Entrevista - O poder da natureza e do nascimento de uma criança na vida de uma mulher

sexta-feira, 06 de março de 2015
por Jornal A Voz da Serra
Entrevista - O poder da natureza e do nascimento de uma criança na vida de uma mulher
Entrevista - O poder da natureza e do nascimento de uma criança na vida de uma mulher

Ana Borges

Filha de militar e de costureira, Scheila Santiago cresceu numa família de mente aberta, atenta e interessada em cultura. Em 1974, com dez anos de idade, a mãe a levou ao Centro de Arte para fazer teatro e apresentou-a aos Jogos Florais, através do amigo e trovador Rodolpho Abbud. Já o pai, instrutor de ioga, a apresentou à música clássica. Como Scheila mesma diz, "essa mistura deu em mim”. Desde os tempos colegiais, se aparecia uma boa causa pela qual lutar, lá estava ela envolvida. Se um grupo de teatro não tinha espaço para ensaiar, mesmo que não fosse o dela, ela queria saber: "Mas por que não tem, por que não pode?” E se metia a ajudar a resolver. Assim tem sido ao longo de seus quase 50 anos de vida. No momento, integra um grupo que questiona o poder público sobre a derrubada dos eucapliptos da praça e se prepara para ser avó. O nascimento de seu primeiro neto, ou neta, em abril, a fortalece e inspira. É a terra-mãe e a mulher-mãe, a árvore e a criança, causas da natureza, causas sagradas. É ou não é pura poesia, o momento que esta mulher-quase-avó está vivendo? Confira.

 

Light – Você parece uma pessoa inquieta, que não se acomoda, aliás, que se incomoda com o que considera errado, injusto. Foi sempre assim? 

Scheila Santiago – Sou assim, é a minha forma natural de ser. Como sabemos, a natureza de uma pessoa é algo forte, poderoso. A natureza está em mim, eu estou nela, e é assim com todos nós.  É a tal força interior. Cabe a nós saber como usar e para quê usar. 


Quer dizer, tem a ver com o motivo que leva uma pessoa a se envolver com esta ou aquela causa.

Pois é. Porque nem todos estão ali porque acreditam, porque acham justa aquela causa. Muita gente também confunde as coisas e, por ingenuidade ou má intenção, interpreta a manifestação como coisa de "gente que quer aparecer”. E tem mesmo de tudo: os que querem apenas aparecer, se infiltrar para fazer baderna, desvirtuar o objetivo, provocar reações contrárias da população ao nosso pleito. Mas nada disso tira meu foco. Minha mãe sempre foi guerreira na vida, enfrentou muita coisa, devo muito à ela, vi exemplos e absorvi essa maneira de ser convivendo com ela.


Você já tinha esse jeito na infância?

Outro dia a minha mãe estava lembrando disso. Ela disse que eu era uma criança calada na escola, quieta, e foi uma das razões para me levar para o teatro. Mas também, que eu tomava iniciativa quando era preciso fazer alguma coisa por algo que me interessava.


A partir de quando você se soltou mais, passou a assumir esse seu lado, digamos, contestador?

De ser mais atuante em outras áreas, e não apenas nas questões ligadas à cultura, foi bem mais tarde, aí por volta dos meus 35 anos. A minha irmã mais velha sempre foi muito falante, ativa. Eu ficava mais na minha, mas sempre que um assunto era posto na mesa, eu me pronunciava. Nunca fui omissa. Eu era calada, mas nem por isso deixava de ter opinião própria.


Você vai fazer 50 anos, vai ser avó, uma jovem avó. Como está encarando isso?

É engraçado, acho que completar 50 anos faz a gente pensar. Ultimamente dei para olhar para trás, pensar no que já vivi. Lembrei de quando fui mãe pela primeira vez, aos 19 anos, quando tive a minha filha que agora vai ser mãe. Dez anos depois tive um menino, hoje com 21 anos. Aí a gente percebe como caminhou, o que fez, quanta coisa aconteceu e continua acontecendo. É bom reviver. Mas é melhor ainda viver um novo momento. É como estou encarando ser avó. Estou muito feliz. E forte.


Você teve o que costumamos chamar de divisor de águas, aquele momento ou mais de um, em que nossas vidas tomam um novo rumo? 

Hoje, sei que tive mais de um divisor de águas, o que é legal, e natural que aconteça ao longo dos anos. Fazemos escolhas, nos perguntamos, constantemente: seguimos por este ou aquele caminho? E tudo tem consequência. Tudo.


Qual a influência do seu pai na sua formação como cidadã?

Bom, meu pai era militar, nordestino, compenetrado, meio calado, mas de personalidade forte. Era determinado, e uma pessoa espiritualizada. Aprendi com ele, a virtude de saber ouvir, e saber a hora certa de falar. Sou e estou mais atenta, principalmente agora, quando tenho a impressão de que as pessoas estão muito afoitas, ansiosas e meio loucas (risos). Aí eu fico ainda mais observadora.


E de sua mãe?

As relações com os pais são diferentes com um e outro. Mas ambas foram legais. Discordava do meu pai em muita coisa, mas a gente se respeitava. A minha mãe é mais tradicional e nossa relação é mais delicada, mas nada que não possa ser superado. E essas questões eu atribuo ao cuidado, ao carinho, à necessidade de proteger, mesmo. Coisa de mãe! Somos mães, e conseguimos entender as decisões que cada uma toma. Meu pai morreu antes do meu filho nascer, e me separei quando o Led tinha uns quatro anos. Tive o apoio da minha mãe, não houve cobranças. 


E com os filhos, como é?

Somos muito unidos. Eles sempre me apoiaram, aliás, sempre nos apoiamos, nos respeitamos. E isso é resultado do ambiente em que fui criada. 


Como você vê a mulher hoje?

Ligada em tudo, preocupada com o rumo das coisas no mundo. E acho que esse envolvimento tem tudo a ver com a essência da mulher. Afinal, é ela que tem útero, a quem cabe cuidar, proteger, dar abrigo. É inerente à sua condição de fêmea. E cuida porque ela gesta, dá a luz, cria, entrega pra Deus, pro mundo. Então, estamos mais preocupadas com o planeta, com a terra, com a água, com o alimento.


Em suma, com a sobrevivência do ser humano...

Por isso foi muito interessante esse encontro de pessoas aqui em Friburgo, unidas por uma causa. A maioria de nós nem se conhecia, e de repente estávamos juntos combatendo o bom combate. Lutando por algo em que acreditamo, que é defender a natureza. 


Como você se envolveu nesse movimento em defesa dos eucaliptos da praça?

Fui atraída a partir do envolvimento de três amigos que me falaram do corte das árvores. No início eu nem tinha muito clara na minha cabeça a seriedade do problema. Eu fui tomando consciência aos poucos, lendo a respeito, conhecendo as leis, a questão toda. E aí percebi que não dava para me omitir, deixar pra lá. Tinha muita coisa nebulosa e a gente precisava saber por que e como as árvores estavam sendo cortadas. Qual era o critério?


E o que aconteceu? 

Esse movimento de abraçar a praça, juntamente com a intervenção de outros grupos, além da entrada do MP nesse processo, tudo levou a novas medidas por parte do poder público. Os cortes foram suspensos, as toras de maneira que estavam numa madeireira foram transportadas para a EBMA, enfim, pelo menos, conseguimos chamar atenção para o fato de que não podiam tomar decisões sem consultar, esclarecer, ouvir a população. Enfim, se não tivéssemos tomado uma posição, hoje talvez não houvesse mais praça alguma ali. Mas ainda existem muitas perguntas a serem respondidas e muita atenção ao que estar por vir.  


Bom, você está vivendo um momento muito especial, defendendo árvores e aguardando o nascimento de seu neto. Que tipo de sentimento domina você, agora?

Do sagrado. Tem tudo a ver, né mesmo? Por algum capricho do universo, estou aqui prestes a ter nos meus braços um fruto do meu fruto, e esses mesmos braços estão entrelaçados a outros braços, tentando salvar árvores, frutos da natureza. Enfim, é tudo resultado dessa coisa imensa, poderosa e bela que é a vida. E tudo que está nela é sagrado. 

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TAGS: entrevista | Mulher
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