Maurício Siaines
Zé da Viola é personagem do interior do Rio de Janeiro, atualmente de Lumiar. Inicialmente foi lavrador e até hoje planta alguma coisa, mas a marca pela qual é conhecido é a capacidade de imaginar e realizar. Sempre bem-humorado, empresta às vezes seu som ao grupo Sanfoneiros da Serra, cujos participantes sempre apreciam de sua participação, assim como quem assiste às apresentações.
Ele conversou com A VOZ DA SERRA, na última segunda-feira, 5 de setembro, contando algumas de suas histórias em resumo abaixo.
A VOZ DA SERRA – Conte um pouco da sua história.
Zé da Viola – Meu nome é José Geraldo Mozer e nasci em 1952, no município de Bom Jardim, o nome do lugar é Bolsa Nova. Morei lá até os 17 anos, depois fui para Trajano de Moraes e lá fiquei mais ou menos dez anos. Depois, fui para Macaé. Lá eu casei e fui para Macabu, para um lugar conhecido como Tirol. Ali moramos mais de dez anos, o tempo em que fui casado. Depois, fui morar ali perto da cachoeira Indiana Jones por oito a dez anos, mais tarde fui para Boa Esperança onde fiquei uns 14 anos. Vim para cá, para Lumiar, e estou aqui há quatro anos.
AVS – Como o senhor ganhou esse apelido de Zé da Viola?
Zé da Viola – Isso é desde que comecei a tocar, quando tinha uns 18 anos, quando comprei uma violinha lá em Belo Horizonte. Nós fomos lá, de caminhão, levar carga.
AVS – Carga de quê?
Zé da Viola – De inhame. E aí, comprei a viola e dizia “vou aprender a tocar”. Em duas semanas, aprendi a afinar. Trouxe de lá o Método Barreirito. Na época, o Barreirito era novo e fazia um grande sucesso. Desse método tirei essa afinação que eu uso, uma das melhores, e aprendi nessa afinação.
AVS – E como o senhor aprendeu?
Zé da Viola – Aprendi sozinho. Ia para um lugar isolado, dentro de um mato, eu e meus companheiros. Helinho meu irmão ... íamos para lá para aprender a cantar. Meu pai não gostava que nós gravássemos. Nós escutávamos no toca-discos e depois íamos cantar para gravar a fita. Chegamos a gravar um disco, um compacto, daqueles que só tinha quatro músicas, duas de cada lado. Na época, nós cantávamos em emissoras.
AVS – Quais emissoras?
Zé da Viola – Na Inconfidência, de Minas, e em outras. Nós íamos para Belo Horizonte de caminhão para cantar, dormíamos embaixo de lona, cheguei a dormir embaixo de uma carreta de 18 pneus. Eu fui criado na estrada e aprendi de tudo. Eu era motorista de caminhão e trabalhei em uma firma de Volta Redonda e lá nós fazíamos shows. Íamos para Itaocara, para Aperibé, para Miracema e em todos esses lugares fazíamos shows que juntavam de 250 a 300 pessoas. Nessa época, conheci uma menina em Macaé e casei, mas a família dela não gostava de viola, nem de show.
AVS – Quando o senhor casou?
Zé da Viola – Em maio de 1985. Em 1995, nós nos separamos.
AVS – Quanto tempo o senhor ficou dirigindo caminhão fazendo frete?
Zé da Viola – Oito anos.
AVS – Nessa mesma época, o senhor tocava?
Zé da Viola – Tocava. Às vezes marcava show e não podia ir porque a mulher não deixava.
AVS – O senhor aprendeu a tocar sozinho, e o senhor lê partitura?
Zé da Viola – Eu lia um pouquinho, mas tenho pouco estudo.
AVS – O senhor já me disse uma vez que seu pai não deixava os filhos estudarem. Como era isso?
Zé da Viola – Na hora do estudo, se tivesse um serviço, tinha que largar. Às vezes, no dia da prova, ele dizia: “Hoje, não, hoje a prova é na roça, nós vamos acabar de roçar aquele pasto”. Nós trabalhávamos muito. Desde os 7 anos eu trabalho. Meu pai era brabo, ele decretava uma coisa e nós tínhamos que fazer. Se ele marcasse acabar um serviço era para acabar mesmo. Minha mãe levava o almoço na roça. Não podia estudar, se falasse em estudo meu pai ficava brabo. Mas eu gostava de estudar.
AVS – Quanto tempo o senhor ficou na escola?
Zé da Viola – Mais ou menos um ano. Mas foi um ano com muitas faltas.
AVS – Mas o senhor nunca desanimou.
Zé da Viola – Nunca desanimei. Com 7 anos, eu pegava a madeira e fazia um Chevrolet como aquele que está ali [aponta uma miniatura de caminhão feita por ele].
AVS – E quando o senhor fazia esses carros, se seu pai queria que fosse trabalhar na roça?
Zé da Viola – Nos sábados e domingos. Eu ia lá para um barraquinho, onde eu tinha ferramentas. Ia para lá cortar as madeiras para montar.
AVS – Vendo essas miniaturas que o senhor faz e sabendo que foi pouco à escola, pergunto o seguinte: como o senhor calcula as medidas? Muitos carros desses o senhor viu fotografias em revistas. E os outros?
Zé da Viola – Até os 28 anos eu não tinha nenhuma revista. A minha memória é para isso. Deus me deu a memória para isso. Tirava a medida mais ou menos pelo padrão do caminhão. Às vezes o caminhão tinha seis metros de carroceria. Aí, eu tinha que fazer a carroceria com 60 centímetros. Esse cálculo eu fazia pela ideia, muitos cálculos foram feitos pela ideia. Na época eu não tinha nenhum livro das fábricas. Fazia o cálculo pela ideia, aquilo vinha na minha mente, eu tirava o padrão pela memória.
AVS – Mas o senhor ia lá, no caminhão de verdade, e media?
Zé da Viola – Media, media a carroceria, a cabine, os pneus.
AVS – O senhor fez um avião, como foi essa história?
Zé da Viola – Isso já foi em 1976. Eu tinha viajado de avião do Rio para Curitiba, um avião grande, onde cabiam 200 pessoas. Depois de uma semana, voltamos, também de avião. Depois, a empresa em que eu trabalhava faliu e eu fui trabalhar em uma oficina de móveis, em Lumiar. Na época, então eu pensei: “Vou fazer um aviãozinho”. Eu tinha uma rural e um Jipe, aí vendi a Rural para comprar peças para o avião. Fui ao Rio e comprei um motorzinho de ultraleve.
AVS – Gastou muito dinheiro ...
Zé da Viola – ... muito dinheiro. Levei tudo para o Tirol.
AVS – Mas é um lugar plano?
Zé da Viola – Tem um pedaço que é plano. Aí comprava o material e levava para lá de Jipe.
AVS – Sempre no fim de semana?
Zé da Viola – No fim de semana. Eu trabalhava em outras coisas, na época, com móveis. No fim de semana eu montava o aviãozinho escondido, não queria que ninguém descobrisse. Lá é um platô que não tem fim.
AVS – De que tamanho? De um campo de futebol?
Zé da Viola – Muito maior, mais de 20 campos de futebol. Tinha um morrinho e eu fiz o avião ali para decolar de lá. Levei quatro meses para fazer a avião e fiz. De vez em quando ia lá e testava em um voozinho, a uma distância de uns 30 a 50 metros.
AVS – E em que altura?
Zé da Viola – A uns três metros do chão. Depois puxava com o Jipe de volta. Ele tinha pneu e suspensão de moto e o estrado era de madeira. Aí chegou o dia de testar o voo. Minha mãe chorava e pedia pelo amor de Deus para eu largar aquilo, porque eu iria morrer. Aí, no dia do voo, esquentei as turbinas direitinho, tinha 40 litros de combustível. Aí arranquei e ele saiu logo a uns três metros do chão. Depois de percorrer uma distância de uns mil metros, senti que o motor estava fraco. Devia estar a uns 150 metros de altura e senti que o motor ia apagar. Dominei, acelerei com 11 mil rotações. Aí joguei para umas varas de taboa e ele caiu a uns 50 metros do chão. Aí quebrou tudo. Esse meu dedo [polegar] partiu e ficou preso pela pele. Levei um talho na cabeça ... levei pontos, me machuquei muito. Eu não vi mais nada. Me pegaram e levaram para o hospital. Depois daquilo, não construí mais o avião. Levei o Jipe lá e juntei os pedaços. Depois vendi as peças.
AVS – Como o senhor pensava o voo, ia pousar em algum lugar definido?
Zé da Viola – A minha ideia, o meu plano de voo ... achavam que eu era um cara louco e por isso não queria que ninguém visse o avião ... só quando estivesse voando, para todo mundo ver. Então, meu plano de voo era chegar a uma altitude de uns 2 mil metros por cima do arraial do Sana, dar a volta, passar por Lumiar e voltar para o mesmo lugar, em Trajano de Moraes, nesse lugar chamado Tirol, mas deu tudo errado porque o motor falhou.
AVS – E hoje, o que o senhor pensa?
Zé da Viola – Ainda penso em fazer um aviãozinho daquele, só que hoje é mais difícil porque está tudo muito caro.
AVS – E o senhor fez esse avião também de cabeça?
Zé da Viola – De cabeça.
AVS – Como o senhor imaginou o avião? Tinha viajado de avião de passageiros para Curitiba e aí ...
Zé da Viola – ... fiquei com aquilo na ideia: “Vou fazer um aviãozinho”.
AVS – Mas como o senhor imaginou o avião? O senhor viu algum desenho, algum projeto?
Zé da Viola – Na época, eu não tinha desenho nenhum. Vi um livro na casa de um conhecido lá de Barra Alegre, onde havia 80 modelos de avião, desde o do Santos Dumont. Vi esse livro na casa dele poucas vezes. Olhei e estudei um pouquinho os formatos de aviões. Tirei a ideia dali.
AVS – E o senhor tem mais alguma história para contar?
Zé da Viola – Se eu contar minha vida inteira dá para fazer uma novela que a turma vai pedir bis, vai ficar na história, passar na Globo.
Zé da Viola é homem de imaginação e decisão de realizar o que pensa. Imagina carros e faz carros em miniatura, viaja de avião e cria um pequeno ultraleve em cuja queda quase perde o movimento do polegar da mão direita, inviabilizando sua atividade musical. Morador atualmente do distrito de Lumiar, já residiu em diversas localidades próximas. Sua vida, ele acredita, daria uma grande novela e faz lembrar o personagem José Arcadio Buendía, do romance Cem Anos de Solidão, do colombiano Gabriel Garcia Marques, publicado pela primeira vez em 1967. Os dois acreditam nas ideias que lhe vêm à mente e determinam-se a realizá-las, sem se assustarem com os riscos, não se importando se a vida lhes reserva como resultado o isolamento e o pouco reconhecimento.
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