Candidato do Psol a uma das cadeiras do Rio de Janeiro no Senado Federal fez campanha em Nova Friburgo e concedeu esta entrevista exclusiva para A VOZ DA SERRA
A VOZ DA SERRA: O mandato de oito anos do senador tem sido usado muitas vezes como “tampão”, como uma forma de disputar eleições para governador ou presidente ao fim de quatro anos, ou mesmo para prefeito, tendo já um cargo de prestígio assegurado em caso de derrota. Na prática, o Senado acaba sendo composto por grande número de suplentes, no que parece ser uma traição à confiança do eleitor, que nunca é informado a respeito destes planos quando lhe pedem o voto, e também uma desvalorização da função do senador. Nesse contexto, qual o seu entendimento a respeito da importância do senador? O senhor assume o compromisso de cumprir o mandato inteiro?
Chico Alencar: Claro. Bom, em primeiro lugar, a minha candidatura ao Senado, no contexto da minha trajetória na vida pública, tem um caráter quase que de corolário, de síntese, de etapa final de uma longa vida pública da qual não tenho nenhuma vergonha, sempre construída coletivamente. E o Senado, na verdade, é a continuidade de um mandato parlamentar, com características específicas e mais potência. É verdade que o Senado tem sido visto como espaço de garantia para qualquer disputa, sobretudo de Executivo, tendo aquele seguro parlamentar de oito anos. E na verdade, para mim, esse sentido é muito equivocado, absurdo. O senador é o fiador do pacto federativo, que precisa ser profundamente reformado porque há um desequilíbrio absoluto, e o próprio Senado é a expressão desse desequilíbrio. Muitos que vão para lá são ex-governadores, chefes regionais, caciques, coronéis... Quase sempre ele tem sido uma “academia brasileira de oligarcas”, deve ter até o chazinho das cinco lá. Então, a gente quer ir ao Senado para chacoalhá-lo, revolucioná-lo, e discutir a sua própria existência, no bojo de uma reforma política, uma vez que há muitos países democráticos que têm um Legislativo unicameral. A arquitetura de Brasília é curiosa, porque é inteligente. Eu tive o privilégio de conhecer o Niemeyer e muito o Lúcio Costa, porque a irmã dele, Magdala Ribeiro da Costa, foi minha madrinha e me criou, junto com a minha mãe. E eles colocaram em cima da Câmara a cuia côncava, para dizer que a Câmara tem que escutar os clamores do povo. E sobre o Senado a cuia convexa para ser a casa da reflexão, da ponderação... Daí que, para ser senador, você precisa ter mais idade do que para ser deputado. Então, existe toda uma simbologia que precisa ser repensada. De modo a simplificar, uma vez que quase ninguém sabe para que serve o Senado ou no que ele difere da Câmara, até mesmo porque o salário e as mordomias são iguais – com uma diferença: senador da república tem um carro oficial, enquanto a Câmara não tem mais isso, felizmente –, eu digo que senador é um deputado com mais potência porque, por exemplo, é ele quem dá a palavra final sobre impeachment de presidente, como aconteceu com Collor e Dilma, para ficar nos casos mais recentes.
E o senador é um entre 81, e não um entre 513, como na Câmara Federal...
Sim, ali se pode aprofundar muito mais as ideias, há um microfone para cada senador. Também é onde se faz sabatina sobre indicação para ministros do Supremo Tribunal Federal, Procuradoria Geral da República, é o Senado que aprova ou não a indicação de diplomatas, os ministros, militares podem ser submetidos a questionamentos do Senado, acordos internacionais... Enfim, tem as suas especificidades.
Dá para assumir então que a reforma do pacto federativo é uma de suas principais bandeiras?
Dentro de uma reforma tributária progressiva. A gente precisa de mais alíquotas, e não uma alíquota só, como tem sido defendido pelo programa de governo de um candidato à presidência. Mas esse é só um aspecto, entre muitos.
No seu entendimento, de que forma o senador pode ajudar o estado do Rio a superar a crise na segurança pública e a recuperar sua economia?
O senador precisa resgatar aquela sua característica de representante do Estado. Pensar grande, não fazer a política miúda, da clientela, do curral eleitoral. O Rio de Janeiro tem sido muito mal servido por senadores, que não têm postura, muitas vezes não têm um estofo, uma formação, um conhecimento inclusive da história do nosso estado. Que é uma história ainda recente. Esse território geoadministrativo, que já se chamou estado do Rio, Distrito Federal e Guanabara, hoje estado do Rio de Janeiro, precisa de algo que está escrito em latim na nossa bandeira e pouca gente percebe: ‘Recte Rempublicam Gerere’. Eu acho que nenhum governante, especialmente os últimos, leu. Ou, se leu, não pediu que traduzissem, muito menos praticaram. Isso significa gerir a coisa pública com retidão. O senador precisa ser o fiador de gestões radicalmente democráticas, transparentes, sob controle social e popular... E honestas, obviamente, porque eu vejo lá, dentro da Câmara, com todos os estados e suas representações, que o Rio de Janeiro é quase alvo de deboche. E a violência crescente do Rio também tem a ver com isso, com esse desgoverno. Eu já fui parado na entrada de uma favela, numa campanha pretérita, por meninos de calção e fuzil AR-15. “Aonde vai, tio?”, aí um me reconheceu e começou a falar: “Pô, doutor, não é mole não, a bandidagem em Brasília está braba, hein?!”. Ou seja, há uma interpenetração, até cultural, de desprezo à vida, e de desprezo, claro, à instância pública e ao dinheiro público, que é muito forte. E a violência no Rio retroalimenta essa degeneração moral e ética dos governos do Rio. Os senadores têm que ter coragem para enfrentar isso, mas ficam ali num conluio de oligarcas, de autoproteção, de corporativismo. Então, eu acho que é preciso chacoalhar aquilo lá. Veja, o candidato que lidera as pesquisas tem mais de 400 inserções na tevê porque fez um conluio com o MDB, que arruinou o Rio de Janeiro. É mais do mesmo sempre, então a gente quer ter uma representação que pense o Brasil, que pense grande, que pense o planeta. Os caminhos, inclusive, do ponto de vista ambiental, como exorta o Papa Francisco, na ‘Laudato Si’, a sua encíclica muito profética, e que chame todas as forças vivas do Rio para a gente articular o resgate do nosso estado. E eu pretendo criar conselhos regionais populares para ouvir as demandas das regiões...
Naturalmente este é um tema que não podemos deixar de abordar. Nova Friburgo é centro geodésico do Estado, polo de uma região, e evidentemente necessita de representação próxima no Senado. O que o eleitor do interior pode esperar do senhor?
O Rio de Janeiro tem a má tradição político-administrativa de ter uma cabeça enorme, por causa da história da capital. Capital da colônia, município neutro da corte, distrito federal da república... Isso agigantou o Rio, inclusive em termos de burocracia estatal, e o interior ficou esquecido. Nós somos um estado ainda em processo de constituição e integração. Minha ideia é ser um senador do estado do Rio de Janeiro. Hoje em dia existe uma nova tradição que a juventude está criando, que são as rodas de conversa, do espaço público. Resgatar a praça pública como espaço de debate, de demanda. Isso eu quero fazer, um mandato que tenha um conselho da Região Serrana, da Região Sul Fluminense, do litoral norte, do litoral sul, da Baixada, São Gonçalo, aquela região também muito desassistida. Tirar essa supertrofia da cabeça e superar a atrofia do corpo constituído do Estado do Rio de Janeiro. E aí, quem usa o sapato sabe onde o calo dói. Não há melhor localizador da demanda, aqui no centro geodésico, por exemplo, do que o próprio morador de Nova Friburgo. E envolver as autoridades também. Todo mundo que tiver espírito público, independentemente do partido, vai constituir esse mandato, e a gente vai em cima do governo, qualquer que ele seja, para exigir essa atenção com o estado.
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