Entrevista - Um símbolo de resistência

quinta-feira, 29 de setembro de 2011
por Jornal A Voz da Serra
Entrevista - Um símbolo de resistência
Entrevista - Um símbolo de resistência

Maurício Siaines

Moradores da Bocaina dos Blaudts, no distrito de São Pedro da Serra, em Nova Friburgo, se organizaram em um mutirão, a partir de janeiro, com a finalidade de reconstruir a escola municipal da localidade, interditada pela Defesa Civil. O professor Edimar Heiderich, diretor de escolas da região, explica que a interdição é resultado de a construção de 1971 ter estado mais de dez anos sem reforma. Esclarece que em outras localidades a mesma coisa está acontecendo.

A escola é bem modesta, não passa de uma pequena casa, com uma sala de aulas, além de cozinha e banheiros, mas ela representa algo mais. Na Bocaina a ação dos moradores, apoiada em um segundo momento em verbas federais, parece simbolizar o desejo do grupo de permanecer no lugar, uma vez que a alternativa à reconstrução seria as crianças se deslocarem para o centro de São Pedro. A distância nem é muito grande e seria facilmente vencida pelos meios de transporte oferecidos pela Prefeitura. Mas o que está acontecendo não é uma resistência à ação do governo municipal, mesmo porque este não fez qualquer imposição.

Conversando com Valdecir Paixão, 50 anos, coordenador da ação de reconstrução, percebe-se essa vontade de manter as crianças na localidade como se fosse uma maneira de não deixar que ela se esvazie, um modo de defender a permanência na terra. Sua fala também tem a marca da amargura com diversos problemas vivenciados pelos lavradores da região. Abaixo, trechos da entrevista de Valdecir para A VOZ DA SERRA.

A VOZ SERRA – Como vocês começaram e fazer esse trabalho? O que os levou a essa ação?

Valdecir Paixão – O boato que rolou foi que queriam demolir a escola. Aí, a comunidade se reuniu e resolveu reformar por conta própria. Conseguimos doações, depois surgiu uma verba de R$ 8.500 para material, e ficou mais fácil para nós.

AVS – E esse valor foi suficiente para comprar o material necessário?

Valdecir – Foi. E existe também verba para a compra de equipamentos como fogão e coisas assim.

AVS – E a quantas crianças essa escola serve?

Valdecir – 14 crianças de 6 a 12 anos em sistema multisseriado.

AVS – Como começou esse mutirão?

Valdecir – Foi no momento em que se falou em demolição.

AVS – Existe essa tendência de se acabar com as escolas pequenas?

Valdecir – É, e levar para o centro [da localidade próxima, no caso, São Pedro da Serra]. Dizem que já existem as Kombis para transportarem as crianças. A tendência deles não é reformar, mas como chegou esse dinheiro de Brasília ...

AVS – E a comunidade não quer mandar as crianças estudarem lá em São Pedro?

Valdecir – Olha, a comunidade não quer acabar com o que tem, não temos quase nada e vamos acabar com a escola que temos? Então, aceitamos isso.

AVS – Então, esse mutirão é uma forma que a comunidade encontrou de se proteger?

Valdecir – Concordo.

AVS – Quem compõe essa comunidade, quem são essas pessoas, são lavradores?

Valdecir – A maior parte é formada por lavradores, que são muito prejudicados hoje.

AVS – Por que são prejudicados?

Valdecir – Porque hoje não se pode fazer mais nada, porque estão aí em cima perturbando, multando. Assim, a tendência é se acabarem os lavradores porque eles não têm apoio.

AVS – Acabar como?

Valdecir – A tendência é acabarem com isso, deixar tudo como reserva. E o povo que vive da roça?! O pessoal come da enxada, então já não existe muita roça. As pessoas estão indo para empregos.

AVS – Fora daqui?

Valdecir – É.

AVS – E essas pessoas são de famílias antigas na região.

Valdecir – É. Antigamente era todo mundo na lavoura.

AVS – E como se levava o produto daqui?

Valdecir – Antigamente, há uns 70 ou 80 anos era nas tropas de burros para Friburgo. Meu pai, que tem 80 anos, chegou a ver isto.

AVS – Hoje como é isto?

Valdecir – Tem uns compradores que vêm aqui.

AVS – E eles têm os meios de transporte necessários?

Valdecir – Têm caminhões que vêm buscar os produtos.

AVS – Quais são esses produtos?

Valdecir – Inhame, banana, legumes, couve-flor.

AVS – Seu pai foi trabalhador do campo e você preferiu ser pedreiro, o que motivou essa opção?

Valdecir – Trabalhei muito na roça, plantei muito inhame, aqui, em Cachoeiras [de Macacu]. Depois e comecei a fazer umas casas para mim, comecei a aprender, mas gosto da lavoura.

AVS – Essa profissão de deu mais chances.

Valdecir – É, me deu mais chances. A lavoura também não está mais muito boa, não dá bons preços, além de perturbarem os lavradores não os deixando fazer mais nada.

AVS – Como você a possibilidade de se resolver esses problemas por que passam os lavradores?

Valdecir – O pessoal participa de reuniões mas a força do pequeno é pouca, os mais altos falam mais alto.

AVS – Agora, foi criado esse Sindicato dos Agricultores Familiares. Você acha que isto pode ajudar a melhorar a vida?

Valdecir – Acho que sim. Mas é uma covardia desses homens da lei: você paga os impostos sobre suas terras, é dono, mas não pode fazer nada. Se eles querem ser os donos dessa área, que comprem as propriedades dos outros e façam a reserva. Agora, é o lavrador que tem que fazer a reserva? Isto é uma covardia. Tudo que existe aqui foram os lavradores que fizeram, toda essa mata preservada. Ninguém vem aqui plantar nada. Se existe aquela mata é porque o lavrador preservou. Eles [os fiscais dos órgãos ambientais] não sabem plantar nada. E chegam com ignorância, achando que são os donos. Está ficando cada vez pior. E só ficam em cima do pequeno. Por que não vão em cima dos grandes fazendeiros? Porque lá tem grana, não é?

AVS – Vocês estão reconstruindo uma escola. Como vocês entendem o processo de educação? Vocês estimulam as crianças a irem para ir à escola?

Valdecir – O povo daqui estimula as crianças. E as crianças não querem sair daqui, não querem ir para São Pedro da Serra.

AVS – Não tem mais, então, aquele negócio das famílias quererem que as crianças trabalhem sem deixá-las irem à escola?

Valdecir – Não, não existe mais isto. Eu não estudei além do segundo ano porque, naquela época tinha que trabalhar e ajudar os pais.

AVS – E hoje as pessoas têm a consciência de que é preciso as crianças irem para a escola?

Valdecir – Têm, hoje, todo mundo estuda.

AVS – Mas vai chegar um momento que essas crianças vão ter que sair daqui, e aí, como vai ser?

Valdecir – Quando acabam o 4º ano têm que sair daqui.

AVS – E isto você acha que está bom?

Valdecir – Está bom.

AVS – E em quanto tempo você que vai estar pronta a reforma da escola?

Valdecir – Acredito que em uns três meses.

AVS – Por enquanto as crianças têm aula na igreja, não é?

Valdecir – A sala de aula está sendo na igreja e a cozinha está sendo usada a do Bocayna Futebol Clube.

AVS – Quer dizer, tudo da comunidade está empenhado nesse esforço: a escola, a igreja, o clube de futebol. E a igreja tem atividades regulares?

Valdecir – O padre vem aqui uma vez por mês.

AVS – E no dia que em que vem, como é, as pessoas vão à missa?

Valdecir – O padre chega às 9h todo segundo domingo do mês e vai sempre bastante gente.

AVS – E quantas são essas pessoas?

Valdecir – Umas 50 mais ou menos. Antigamente, a missa era celebrada dentro da escola, antes de se construir a igreja.

AVS – A atividade da igreja ajuda a juntar as pessoas, não é?

Valdecir – Ajuda, com certeza.

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