Ana Letícia Leal
O Facebook tem propiciado encontros virtuais frequentes entre a turma do Colégio Teresiano. Daí a ideia de compartilhar esta lembrança que tenho guardada na minha tese de doutorado. O ponto de partida é A bolsa amarela, um dos mais conhecidos livros de Lygia Bojunga.
Pois quando o Teresiano programou esta leitura, eu já tinha lido o livro uns dois ou três anos antes. Dois ou três anos, quando se é criança, é muito tempo, então estranhei que a gente fosse ler um livro de criancinha... Qual não foi minha surpresa, porém, quando a dona Sônia abriu os nossos olhos para as nuances da linguagem literária!
Metáfora. Metonímia. Onomatopeia. Conotação. Linguagem figurada. Gíria. Modo de dizer. Abreviação. Pra. Tá. Um galo que conversa. Uma guarda-chuva que namora com ele. A história se passava como se fosse um livro para criancinhas, mas era também um livro para pré-adolescentes, adultos, para sempre. E como se fosse um abraço apertado eu não larguei mais A bolsa, como a protagonista e narradora Raquel faz com o alfinete de fralda, no meu romance onde me escrevo, A bolsa ficou guardada dentro de mim assim:
Então, quando a dona Sônia foi explicar a metáfora ela deu, entre outros exemplos, a frase: “Fui dormir na maior fossa de ser criança podendo tão bem ser gente grande”.[1] Nunca me esquecerei da surpresa ao descobrir que existia um espaço concreto chamado fossa. Pra mim, estar na fossa é que era concreto... Como eu pensava que era concreto estar triste ou alegre... Mas não! Estar na fossa, conforme eu reaprendia, era uma coisa escrita por alguém. Lygia tinha selecionado um modo de dizer um modo de sentir. Estar na fossa era também estar no fundo de alguma coisa de onde se poderia sair. Estar na fossa era sentir algo desagradável, mas ao mesmo tempo poder dizer aquilo de uma forma criativa.
Quer dizer que os moradores da bolsa podem ser lidos, também, como criações da Raquel, seus amigos invisíveis, sonhos dela, modos de ela pensar… Quer dizer que a gente pode estar no buraco um dia e não estar mais no outro? Na minha primeira leitura do livro, outras coisas tinham-se ressaltado! Reler é melhor ainda do que ler!, descobri.
[1] In: Bojunga, Lygia. A bolsa amarela. Casa Lygia Bojunga, 2007, p. 13.
Ana Letícia Leal é escritora e pesquisadora da Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio. Autora de Para crescer e Maria Flor (editora Escrita Fina), entre outros. Esse texto foi publicado inicialmente no seu blog, HTTP://diariosbordados.blogspot.com
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