Espaço de Leitura - A escuta da memória

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

Fui convidado para participar de uma mesa redonda para, junto com outro convidado, desenvolver uma fala sobre leitura e memória. Animado para a experiência escolhi uma abordagem em que sublinhava alguns dos livros de literatura por mim lidos e relidos muitas vezes. Com um auditório lotado de professores, fui surpreendido com a revelação de meu parceiro de mesa, Vinícius, um jovem adolescente de apenas 14 anos e já com sua memória de leitor ordenada e estruturada numa síntese contundente. Eu, com meus mais de sessenta anos, em profundo debate com esse jovem e o auditório, numa conversa rica de lembranças sobre passagens de textos de alguns de nossos escritores favoritos.

De cor, de coração, recitávamos, inclusive, falas inteiras de passagens que tanto nos comoveram em nossas distintas trajetórias de leitores e, aqui e ali, descobríamo-nos como produtores de memória.

Saímos do encontro todos como bons amigos.

“Sabes de quantas vozes diferentes compõe-se um coro. Apesar disso, é uma impressão de unidade que sobressai do conjunto. As vozes são altas, baixas, médias; ao canto dos homens se reúne o das mulheres; o todo é sustentado pelo acompanhamento das flautas. Nenhuma voz individual se pode distinguir; é o conjunto que se impõe ao ouvido. (…) Assim espero que seja também com nossa alma. Que receba boa provisão de conhecimentos, de preceitos, de exemplos tomados de diferentes épocas, mas que tudo conspire para um mesmo fim.” (Fragmento da obra “Lettres à Lucilius” de Sêneca, falado por Vinícius.)

Um grupo de amigos, formado por profissionais de diferentes áreas, anda com uma disposição jovial de criar uma Casa da Memória da Infância, um centro de estudos e pesquisas sobre infância. O grupo tem realizado encontros para debates, inclusive com a presença de crianças. Outro dia, com o processo desencadeado, já numa conversa acalorada, após ter contado umas histórias de minhas memórias, uma menina de pouco mais de quatro anos, de súbito, disse ter saudade do seio de sua mãe. Ingênua manifestação que impregnou o ambiente de um ar poético e a constatação de que uma criança é também produtora de memória. Dessas boas memórias que vão constituindo nossos acervos de experiências pessoais e sociais para sempre. E aí podemos registrar e socializá-las, compartilhá-las, publicá-las.

Carolina Tavares, com seus seis anos de idade, publicou um livro com ajuda da avó, Antonia Kraap. “A natureza pede amor”, da Editora Ibis Libris:

“Quando a natureza muda as estações e faz frio no verão e calor no inverno, a terra não está sendo ajudada a viver bem. Vem o susto e o medo, que nenhuma criança gosta. E os animais também sofrem e morrem. É uma tristeza que ninguém merece. Então eu falo e peço, no meu livro, que todos me escutem para o nosso bem e de toda a terra: Amem a natureza como se ela fosse uma criança como eu, que precisa só de amor! Só amor!”

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