Eloir Perdigão
Há dois anos a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) definiu para a Campanha da Fraternidade de 2011 o tema Fraternidade e a vida no planeta, com o lema A criação geme em dores de parto. O objetivo é levar os cristãos — e o povo em geral — a refletir sobre as questões ambientais, tão necessárias ao bem-estar humano.
A tragédia de janeiro em Nova Friburgo e outras que ocorrem mundo afora mostram que realmente a humanidade precisa rever seu modo vida e a relação com a natureza. Contribuindo com a reflexão proposta pela CNBB, A VOZ DA SERRA entrevistou o secretário municipal de Meio Ambiente, Eduardo de Vries. Ele concorda que governo, povo, líderes religiosos, todos, enfim, se unam em prol de ações que harmonizem convivência humana e natureza.
"O tema é muito propício, conveniente”
A VOZ DA SERRA - O senhor concorda que os bispos do Brasil, através da Igreja Católica, proponham essa reflexão sobre a vida no planeta e o meio ambiente de modo geral?
EDUARDO DE VRIES – Eu concordo plenamente. Desde os primórdios, não é de agora, Deus nos fez à sua imagem e semelhança e nos deu a inteligência para que reinássemos sobre os outros animais. Ao invés de sermos os guardiões, fomos os carrascos dos outros seres. E que isto nos sirva de lição. Então o tema é muito propício, conveniente.
AVS – E com relação a nós mesmos?
DE VRIES – Eu pessoalmente, e todos nós, tivemos diversas experiências há dois meses da real fraternidade. Um deu a mão e ajudou o outro, vizinhos que tinham brigado ajudaram um ao outro, nós vimos uma coisa emocionante de como seria a vida se o ser humano fosse assim naturalmente. Sem muita coisa material. O que importa é o espírito, o ser humano. Então o tema da Campanha da Fraternidade é muito propício, porque nós, há muitos anos, usamos o petróleo, emitimos gás carbônico e outros gases nocivos para a atmosfera, e deu no que deu.
AVS – Numa época os rios enchem, em outras estão secos...
DE VRIES – Eu me lembro que em 2009 eu estive em Manaus e lá encontrei a maior cheia do Rio Negro: 30 metros. No ano passado houve a maior vazante. E foi encontrada no meio do leito do Rio Negro uma pedra com uma inscrição que parecia dos incas, o que quer dizer que já houve uma seca igual a do ano passado num passado mais distante. E se nós, à semelhança aqui no Estado do Rio, olharmos os rios de Amparo, Lumiar, Córrego Dantas, Barracão dos Mendes e Vieira, já no município de Teresópolis, vemos que o mundo está sempre em formação. Eu acho que os rios estão sendo formados. Ainda.
“Precisamos buscar mais profundamente o conhecimento”
AVS – Isto quer dizer que Nova Friburgo ainda pode estar em formação?
DE VRIES – Se nós olharmos, veremos que Nova Friburgo é um vale estreito. Às vezes pode estar descendo terra para aumentar o vale. Precisamos buscar mais profundamente o conhecimento para que possamos usar melhor e salvar o nosso município.
AVS – Nós temos que continuar vivendo e sabendo dessas transformações...
DE VRIES – Exatamente, sabendo dessas transformações. Eu me lembro do Centro Excursionista, quando foram feitas diversas incursões em defesa da mata. Limpamos as montanhas, tiramos meia tonelada de lixo dos ‘ecoporcos’. Não adianta a pessoa dizer que é ecologista, tem que mudar dentro de si, tem que estar dentro do coração a mudança dele, ele tem que sentir que está na hora de mudar o seu contato com o ser humano e com a natureza. Caso contrário essas catástrofes vão se repetindo. Não, talvez, como a que tivemos, uma recorrência muito grande, mas em toda década houve enchente em Nova Friburgo. Nós não estamos fazendo as coisas direito.
“As mudanças climáticas bateram a nossa porta”
AVS – Há um tempo atrás, ecologistas e pessoas que defendiam o meio ambiente eram muito criticadas. No entanto, o que apregoavam é justamente o que está acontecendo. Recentemente falecido, Aristóteles de Queiroz Filho dizia que a natureza é perfeita, a mão humana é que estraga...
DE VRIES – Eu concordo com ele. Mas, veja o que aconteceu: nós levantamos aqui na secretaria 2.190 deslizamentos. O maior é equivalente a 24 campos de futebol. E de topo de morro. Então foi uma catástrofe mesmo, cíclica, independeu da ação humana. Mas nós não podemos tirar o homem disso. É o que eu disse: usamos petróleo há quanto tempo? Nós exploramos a natureza há muitos anos indevidamente. Nós fomos os carrascos. Por isso acontece uma coisa dessas. Não é à toa. Nós tivemos participação nisso. As mudanças climáticas bateram a nossa porta. Por isso nós temos que ter o conhecimento e conviver com isto.
AVS – E foi uma sucessão pelo mundo afora...
DE VRIES – Eu falei dos eventos no Amazonas e teve também nos Estados Unidos, Austrália, China, Índia, agora no Japão, primeiro mundo, altamente preparado. E, no entanto, aquele murinho que fizeram para conter o mar, a água passou por cima. Vimos que o homem não consegue nada frente à natureza.
AVS – E já se fala na questão ambiental há muito tempo...
DE VRIES – Eu em lembro, em 1979 ou 1980, houve um congresso nacional de arquitetura e eu fui como estudante. Lá encontramos o professor e ecologista José Lutzemberger, [que era] contra a usina nuclear em Angra dos Reis. Até fizemos um protesto. Hoje, 30 anos depois, é que se está vendo a possibilidade da fuga, em caso de problemas em Angra, pelo mar, porque ali também é uma zona de deslizamentos. Se houver deslizamento, como as pessoas vão sair de lá? Como que nós convivemos com uma usina nuclear e não temos plano de fuga? Criticar é muito fácil, trabalhar é difícil.
AVS – O senhor acha então que a Campanha da Fraternidade com este tema é válida?
DE VRIES – Vem ao encontro disso tudo, está na hora certa, vai falar do sentimento das pessoas em relação à natureza. Eu acho que é o momento certo. Parabéns.
AVS – As pessoas devem realmente ser levadas a refletir sobre a ligação homem-natureza?
DE VRIES – Exatamente. Eu não sei explicar isto, mas não creio muito em coincidência. Talvez os bispos já sabiam de coisas que nós não sabemos, por isso terem apresentado este tema para a campanha deste ano. Quem sabe?
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