Poeta de Nova Friburgo pensa vida urbana
O poeta e escritor Sérgio Bernardo realizou ontem, quarta-feira, 15, no Sesc de Nova Friburgo, o lançamento do seu segundo livro, Asfalto, em que se posiciona como um observador da rua, dos personagens e da vida da rua, quase como um repórter, embora não traga necessariamente situações vividas ou presenciadas por ele próprio. O livro já foi lançado em Parati, por ocasião da Festa Literária de Paraty (Flip), em agosto. Haverá ainda, neste mês de setembro, lançamento no Rio de Janeiro, na Livraria da Travessa, de Ipanema, e em outubro, em São Paulo, na Livraria Da Vila. Haverá também sessão de autógrafos no Espaço Cultural São Pedro da Serra, em 9 de outubro, às 18h, como parte da programação da premiação do IV Concurso de Poesia do Espaço Cultural de São Pedro da Serra.
As perguntas e respostas abaixo fizeram parte de uma conversa sobre o livro e sobre poesia de um modo geral. São espécie de extrato de uma troca de ideias, em que o escritor disse o que pensa. Nessa conversa, há referências a dois dos poemas de Sérgio Bernardo, Alma de Ícaro e Celebração, publicados em 2005, na coletânea Caverna dos Signos.
A VOZ DA SERRA – O que é Asfalto?
Sérgio Bernardo - Não proponho soluções, porque não é essa a função. O que eu quero é que as pessoas sejam tocadas, mas não estou propondo nada, não estou passando uma verdade para ninguém, estou apenas expondo coisas que, de repente, estão começando a passar muito despercebidas pelas pessoas. Estamos entrando em uma situação em que tudo é um espetáculo e estamos perdendo um pouco a capacidade de sermos sensibilizados, seja pela repetição, seja pela massificação. Asfalto não emite nenhum tipo de juízo de valor, não diz “faça isto ou faça aquilo”, não está propondo soluções, está expondo de uma maneira poética. Como disse Ovídio Poli Júnior, escritor e editor do selo Off Flip, que faz a apresentação do livro, é uma “pequena epopeia sobre os desvalidos”. Ele diz que alguns dos poemas chegam a ser aforismos, pois são poemas curtos, na maior parte. O poeta de Nova Friburgo João Carlos Teixeira, pessoa que marcou muito, inclusive participou também do filme Geração Bendita, dizia uma coisa que tem a ver com Asfalto: toda tarde ele se sentava na praça para “tomar um banho de humanidade”. Se você para em um lugar, você toma esse banho de humanidade. Em um bate-papo no lançamento nacional do livro, em Paraty, na Off Flip, me perguntaram se o livro era 100% de coisas que eu tinha presenciado e eu falei que não. São registros que nós vamos guardando, que um dia são resgatados quando sentamos para escrever, quando surge um tema. Eu usei muito essa imagem do Fernando Pessoa, de que “o poeta é um fingidor”, para dizer exatamente isto, que muita coisa pode não ser a verdade daquilo que você viu, mas pode ser plausível, pode acontecer, pode plenamente ser verdade, embora seja uma ficção.
AVS – Como você começou a escrever, a lidar com as palavras, a querer botar no papel?
Sérgio - No colégio, eu era um pouco contrário à coisa da leitura imposta, eu achava que literatura não devia ser uma coisa obrigada. Quando me davam um livro para ler, para fazer uma prova, eu nunca lia. Eu me safava na prova pela tangente. Mas o mesmo livro, depois, quando eu sentia a necessidade de ler, eu me deleitava com ele, achava maravilhoso, mas era uma coisa que surgia de dentro. Eu achava que a lida com a literatura deveria ser assim. Eu lia muito, ia procurar livros na biblioteca. Li muito Monteiro Lobato, o Sítio do Pica-pau Amarelo. E fui achando legal a fantasia, pensava em como o escritor inventava aquelas histórias. Isto dentro de um raciocínio infantil. E quando cheguei aos 16 anos, mais ou menos, comecei a querer também colocar minhas ideias, minhas fantasias no papel e comecei a escrever. Dessa época eu tenho um livro infanto-juvenil escrito. Nunca pensei em publicar porque eu acho que ele precisa ser reescrito, revisado e isto demanda muito tempo, que, no momento, não tenho. Mas o livro está pronto e surgiu disso, da convicção de que todo mundo é capaz, da mesma maneira que pode contar uma história e colocar ingredientes seus, dentro daquela perspectiva de que “quem conta um conto, aumenta um ponto”... todo mundo é capaz de escrever, mas algumas pessoas param para fazer isso. Ao mesmo tempo em que comecei a escrever, fui me aproximando da poesia, por coisas que me chegaram, livros que bateram na minha mão e eu achava interessantes. E tive a sorte de conhecer uma pessoa, Abigail Rizzini, falecida em 1989, que me deu muita dica sobre poesia. Aí, aprendi a fazer sonetos, a fazer trovas e tive certa facilidade para me desenvolver nisso. Não foi uma coisa muito trabalhosa. Depois, passei a fazer o que costuma se chamar de poesia contemporânea, que não é um nome muito apropriado, porque, daqui a um tempo, isto vai ser passado e será preciso que se crie outro nome, para não perder o sentido.
AVS – E o que é poesia? Aqui, em A Caverna dos Signos, você dá algumas respostas a esta pergunta. Em Alma de Ícaro, você diz que...
(...)
Súbito, a poesia
eleva-o do chão rude
(...)
...Então, a poesia é o que dá a capacidade de voar, de afastar-se do “abismo negro”?
Sérgio – Até, partindo daquela ideia de que “o poeta é um fingidor”. O “fingidor” não é um cara falso, é o não eu, aquela coisa observada. Nesse poema Alma de Ícaro eu nem falo na primeira pessoa. Muitas vezes a gente fala “eu”, mas não sou eu que está ali, a voz não é minha, é uma voz que me chegou de alguma maneira. Agora, o que é poesia...
AVS - ...vamos pegar um outro trecho, agora de Celebração:
(...)
Escrever não é ontem, não é um passeio pretérito
Escrever é agora, uma viagem para o que está vindo.
(...)
Isto significa que o poeta é uma pessoa que consegue captar signos que estão aí pela vida, signos de alguma coisa futura?
Sérgio – A poesia sempre propõe isso. O poeta é aquele que não aceita muito a realidade, ele está sempre querendo, não fugir dela, mas propor caminhos, que podem não ser sempre aceitos por todos, mas caminhos que talvez nem o poeta saiba quais são exatamente. Mas o poeta sabe que alguma coisa está errada, talvez ele não saiba exatamente o quê, nem o que poderia consertar aquilo, mas ele sabe que aquilo está errado. Então, o que ele propõe? Ele propõe o pensamento sobre aquilo, que as pessoas pensem sobre aquilo. O poeta tem um pouco de filósofo, como todo escritor tem.
AVS – Como você vê manifestações artísticas populares como o funk e o rap, que têm letras ritmadas? Você vê isso como uma coisa boa, que possa levar mais longe?
Sérgio – Mais o rap que o funk. Pelo que eu ouço, embora não seja um produto de consumo meu, o que me chega do funk é uma coisa de uma linguagem de muito baixo nível, com uma apelação sexual muito forte, violenta, com violência sexual também. Já o rap tem um lado de pensar o local em que as pessoas moram... é um pouco até do Asfalto, só que com outra linguagem. O rap provoca mais a discussão e por isto eu acho mais interessante. O funk me parece ser o contrário, em vez de levar a pensar, leva o sujeito a ser mais um, embora os ritmos sejam parecidos. Mas a concepção é bem diferente. O rap pode atingir muito os jovens e tem gente trabalhando isso. Aqui em Friburgo, não sei, mas no Rio e em São Paulo, principalmente nas periferias, tem muita gente trabalhando com isso.
Poema do livro Asfalto
FIGURANTE
A carne dele é uma sílaba
no conto da cidade,
esconde-se na fenda
de qualquer viaduto.
Um tiro que o atinja
não será ouvido
dentro da música
do dia.
Infância
sem linhas
no livro do asfalto.
Personagem
rejeitado
ainda no esboço.
(in Asfalto, pág. 26)
* Premiado com a Medalha Lila Ripoll, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 31/08/10)
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