“Reencontrei a Deborah que há muito tempo eu não via”
Por Alessandro Lo-Bianco
Deborah Secco é a atriz mais badalada do momento por conta do filme “O Doce Veneno do Escorpião”, biografia da ex-garota de programa Bruna Surfistinha. O filme foi um divisor de águas na carreira da atriz, que revela ter se transformado numa outra pessoa após concluir este trabalho. “Tanto pessoal, quanto profissional, não sou mais a mesma Deborah de antes, isso é um fato”, afirma.
Aos 31 anos, com 15 novelas no currículo e 23 anos de carreira, Deborah cronometrou nesta obra 20 minutos de cenas sensuais e eróticas, envolvendo cenas de sexo oral, anal, e inúmeros fetiches trazidos pelos clientes. Você verá também uma Deborah cheirando cocaína, comandando sexo a três, fazendo fila num corredor onde oferece serviços sexuais por R$ 20, e até mesmo “por conta da casa”, aos convidados de seu aniversário. Nesta entrevista, Deborah conta ao caderno Light como fez para construir este papel, seu envolvimento com as cenas de sexo e drogas e, principalmente, como este trabalho mudaria sua vida para sempre. Confira!
O que você pensou logo de cara quando fechou o contrato para viver a Bruna Surfistinha no cinema?
DEBORAH SECCO - Eu pensei que esse papel seria um marco em minha carreira, pois é um papel totalmente diferente daqueles em que as pessoas estão acostumadas a me ver. A Bruna, sem dúvida, foi um dos meus personagens mais difíceis. É um filme muito intenso, complexo, que vai mexer intimamente com as pessoas.
Mexeu muito com você?
DEBORAH SECCO - As nove semanas e meia que me dediquei a este trabalho mudaram a minha vida. Fiz coisas que talvez nunca mais faça novamente. Com certeza o público vai ver uma Deborah Secco como nunca foi visto antes.
Então a coisa é séria mesmo, né?
DEBORAH SECCO - Muito (risos). Para você ter uma noção, para abandonar a profissão, a Bruna Surfistinha faz uma projeção de quantos programas precisava fazer para se sustentar com conforto: 800 em seis meses. E ela consegue! Isso não parece sério?
Bom, se ela consegue, é porque tem muita procura, né? Por que você acha que os homens procuram tanto garotas de programa?
DEBORAH SECCO - Será que seria por falta de atenção? Acho que nós, mulheres, não estamos dando a eles devida atenção. Pensei nisso: será que não escuto o que meu marido tem pra me dizer?
Você já passou por alguma situação deste tipo, de perceber que não estava dando a devida atenção ao seu parceiro, no seu casamento com o Roger, por exemplo?
DEBORAH SECCO - O Roger já casou comigo sabendo que eu era atriz.
E no caso das meninas, por qual motivo você acha que elas entram para este mundo?
DEBORAH SECCO - Com meu envolvimento com o projeto do filme, percebi que as motivações para as meninas se tornarem garotas de programas são distintas: por prazer, por necessidade, algumas até por um vazio existencial. O que ficou claro para mim é que não me cabe julgar a situação delas.
Você acha que o filme vai ajudar a reduzir o preconceito que ainda existe na sociedade em cima das garotas de programa?
DEBORAH SECCO - Espero que o filme ajude as pessoas a pararem com essa rejeição. As pessoas são o que conseguem ser. Não existe certo ou errado. Além do que, aprendi com este trabalho que as pessoas são o que conseguem ser, e não o que querem ser. Esse foi o meu maior aprendizado.
E qual seria o aprendizado que você espera por parte do público?
DEBORAH SECCO - A gente vê várias histórias tristes, de violência, e acha errado uma menina se prostituir? Precisamos perder o medo de falar sobre assuntos que estão presentes nas nossas vidas, temos muitos outros tabus para retratar. Espero que as pessoas aprendam a falar abertamente, sem hipocrisia, sobre estes tabus que permeiam nossa sociedade.
Fidelidade, para você, é fundamental numa relação?
DEBORAH SECCO - Com certeza! Acordo todos os dias pensando em ser fiel ao meu marido. E o dia em que eu acordar e resolver que não serei mais fiel, ele será o primeiro a saber, porque o meu casamento vai encerrar ali mesmo. Mas nunca seria infiel.
O Roger chegou a gravar algumas cenas, não foi? Como foi isso?
DEBORAH SECCO - Foi estranho (risos), pois nunca pensei em interpretar uma garota de programa para o meu marido [o jogador de futebol Roger Flores], mas para o meu crescimento profissional, como atriz, foi um grande e proveitoso desafio.
Fale mais do filme. Como foi o ritmo de gravações?
DEBORAH SECCO - Fizemos o filme gravando fora da ordem cronológica. Isso é difícil porque a obra conta diferentes fases da trajetória dela: como a Rachel, na casa dos pais, na sua entrada no mundo da prostituição, a sua transformação em Bruna Surfistinha e, por último, sua queda a partir do uso de drogas. Então às vezes, no mesmo dia, eu gravava cenas dela em momentos completamente diferentes, tanto na caracterização física dela, como nos traços de sua personalidade. Havia dias em que eu deixava o set, por conta disso, completamente estafada.
Escutei que você não quis conhecê-la antes de começar as gravações...
DEBORAH SECCO - E também preferi não ler o livro antes das filmagens. Como disse antes, confio mais no personagem que eu recebo por roteiro, do que no personagem da vida real. Digo isso, pois acho que o grande barato do ator é construir a personagem, então não queria ter tudo pronto. Não queria ser influenciada pela realidade. Mas fiquei feliz de saber que muita coisa que eu tinha imaginado e colocado na minha Bruna tinha a ver com o que ela sentia.
Mas, então, além do roteiro, o que mais você buscou para compreender a vida de uma garota de programa?
DEBORAH SECCO - Isso não quer dizer que eu não tenha ido conversar com elas. Ouvi história de mulheres que se prostituem para criar os filhos. Vi também meninas com o olhar já anestesiado pela dor, e também vi outras que encaram apenas como uma escolha. São todas mulheres guerreiras, que não prejudicam ninguém, só a elas mesmas.
E como foi a construção das cenas de sexo? Foi difícil para você?
DEBORAH SECCO - Não podia haver pudor, porque somos atores. Fazer uma cena de sexo não pode ser diferente de fazermos uma interpretação de sofrimento.
Mas é...
DEBORAH SECCO - Nesta situação, o número de pessoas no set foi reduzido em todas as cenas de sexo. Tudo bem (risos)... Queira ou não, ficar sem roupa é um obstáculo, mas eu não podia me apegar a isso, já que todos os dias eu tinha que gravar cenas de sexo importantíssimas para a narrativa do filme. A primeira, o primeiro programa que ela sente prazer, então eu estava muito mais preocupada em descrever em sensações a dor que ela estava sentindo, e em outra cena, por exemplo, ela está em um momento de tamanha loucura, totalmente anestesiada, que não sentia nada, então é outra interpretação. Isso tudo faz com que você passe a dar menos importância à questão de ficar nua na frente das câmeras.
Para fazer Natalie, sua personagem atual em Insensato Coração, você precisou de muita malhação para cumprir as exigências físicas da personagem. E para este filme, como foi?
DEBORAH SECCO - No filme eu precisei ficar mais próxima dos padrões de beleza exigidos pelo público masculino. Tive que engordar oito quilos para ficar gostosona. Agora estou com dois quilos a menos, mantendo somente o ganho de massa magra para compor a Natalie.
Você está sendo considerada pela crítica, com todos esses trabalhos, uma das atrizes mais sensuais do ano. Você é?
DEBORAH SECCO - Não me considero. Me acho sensual como toda mulher, nem mais, nem menos que as outras. Mas agora, com duas personagens com esta característica, não vou me incomodar se as pessoas acharem que eu realmente sou supersensual. Na verdade, quem me conhece sabe que sou mais meiga e doce do que sensual.
Você fica com medo de ser rotulada por fazer personagens com alta voltagem sexual?
DEBORAH SECCO - Já fiz freira, menino de rua, menina que jogava futebol, mas o público só se lembra das personagens sensuais. Elas acabam sendo as mais marcantes. Outro dia li uma entrevista com o Al Pacino que me tranquilizou. Ele disse que passou uma vida sendo chamado para viver chefes da máfia e outros tipos nesta linha. E que por mais que tenha feito inúmeros papéis, o público, no fim das contas, acaba se lembrando mesmo de personagens como o de O Poderoso Chefão. A própria Dira Paes, atriz incrível de cinema, depois que fez a Norminha (da novela Caminho das Índias), diz que até hoje é abordada por pessoas que citam frases da personagem, como “Vem tomar leitinho, Abel”, e por aí vai. Encaro isso, então, de forma profissional.
E nas cenas em que você precisou simular o uso de drogas? Como foi isso?
DEBORAH SECCO - Achei que me faltaria naturalidade para gravar estas cenas, pois nunca tive contato com nenhum tipo de droga. Pedi, então, explicação para um médico para entender os efeitos da cocaína.
Foi mais fácil para você fazer as cenas de sexo?
DEBORAH SECCO - Sexo a gente sabe como funciona, já cocaína eu nunca tinha visto, não sabia nem o básico. Conversei com médicos e ex-usuários para compor a personagem. Já as cenas de nudez, juro para você, isso para mim não era tão importante.
Pode citar uma cena bem complicada?
DEBORAH SECCO - Para mim, a cena de overdose foi a mais complicada. Para começar, não sabia nem como imitar a sensação que essa droga transmite. Tive que doar bastante de mim, mergulhar na minha preparação e chegar ao set sem qualquer vício de interpretação.
E como foi isso?
DEBORAH SECCO - Tive que reaprender a atuar, me zerei, comecei tudo de novo, virei uma nova Deborah. É uma personagem que muda a vida de uma atriz, e certamente mudou a minha. Mudei-me para São Paulo e me isolei, fui morar sozinha e quis entender melhor a solidão e como as pessoas fazem para viver sem as boas relações familiares. A vida dela foi essa solidão que ela se impôs.
Você chegou a mudar muito por conta dessa preparação?
DEBORAH SECCO - As pessoas mais próximas diziam que não falavam mais com a Déborah, e sim, com a Bruna, porque quis explorar este universo de não ser amada por ninguém. Por incrível que isso pareça, este personagem foi um divisor de águas na minha carreira.
Por qual motivo?
DEBORAH SECCO - Além de ter me tornado um ser humano muito melhor do que eu era, redescobri neste filme o prazer de atuar. Eu reencontrei uma Deborah que há muito tempo eu não via.
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