Espaço de Leitura - 7 a 9 de maio 2011

sexta-feira, 06 de maio de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Nada como iniciarmos

o mês de maio com

a prosa poética

do escritor mineiro

Bartolomeu

Campos Queiros

Era silencioso o amor. Podia-se adivinhá-lo no cuidado da mãe enxaguando as roupas nas águas de anil. Era silencioso, mas via-se o amor entre seus dedos cortando a couve, desfolhando repolhos, cristalizando figos, bordando flores de canela sobre o arroz-doce nas tigelas.

Lia-se o amor no corpo forte do pai, em seu prazer pelo trabalho, em sua mansidão para com os longos domingos. Era silencioso, mas escutava-se o amor murmurando — noite adentro — no quarto do casal. A casa sem forro, deixava vazar esse murmúrio com o aroma de fumo e canela, que invadia lençóis e dúvidas, para depois filtrar-se por entre telhas.

Experimentava-se o amor quando, assentados ao calor da cozinha, pai e mãe falavam de distâncias, dos avós, das origens, dos namoros, dos casamentos.

E, quando o sono chegava, para cada menino em cada tempo, era o amor que carregava cada filho nos braços para a cama, ajeitando o cobertor sob o queixo.

Com a mãe, os filhos aprenderam a brincar. Ela fazia tudo ficar mais alegre. Se era longa a distância, ela brincava de contar as estacas da cerca, de correr atrás da sombra, de pular carniça, de andar no ritmo dos escravos de Jó. “Brincar encurta o caminho”, dizia ela. Se alto era o morro, quem chegar primeiro é o mais bonito e vira anjo, gritava já correndo. É claro que ela sempre é quem ganhava. Se faltavam histórias, era olhando o céu que ela lia as personagens. Antônio lembrava do olho verde de vidro do avô.

Ao fazer biscoitos, massa pronta, ela distribuía pedaços com os meninos. Cada um fazia seus bichos, suas frutas: coelhos, laranja, serpentes, tatus, bonecos, cachorros. Depois ela assava ou fritava, perguntando: querem os bonecos louros ou morenos?

Foi assim brincando que ela ensinou os meninos a fazer e comer a Bandeira Nacional, quando faltava carne. Ela servia os pratos com chuchu verdinho — afogado com água de mina — arroz e mais ovo frito, enquanto recomendava: está no prato o verde das montanhas. Se misturar o arroz e a gema, vira ouro. O prato é esmaltado de azul. Está tudo pronto.

Assim Antônio aprendeu a fazer bandeira — primeiro desenho — ajudado também pelas ordens de José, que nessa hora não media esforços e conhecimentos. Até as estrelas podiam ser feitas, segundo ele, com grãos de arroz branco. A faixa de ordem e progresso era uma beirada de clara.

Depois de pronta:

— Está bonita mãe?

— Muito linda — dizia ela...

— Então vou comer...

— Não esqueça que cada parte tem um gosto — falava.

Então aquela bandeira fria passava a ser a coisa mais saborosa de todas as comidas. Saber e comer eram coisas juntas.

— Já comi as montanhas — gritava um.

— Vou comer ouro, agora — falava outro.

— Agora vou comer o Cruzeiro do Sul — falava o irmão sábio, com voz desafinada, de frango metido a galo.

Trechos do livro Indez de Bartolomeu Campos de Queirós, editado pela Editora Global São Paulo.

Você sabe o que quer dizer “Indez”? Pesquise! Semana que vem a gente conta...

“Era silencioso, mas via-se o amor entre seus dedos

cortando a couve,

desfolhando repolhos,

cristalizando figos,

bordando flores de canela sobre o arroz-doce

nas tigelas”

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