos das trouxinhas que minhas amigas me presenteiam. Costuro, bordo, pregos botões e às vezes outros materiais nos brinquedos voadores.
Confeccionando as pipas e no manuseio das varetas de bambu, linhas, colas e as pontas de fazendas, chego a conquistar alguns instantes de profunda quietude interna, e nesses instantes consigo ordenar umas experiências vividas ou sonhadas e escrevê-las nos objetos de voar como um mosaico. Também escrevo essas experiências como narrativas com a caneta em um caderno de anotações.
As pipas que têm em seu compromisso primeiro o voo do imaginário ganham molduras e aí se libertam e seguem seu exercício da imaginação com quem as encontram em exposições nas galerias, bibliotecas, centros culturais, museus, escolas, clubes e espaços de artes outros: “Pipas que contam Histórias”. As pipas são expostas acompanhadas também com as narrativas digitalizadas e impressas em papel cartão.
A fruição acontece no momento da leitura da imagem junto com o texto e a narração oral. O texto na pipa, o texto escrito no papel e o texto escrito na voz. O que chamo de oratura sensorial: a oralidade e as escrituras.
O texto lido em voz alta acompanhado da pipa tecida como uma ilustração, sendo a pipa também um texto. A ideia de produção de leitura de forma ampla e orgânica—cerebral mais sensorial e/ou razão mais emoção.
Pois, amigos leitores, os textos estão publicados em livros e revistas, em escritos fotográficos e impressos, cabendo aos leitores destravarem a imaginação e voarem juntos. E esses voos reúnem o autor, a obra e os leitores. Bem, assim considero meu exercício de criador e leitor.
Pois não é que nessa semana recebi um presente que me cativou profundamente e que num certo sentido parece muito com a minha produção de pipas? Um presente que me chegou pelo correio, um pacote com a escrita do remetente registrando o destinatário, com o meu nome e o meu endereço. O presente foi enviado de São Bernardo do Campo, São Paulo. O remetente é o Senhor Cezar Lívio, nascido em Nova Friburgo e morador daquela cidade. Metalúrgico aposentado.
Então, abri o pacote e com uma surpresa agradável vi uma miniatura de um rádio, dos antigos aparelhos de rádio, confeccionado em madeira, contendo dentro um outro aparelho pequeno, ainda mais em perfeito funcionamento. Muito simpático o presente e ainda muito simpático o criador da obra que colocou minha imaginação em função.
Conversamos por telefone. Falou-me de sua família de Nova Friburgo. Contou-me de seu pai, pioneiro na história do rádio na cidade e que o presente era um jeito de responder ao texto publicado na nossa coluna no dia 11 de agosto de 2012.
É uma alegria conhecer e trocar contatos com os leitores aqui desta coluna. Fico comovido e acreditando mais ainda na importância da leitura e da escrita na formação dos cidadãos. Agradeci ao Cezar Lívio a atenção e ao presente que tanto me deixou mobilizado que, aproveitei a oportunidade para encomendar mais dois exemplares para que eu possa presentear a amigos apreciadores e colecionadores de aparelhos de rádio. E claro, vou confeccionar uma pipa especial e enviar ao Lívio como um gesto de gratidão.
E como diz o livro que por coincidência acabo de receber também de presente:
“O bom artífice sabe que não deve trabalhar contra as forças resistentes, mas com elas, sabe como completar suas tarefas empregando o mínimo possível de esforços (como os chefs quando fatiam vegetais) e, acima de tudo, sabe “brincar”, e é aí que nasce o diálogo com os materiais que ele manuseia, com as obras, com seus fruidores e amigos leitores”.*
*“O artífice”, escrito por Richard Sennett, da editora Record, com tradução de Clóvis Marques.
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