​Escândalo da carne: quais os riscos à saúde?

Nutricionista esclarece detalhes e consequências da operação Carne Fraca, que revelou fraudes na indústria da carne brasileira
terça-feira, 28 de março de 2017
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Pixabay)
(Foto: Pixabay)

Numa época em que informações inventadas ou não devidamente apuradas circulam livremente através de publicações apócrifas nas redes sociais, A VOZ DA SERRA abre espaço para o nutricionista Renato Sippli explicar o que realmente foi descoberto pela Polícia Federal, e quais as consequências da fraude para a saúde e a economia no Brasil.

A VOZ DA SERRA: Existem muitas informações desencontradas a respeito do que foi descoberto pela operação “Carne Fraca”. O que realmente aconteceu?
Renato Sippli:
Como em todos os setores da economia, a indústria alimentícia também sofre com a corrupção. Exemplos  disso são licitações fraudulentas para fornecer refeições em escolas, hospitais, presídios, canteiros de obras em construções do governo, e por aí vai. No entanto, a corrupção aparentemente não começa neste estágio, mas na própria produção de carnes processadas, como linguiças, salsichas, hambúrgueres e nuggets. Existe uma regulamentação para especificar o que pode ou não pode ser matéria prima para esse tipo de alimento. O peito de peru, por exemplo - que é visto como alimento saudável pela maioria das pessoas - deveria ser feito de peito de peru, mas na verdade é feito a partir da carcaça de outras aves, depois de retiradas as partes mais nobres como peito, coxa e sobrecoxa. Todo o restante é triturado, moído, e recebe a adição de produtos químicos como conservantes e aromatizantes para se tornar agradável aos olhos e ao paladar dos consumidores. O mesmo acontece com a linguiça de porco, que deveria ser feita do nobre pernil, mas descobriu-se que usam até a cabeça do animal para a preparação do alimento. A mesma fraude também ocorre com hambúrgueres, nuggets e outros tipos de embutidos.  Além de serem utilizadas partes de animais inadequadas para a produção desses alimentos, uma questão ainda mais grave aconteceu: a utilização de carne deteriorada, que traz riscos sérios à saúde do consumidor. Obviamente isso só acontece porque fiscais ligados à vigilância sanitária e outros órgãos de fiscalização estavam fazendo “vista grossa” em troca de propina.

Muito se falou a respeito da suposta utilização de papelão em salsichas, mas resta a possibilidade de ter havido um erro de interpretação na gravação que deu origem a esta suspeita. O que o senhor pode dizer a esse respeito?
Sim, essa é uma questão que ainda não foi bem elucidada. É sabido que fabricantes de salsicha vêm utilizando a celulose já há alguns anos, e obviamente ela é um produto de origem vegetal e o principal componente na produção de papelão. Eles defendem o uso desse produto alegando que melhora a consistência e propicia a diminuição de gorduras saturadas. Todavia, pesquisando na literatura científica, encontramos poucos estudos comprovando a segurança da ingestão desse produto por humanos no longo prazo. A probabilidade maior é de que o uso de celulose esteja ligado a um questão de custo na preparação de alimentos e não à preocupação das industrias com a saúde dos consumidores.  Resta saber se, para economizar ainda mais, essas empresas utilizam apenas a celulose, ou realmente o papelão bruto no processo de fabricação.

Também foram muitas as postagens a respeito de adição de “ácido”, em referência ao ácido ascórbico, e agentes cancerígenos aos alimentos. O que o senhor tem a dizer a esse respeito?
Sobre o ácido ascórbico, o único possível risco ao consumo seria a sobrecarga renal e possível formação de cálculos renais. Já os nitritos e nitratos utilizados na conservação de embutidos, esses sim são cancerígenos.

Qual o impacto que a divulgação dessas irregularidades deve ter sobre a poderosa indústria da carne no Brasil?
Para ser considerado seguro, o alimento precisa seguir um conjunto de normas de produção, transporte e armazenamento, garantindo suas qualidades físico-químicas, sensoriais e microbiológicas. O mercado mundial segue essas regras, e por esta razão alguns países adotam "barreiras sanitárias" a matérias-primas agropecuárias e produtos alimentícios importados. Graças a essa quebra de segurança ao longo do processo produtivo, o Brasil sofreu embargo de vários países, fato que vai abalar ainda mais nossa economia já tão prejudicada pela corrupção.

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Renato Sippli
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