ENTREVISTA - Depressão: A doença dos afetos, do humor e da tristeza

sexta-feira, 19 de setembro de 2014
por Jornal A Voz da Serra
ENTREVISTA - Depressão:  A doença dos afetos, do humor e da tristeza
ENTREVISTA - Depressão: A doença dos afetos, do humor e da tristeza

Ana Borges

Segundo a Asssociação Mundial de Psiquiatria, a depressão deverá ser a segunda doença no mundo em 2020, e possivelmente a primeira em 2030. E uma de suas causas principais tem a ver com a perda da esperança, que está no núcleo do pensamento depressivo. Por isso, a pessoa deprimida deve ser ajudada a focar seu pensamento em coisas que produzam esperança. Estas e outras informações foram cuidadosamente detalhadas para esta entrevista exclusiva com o psiquiatra Cesar Vasconcellos de Souza para o Light. Vale a pena saber mais sobre essa dolorosa doença, que cresce assustadoramente no Brasil.

 

Light - O que é depressão?

Cesar Vasconcellos - Muita gente confunde depressão com outros transtornos mentais. Depressão é uma doença dos afetos, do humor, em que predomina a tristeza. Seu tratamento deve ser feito por médico psiquiatra e psicólogo.


Qual a diferença entre depressão e tristeza? 

A perda de um ente querido, a reprovação em concurso, o rompimento de uma relação afetiva, uma demissão, entre outros, são experiências que deixam a pessoa triste, uma tristeza normal que pode durar poucos dias ou semanas, sem precisar de remédio ou tratamento. Mas se a pessoa demora a se recuperar, só vê o lado negativo da vida, tem constantes ideias de morte, perde a energia e o interesse pelas coisas que lhe davam prazer, então ela precisa de um profissional para atendimento psicoterápico e avaliação da necessidade ou não de antidepressivos, realizada por um psiquiatra. Ele mesmo pode fazer o acompanhamento psicoterápico e medicamentoso, ou pode assumir somente o tratamento farmacológico e encaminhar a pessoa para uma terapia com um psicólogo clínico.


Quais os principais sintomas da depressão? 

Tristeza, na maior parte do tempo, com importante desânimo, intenções suicidas, sensação de desespero, desamparo, pensamentos trágicos, negativos, pessimistas e de morte. A pessoa tem insônia ou dorme demais, perde ou ganha peso, e tem vontade de se isolar. 


O que contribui para a depressão, quais suas principais causas e os tipos desta doença? 

Há a depressão leve, a moderada e a grave com e sem sintomas psicóticos. A leve em geral não precisa de tratamento psicológico e medicamentoso e pode desaparecer espontaneamente. Mas isto dependerá da pessoa, dos recursos que ela possui para lidar com suas emoções de perda, frustração. Já a depressão moderada e grave requer tratamento psicológico e com antidepressivos conduzidos por médico psiquiatra e psicólogo clínico. Na depressão grave a pessoa pode ter os sintomas clássicos da depressão e sair da realidade, que é quando dizemos que ela também apresenta sintomas psicóticos, tais como delírio, alucinação, agitação, desorientação, etc. Neste caso, ela necessitará de outros medicamentos além do antidepressivo. 

Toda pessoa deprimida corre o risco de se suicidar? 

Ela pode começar a pensar na morte como uma forma de escapar do desespero. Mas, dependendo do nível da depressão, dos recursos mentais que a pessoa possui, de sua fé, ela pode pensar somente em que seria melhor morrer, mas que não se mataria. Ou pode evoluir para ideias de suicídio e planejá-lo, e tentar se matar. Entre pacientes que sofrem de depressão ou esquizofrenia, 10% e 15 % cometem suicídio. Os fatores de risco para o suicídio incluem a depressão grave (especialmente no início da doença), histórico familiar ou pessoal, prévia de depressão ou tentativas de suicídio, abuso do álcool ou outras substâncias, psicose, agitação, ansiedade grave, insônia, idade avançada (principalmente associada com outras doenças clínicas), falta ou perda de apoio social, encarceramento, crise pessoal ou causa para vergonha e falta de tratamento psiquiátrico ativo e mantido.


Que dados temos no Brasil sobre essa questão? 

Aqui ocorreram 8.639 suicídios registrados em 2006. Isto dá uma média de 24 mortes por dia. Estamos no 9º lugar no mundo nesta questão. Isso é triste e em geral fica encoberto porque as mortes por acidentes, homicídios, etc são mais noticiadas. 


Qual região ou estado registra o maior número de suicídios? 

O Rio Grande do Sul é o que apresenta as mais altas taxas de morte por suicídio no país. A média estadual, em 2005, foi de 10 suicídios para cada 100 mil habitantes (17 homens e 03 mulheres). Entre a população indígena no Mato Grosso do Sul, por exemplo, há elevado índice de suicídios também, com média de 8,6 (12,4 em homens e 4,7 em mulheres). Uma tristeza e uma vergonha. Já no Nordeste, o Ceará é o estado com maiores taxas de suicídio daquela região.


Como no caso de outras doenças, prevenir é melhor do que tratar? 

Sim. Em medicina sabemos que um grama de prevenção vale mais do que um quilo de tratamento. A melhor maneira de prevenir depressão em jovens e adultos tem a ver com uma família que valoriza seus membros, os trata com respeito, carinho, disciplina — nem frouxa, nem severa demais —, desenvolve valores morais, éticos e espirituais, procura manter boa comunicação especialmente quanto aos sentimentos dos seus. Esta estrutura funcional familiar afetiva é importante. É muito comum pessoas adultas que desenvolvem depressão grave virem de famílias complicadas em termos de comunicação afetiva, com perdas significativas quanto à nutrição emocional combinando com uma sensibilidade ou vulnerabilidade para sofrimentos mentais maior que na média das outras pessoas. 

  

Como é o passo a passo no tratamento da depressão? 

É importante o apoio psicológico com psicoterapia, que é um tratamento baseado em entrevistas com um psicólogo clínico em que serão trabalhadas as distorções de pensamento que são comuns nos deprimidos. Distorções de pensamento envolvem pensamentos trágicos, de morte, de mania de doença, de crítica e depreciação de si, de desesperança. A medicação antidepressiva é necessária para depressões moderadas e graves e deve ser prescrita pelo médico psiquiatra, já que psicólogos não podem receitar remédios porque não são médicos. Outro fator é orientar os familiares de que a pessoa tem uma doença e que não é algo que ela faz para chamar a atenção. Deve-se orientar quanto a vigiar a pessoa caso ela tenha risco suicida. Animar a pessoa deprimida a sair, caminhar em meio à natureza é importante porque os exercícios físicos melhoram o funcionamento cerebral, ajudando na recuperação da depressão. A pessoa deprimida deve ser orientada pelo médico de que os remédios eliminarão os sintomas da depressão, mas não a(s) causa(s). Assim, será importante entender o que causou este estado de sofrimento mental para encontrar saídas de resolução duradouras e para não ficar dependente dos remédios.

 

SEM ACESSO

Por incrível que pareça, mesmo estando no século 21, menos de 50% das pessoas com depressão procuram médicos e destas, somente 50% recebem tratamento adequado ou são encaminhadas ao especialista. Portanto, somente de 20% a 24% dos indivíduos da população com diagnóstico de depressão têm acesso a tratamento. Isto ocorre porque uma minoria queixa-se primariamente de sintomas emocionais e porque médicos não psiquiatras podem não reconhecer a depressão por detrás das queixas físicas. Segundo estudos de Simon et al., 1999, 69%, e segundo Bridge e Goldberg, 1985, 56% de pessoas com depressão se queixaram somente de sintomas físicos. Quando as queixas são psíquicas, 90% das pessoas com depressão são diagnosticadas corretamente. 


NÚMEROS

Uma pessoa se suicida a cada 40 segundos no mundo, enquanto que há uma tentativa de suicídio a cada três segundos. Entre pacientes que sofrem de depressão ou esquizofrenia, 10% e 15 % cometem suicídio.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 2000 cerca de um milhão de pessoas se suicidaram no mundo e 10 a 20 milhões fizeram tentativas de suicídio. Então, há mais mortes por suicídio do que provocadas por todos os conflitos armados existentes nos cinco continentes.

Em todos os países, o suicídio é uma das primeiras causas de mortalidade das pessoas entre 15 e 35 anos. No passado recente era mais frequente entre pessoas idosas, mas agora atinge os jovens em pelo menos um terço dos países. A predominância é em homens idosos, mas está ocorrendo uma mudança e dados recentes mostram que em termos mundiais há mais suicídios (57%) cometidos por pessoas entre 05 e 44 anos do que a partir dos 45 anos.

Ou seja, o número de suicídios de pessoas dos dois sexos agora é maior entre 35 e 44 anos, sendo os índices masculinos ainda superiores. A única exceção é na zona rural da China, onde as mulheres suicidam-se mais do que os homens (1,3%).

Em países como Lituânia, Letônia, Suécia e outros dessa região encontram-se os índices mais altos de suicídio (acima de 30 por 100 mil habitantes, enquanto que a média mundial é de 16 suicídios por 100 mil habitantes). Um quarto ou 25% de todos os suicídios no mundo ocorre em dois países: a China e a Índia. Só na China encontra-se 20% dos suicídios mundiais. No Brasil, a segunda causa de morte que era acidentes de trabalho e suicídio, está passando a ser o câncer. 


Dr. Cesar Vasconcellos de Souza

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