Espaço de Leitura - 4 a 6 de fevereiro 2012

sexta-feira, 03 de fevereiro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

Um pouco de Bartolomeu para matar (ou aumentar) a saudade

Os anos lixaram a madeira do banco na porta da cozinha. Com a chuva, o sol, o sereno, a tábua ficou lisa, clara, curtida. Por muitas vezes eu me assentava nele enquanto meu coração me perguntava um monte de porquês silenciosos. Sem resposta nenhuma, eu via, lá no fundo, moitas de bananeiras que já haviam dado cachos e meu avô não as cortava para não desbastar a paisagem. Os olhos precisam de conforto, ele me dizia, quando indagado sobre essas bananeiras mudas e sem mais futuro.

Meu avô me convidou, naquela tarde, para me assentar ao seu lado nesse banco cansado. Pegou minha mão e, sem tirar os olhos do horizonte, me contou:

O tempo tem uma boca imensa. Com sua boca do tamanho da eternidade ele vai devorando tudo, sem piedade. O tempo não tem pena. Mastiga rios, árvores, crepúsculos. Tritura os dias, as noites, o sol, a lua, as estrelas. Ele é dono de tudo. Pacientemente ele engole todas as coisas, degustando nuvens, chuvas, terras, lavouras. Ele consome as histórias e saboreia os amores. Nada fica depois do tempo.

As madrugadas, os sonhos, as decisões duram pouco na boca do tempo. Sua garganta traga as estações, os milênios, o ocidente, o oriente, tudo sem retorno. E nós, meu neto, marchamos em direção à boca do tempo.

Meu avô foi abaixando a cabeça e seus olhos tocaram em nossas mãos entrelaçadas. Eu achei serem pingos de chuva as gotas rolando sobre os meus dedos, mas a noite estava clara, como tudo mais.

(Bartolomeu Campos Queirós. “Por parte de pai.” Belo Horizonte: Editora RHJ, 1995, p. 70-72).

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