Aos 57 anos, Almir Sater está em plena forma. Tocando como nunca, na última quinta-feira, 31, o músico fez uma apresentação para ficar na memória dos friburguenses. Com uma banda de cinco integrantes, que conta com dois violões — um, inclusive, tocado por seu irmão, Rodrigo Sater —, contrabaixo, acordeom e os vocais de Gisele Sater, também irmã do cantor, o músico mato-grossense fez um espetáculo contagiante de uma hora e meia. Sem intervalos, o músico misturou seus clássicos de raiz pantaneira com performances instrumentais. A quadra lotada do Sesc Nova Friburgo teve uma aula de quase duas horas de talento e competência musical, em uma mistura de virtuosismo e simplicidade.
Antes do show, Almir nos recebeu em seu camarim de forma gentil e despretensiosa, até nos oferecendo café. Após as apresentações, sentou-se em roda com os representantes da imprensa local, usando chapéu e bota, como se estivesse em sua fazenda, e falou de maneira descontraída por quase vinte minutos. Depois, subiu ao palco e fez uma grande apresentação. Confira abaixo a entrevista que A VOZ DA SERRA fez com o cantor.
Como está a música no Pantanal hoje? Para você, tem alguém artista novo que represente bem a música pantaneira?
Eu acho que anda meio sem graça. Eu sinto falta dos compositores, aquela pessoa que tira do nada alguma coisa que nos emocione. Alguém que pega um pedaço de papel e escreve uma poesia e você chora de emoção. Sinto falta desse tipo de gente, que foi abundante na década de 1960, 1970.
Como foi sua proximidade com o Grupo Água [grupo chileno de música andina que, na década de 1970, viajou pela América do Sul e gravou com vários artistas brasileiros]?
Eu toquei com eles só em casa, sem compromisso. Quando vieram para o Brasil, eles passaram por Campo Grande, então nós tocamos lá em uma chácara de amigos. Depois, quando foram pro Rio, eles ficaram na minha casa. Foi nessa época que eles conheceram o Milton [Nascimento]. Eles arrumaram de tocar na abertura de um show do [Jards] Macalé, nesse show eles se conheceram e depois gravaram o disco Geraes.
Eu gosto muito do som deles. É um som muito bonito, muito diferente. Sempre gostei dessa proximidade, dessa latinidade. Essa música que vem lá do altiplano andino eu acho muito especial, muito própria, muito bonita.
A música andina foi muito influente na sua carreira.
Sim, eu gosto muito desse som. Na época eu até comecei a tocar charango [instrumento de cordas tradicional da música andina, que, como a viola caipira, possui cinco pares de cordas]. Aprendi a tocar e cheguei a gravar com ele. Mas depois que ele quebrou, eu nunca mais encontrei um charango tão bom e acho que minha carreira de "charanguista” acabou ali.
E o Lírio Selvagem [banda dos músicos da família Espíndola], você também tocou com eles, não foi?
Sim, essa foi minha primeira apresentação profissional, à convite da Tetê e da Alzira. E eu aceitei, me apresentando como músico. Depois acabei entrando em estúdio, foi a primeira vez que gravei, inesquecível para mim.
Foi no disco do Lírio?
Na verdade não, o que eu participei foi o Piraretã. Porque logo depois que eu entrei o grupo meio que acabou; essa coisa de irmão é meio complicado [risos]. A gente começou a gravar como um disco do Lírio, mas acabou virando o primeiro disco solo da Tetê. Eu fiz alguns arranjos pro álbum também.
Você também gravou na sua carreira dois discos instrumentais, apesar das letras terem um papel essencial em suas músicas. Como você teve a ideia desse projeto?
Eu estava gravando um disco meu no estúdio Som da Gente, que tinha um selo instrumental, onde gravava um pessoal de jazz. Um dos donos do selo me fez o convite do disco instrumental, dizendo que gostava do som da minha viola e aí nós gravamos. Era uma gravadora pequena, então o primeiro disco foi mais de viola e violão. No segundo que eu pude sonhar um pouco mais alto, ter experiência com uma filarmônica, com cordas. Mas surgiu dessa liberdade, do dono da gravadora dizer: "Vai gravando”.
Era um bom estúdio, que tinha um técnico maravilhoso, o Marcos Vinícius, que foi ele que gravou o disco, que conseguiu tirar o som da minha viola e me ajudou muito. Eu devo a ele esses dois álbuns.
Seu último disco e sua última atuação em novela foram em 2006. Existem alguma relação nisso?
Nesse caso, teve uma relação, sim. Porque eu estava com material pronto pra gravar o disco e aí me chamaram pra fazer a novela Bicho do Mato. Eu fiquei em dúvida e acabei optando por fazer. Então "abortei” o disco. Aí eles me pediram umas canções do disco e eu enviei umas quatro ou cinco para eles escolherem uma, e escolheram as cinco. Pegaram metade do meu disco, então eu fui às pressas e terminei de gravá-lo. E lancei. Até acho que poderia ter sido melhor esse disco, mas como estava naquele entusiasmo da novela, tendo que terminar o acabamento das canções para usarem na trilha, acabei finalizando o disco inteiro.
Você hoje sente falta de atuar? Qual foi seu papel favorito?
Não sinto falta nenhuma [risos]. O papel que gostei mais foi o do Cramulhão (na novela Pantanal), porque a gente ficava lá no Pantanal e gravava pouco. Eu não era o protagonista, então ficava pescando o tempo todo [risos]. Era muito feliz, a sensação era boa. Foi uma novela de muito sucesso, muito diferente, as pessoas estavam muito felizes com o resultado — e a felicidade contagia.
Você poderia falar um pouco do projeto Comitiva Esperança?
Foi uma época em que a gente tinha muito tempo livre e resolveu fazer uma viagem de 90 dias para conhecer um pouco da cultura pantaneira e também, por experiência própria, saber como era um pouco nosso isolamento, compor no isolamento. E aí fomos três músicos e três cineastas, a procura de alguma identidade que valeria a pena a viagem. E só o Pantanal já valia a viagem, a luz, o perfume das matas.
Mas a gente não tinha como reproduzir isso. Então fizemos um média-metragem, em 16 mm, e não havia roteiro, foram só os dois olhos. Eu acabei compondo também algumas canções e hoje em dia fica a lembrança, fica de curiosidade para as outras pessoas. Foi bom viajar 90 dias a cavalo pelo Pantanal, sem rumo.
E hoje. Você faria essa viagem de novo?
Não dessa forma. Não com tanta gente. Porque nós viajamos assim, além dos seis artistas, eram mais três pessoas da equipe, somando nove no total. Eu viajaria hoje a duas pessoas, quieto, aí até toparia, sem máquina fotográfica, sem filmagem, só pelo passeio. Por que fazer filme é um negócio que dá trabalho, praticamente nós ficamos a disposição de carregar câmera, tripé, aquelas latas de filme.
Entrevista realizada pelo estagiário Lucas Vieira, sob orientação da chefia de redação
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