O que fazer quando uma criança ou adolescente se recusa a estudar? A psicóloga Tatiana Sessa, especializada em psicoterapia individual pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), além de atuar como orientadora educacional, palestrante e psicóloga clínica, lançou pela Editora Best Seller o livro E agora? Meu filho não gosta de estudar!. Por meio deste trabalho ela compartilha sua experiência como orientadora educacional e desvenda os ambientes familiar e escolar para identificar os desafios que se colocam entre os pais e a criação de filhos, motivados a progredir nos estudos. Nesta entrevista, Tatiana mostra que é preciso conscientizar a criança ou o adolescente de que o estudo é uma ferramenta para a busca dos próprios sonhos.
A psicóloga mostra que educar é um desafio contínuo. Uma dose generosa de disciplina, tanto dos pais quanto dos filhos, a boa administração do tempo e o reconhecimento dos talentos individuais são as armas necessárias para semear o gosto pelos estudos. Entre algumas dicas, Tatiana incentiva a aproximação entre pais e filhos e prova que o problema do desinteresse pela vida escolar pode ser o pontapé que faltava para transformar o cotidiano e as relações familiares.
Despertar a curiosidade, realizar passeios pedagógicos e encaminhar o jovem para uma visão de futuro. Estes são apenas três dos inúmeros caminhos apontados pela psicóloga. A fim de ajudar os pais a encaminhar possíveis soluções para este problema, a autora chama a atenção para a necessidade de exigir “pequenas responsabilidades”, que podem começar no âmbito doméstico, e avisa que a tecnologia não pode ser responsabilizada pela desmotivação dos estudantes. “Existem dois ingredientes importantes para ajudar os jovens: insistência e consistência. Insistência, pois a educação não tem efeitos imediatos. É preciso renovar diariamente o convite para o prazer de estudar. E consistência porque os filhos aprendem mais com o que veem do que com o que ouvem”, afirma.
LIGHT: Em seu livro você aponta que a desmotivação para os estudos não possui uma única causa, sendo, portanto, multifatorial. Apesar da gama de possibilidades, qual seria o ponto de partida para a recuperação da relação entre estudo e prazer?
Tatiana Sessa - As crianças não nascem desmotivadas. O ser humano é um explorador inato, portanto, é fundamental despertar a curiosidade, realizar passeios pedagógicos e encaminhar o jovem para uma visão de futuro. Se os pais refletirem um pouco, descobrirão que o filho se interessa por algo profundamente. Este interesse é o canal para a descoberta da vocação e para o interesse pelos estudos.
LIGHT: Estudar é hoje visto como “mais chato” que em outros tempos? As novas tecnologias contribuem para esta sensação de enfado por parte das crianças e adolescentes, ou estariam os pais menos preparados hoje a educar seus filhos para gostarem dos estudos?
Tatiana Sessa - A resistência aos estudos já existia anteriormente, mas hoje tem nuances diferentes. O desrespeito ao professor tornou-se algo generalizado também. Temos o mundo num clique, portanto, os estudantes não têm muita paciência para buscar as respostas. Entretanto, não podemos responsabilizar a tecnologia pela desmotivação dos jovens, muito menos culpar inteiramente os pais. Nenhum pai quer, intencionalmente, fazer mal ao filho; afinal é a própria herança genética que está em jogo. O que ocorre é que os pais sentem-se sobrecarregados e não conseguem acompanhar tanto quanto gostariam a vida dos filhos e os filhos sofrem muitas influências além da esfera familiar.
LIGHT: A falta de tempo para um acompanhamento escolar é sempre um argumento utilizado pelos pais, que posteriormente se sentem culpados com o insucesso de seus filhos. Em seu livro, você utiliza um termo descontraído – Os pais “oculpados”. Como você orienta os pais a saírem deste estado constante de ocupação e culpa?
Tatiana Sessa - Primeiramente, acredito que muitos pais estão estressados com tantas atribuições e agenda lotada. Mas é importante priorizar a qualidade do tempo que dividem com os filhos. Eles estarem “inteiros” no momento em que estiverem juntos. Sentar para dialogar (muitas vezes, os pais, na melhor das intenções, não dialogam, mas fazem monólogos na esperança de orientar os filhos e isto pode não surtir efeito), passear, etc. Mas eles podem desligar o celular, por exemplo. O jovem percebe quando tem atenção dos pais. Acho que é normal e fundamental os pais se questionarem se estão sendo bons educadores. Mas o sentimento de culpa em excesso bloqueia a pessoa e é carregado nas costas como uma carga. Quando esta carga se instala nos pais, o que ocorre? Eles não passam firmeza no contrato verbal que fazem diariamente com os filhos. Estes, por sua vez, aprendem a articular sabiamente a culpa dos pais para obterem o “sim” em tudo o que querem.
LIGHT: Você chama a atenção para a importância de uma “pedagogia doméstica”, que seriam pequenas tarefas a serem realizadas pelos filhos, tais como recolher objetos espalhados pela casa, preparar a mesa para o café, ajudar na ida ao supermercado, etc. Qual a importância destas pequenas responsabilidades?
Tatiana Sessa - Um filho que ajuda os pais mostra reconhecimento. Isto deve ser ensinado desde pequeno, pois assim se aprende a dar valor ao que é conquistado. As pequenas responsabilidades que são cumpridas, preparam a disciplina para cumprir outras grandes responsabilidades futuras. As mordomias do cotidiano dão margem à preguiça juvenil. Com a falta de uma pedagogia doméstica, eles precisam de novos estímulos para treinar novas funções. Sozinhos não são capazes de encontrar a motivação de que necessitam para agir e cuidar da própria vida, portanto precisam ser incitados a iniciarem as atividades, mexerem com o corpo e com a mente.
LIGHT: Com muita frequência você alerta os pais sobre o excesso de proteção em relação às dificuldades do mundo. Por que seria saudável cobrar e exigir mais dos filhos em casa, uma vez que as exigências exteriores também são enormes?
Tatiana Sessa - Porque afeto não é excesso de gratificação. Proteção é diferente de superproteção. Existe uma fronteira clara. Os pais devem animar os filhos, desde bebês, para o prazer de entender o mundo a sua volta. Fazer um muro ao redor da criança para que ela não seja desapontada não é demonstrar afeto. A falta de cobranças não prepara o jovem para o mundo competitivo que ele terá de enfrentar.
LIGHT: Apesar de reconhecer o professor como o segundo modelo na vida de um ser humano, você aponta que “o jovem percebe o quanto aquele profissional é desvalorizado, portanto tem deixado de admirá-lo”. Como os pais podem contribuir para que exista uma revalorização do professor?
Tatiana Sessa - É muito comum os pais criticarem a escola e o professor na frente dos filhos. Isso prejudica muito o papel do professor. Os pais têm o direito de contestar, mas devem fazer isto diretamente com a escola. Importante fortalecer a parceria entre pais e escola e estar em contínuo contato, endossando a função de autoridade e das propostas do colégio.
LIGHT: Você propõe um teste para que os pais possam reconhecer simples informações sobre o gosto particular de seus filhos: cor preferida, banda preferida, programa de TV que mais gosta etc.. O que este tipo de teste tem a ver com o fato de um filho não gostar de estudar?
Tatiana Sessa - É muito difícil ajudar um filho se os pais não o conhecem de verdade. Penso que os pais são os faróis, sinalizam o caminho, ajudam os filhos a enxergarem as possibilidades da vida. Portanto, sabendo o que o jovem pensa e tendo consciência de suas preferências e interesses, fica mais fácil dialogar e acessar o seu mundo interno para sugerir novas táticas de estudo e convencê-lo dos benefícios de mergulhar nos livros.
LIGHT: “O exercício da espiritualidade também pode fazer parte de uma pedagogia doméstica”. Como o envolvimento com uma prática religiosa pode influenciar num bom desempenho de um filho em relação aos estudos?
Tatiana Sessa - É importante salientar que o estímulo a práticas religiosas pode fazer parte de uma pedagogia doméstica, pois os ensinamentos espirituais também constituem a formação humana. O amadurecimento pessoal se desenvolve diante da ampliação da visão de mundo. É comum as pessoas se apegarem à espiritualidade para superarem as piores situações e se equilibrarem. A redução dos comportamentos antissociais, o afastamento de situações de risco podem ser trabalhados a partir de um contexto que acolhe filosofias e visões de valores humanos.
LIGHT: Existe um momento ou período mínimo ideal para estudar?
Tatiana Sessa - Costumo dizer que não adianta os pais determinarem os horários de estudo. Já vi pais que trancavam a criança no escritório a tarde inteira, mas as notas continuaram baixas. Não é a quantidade do tempo, é a qualidade do estudo e o compromisso. Pergunte para o seu filho qual horário a atividade cerebral dele está a todo vapor? Quantas horas ele pode se comprometer? Se você marcar um horário pra ele não estará incentivando a autonomia e a gestão do próprio tempo! Gosto de dar o exemplo de dois ex-alunos meus, que eram amigos e se inscreveram para o concorrido vestibular para direito. Um estudava seis horas e outro duas horas, além do horário de aulas. Adivinha quem passou? O que estudava “apenas” duas horas. E ele justificou dizendo que fez isso a vida inteira. Já o seu amigo estudava as seis horas apenas no último ano do ensino médio. Portanto, o mais importante é a continuidade e a concentração no estudo.
LIGHT: “Os pais reclamam que seus filhos não leem, mas será que eles entram em livrarias e pedem que escolham um livro?”. Em seu livro você realiza um trabalho constante de fazer com que os pais se voltem para suas ações e possíveis deslizes na educação de seus filhos…
Tatiana Sessa - Certamente os pais são referenciais para seus filhos. Isto é inegável. Entretanto, culpar e responsabilizar apenas os pais não seria o correto. Ou seja, o comportamento dos pais influencia, mas não determina o comportamento dos filhos. Os filhos aprendem mais com o que veem do que com o que ouvem.
LIGHT: Que novos desdobramentos você pretende desenvolver em suas pesquisas?
Tatiana Sessa - Pretendo continuar pesquisando novas formas de estimular os jovens para terem uma visão positiva do próprio futuro e como os educadores podem conscientizá-los de que o sucesso não existe sem o treino das próprias habilidades.
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