AVS: Existem muitos questionamentos a respeito da forma como o Senado tem sido tratado por grande parte do meio político. Seguramente é a casa legislativa cuja composição abriga maior número de suplentes, em grande parte porque o mandato de oito anos tem atraído políticos que buscam essa segurança para que possam participar de uma segunda eleição ao término dos primeiros quatro anos, tendo já um cargo relevante assegurado mesmo em caso de derrota. E sabemos que quando os senadores saem vitoriosos nessas eleições acabam cumprindo apenas metade do mandato, e a cadeira acaba sendo ocupada durante quatro anos por um suplente muitas vezes desconhecido pelos eleitores, que não raramente foi alçado à posição como parte de uma composição política. Qual sua opinião sobre a importância da função do senador, e sobre essa rotina de utilização do cargo para meio mandato apenas?
Marta Barçante: O Senado é uma casa revisora, ele tem como papel fazer uma revisão daquilo que foi aprovado ou não na Câmara dos Deputados. Ele tem um papel importante, mas existem algumas distorções na forma como esse Senado está montado. Ele tem um modelo que vem da época da ditadura militar, são três senadores por estado, independentemente do número de eleitores de cada estado, o que gera uma desproporção. E esse mandato de oito anos, a meu ver, é muito longo. Penso que poderia ter uma duração próxima a cinco anos, algo nesse sentido. O Senado tem uma tradição que vem desde a Roma antiga, não é? Existe ali uma certa pompa, como se aquelas pessoas ali fossem mais iluminadas que as outras, e por isso também esse papel revisor. Eu acho que o Senado precisa ser revitalizado, precisa ter seus objetivos mais bem definidos. O senador pode fiscalizar uma série de coisas, como aplicação das verbas públicas, e outras coisas que hoje em dia não são feitas.
Quais os principais aspectos ou diferenciais do projeto do PCB para o Senado?
O primeiro aspecto é que se trata de uma intenção de trabalho que não será desvinculada da população. Tenho falado muito isso, o parlamentar comunista é aquele que atua junto com os movimentos e com a população, defendendo os interesses, principalmente dos menos favorecidos. Esse é um diferencial que nós temos. Um gabinete ao qual as pessoas possam ter acesso, e também que esteja voltado a ouvir as ruas e as demandas da população. Esse é um diferencial. Da mesma forma, o parlamentar comunista vai usar o parlamento também como uma tribuna, para fazer as críticas, apresentar propostas e projetos, mas sempre muito vinculado à população. Nosso objetivo é ter um parlamento que mantenha um nível de interação muito forte, principalmente com os movimentos sociais.
O senador representa o estado. O que a senhora poderia dizer a respeito da sua disponibilidade para o eleitor do interior do estado do Rio?
Estaremos com os gabinetes abertos, no Rio e em Brasília. O Estado do Rio de Janeiro vive uma situação muito ruim, entramos numa crise, numa falência econômica, numa falta de perspectivas que afeta todo mundo, e principalmente as cidades do interior. A capital ainda tem alguma sobrevida, embora a situação por lá esteja bastante dramática se pensarmos na segurança e alguns outros aspectos. Entendo que os estados como um todo precisam ser defendidos no sentido de se mudar a política que só favorece as grandes empresas, os grandes empresários, que desonera algumas empresas mas onera a previdência, prejudica os investimentos em saúde e educação. Tudo isso nós pensamos que precisa ser visto, precisa ser acompanhado. Por exemplo, as verbas públicas do Fundeb, para onde é que elas vão? Elas são realmente aplicadas integralmente na educação? O percentual que deveria ser aplicado na Saúde é realmente aplicado? Tudo isso pode ser acompanhado com proximidade em Brasília, e também é importante tentar representar os interesses do estado, mas não pensando o estado de forma abstrata, e sim das pessoas que moram nesse estado, que vivem, que têm seus filhos, que precisam de creche e de hospitais.
O Rio de Janeiro tem hoje dois problemas centrais que não podem ser esquecidos: a violência urbana, e as finanças do estado. De que forma, no seu entendimento, o senador pode ajudar a combater a violência urbana e a recuperar as finanças estaduais?
A questão da violência urbana tem muito a ver com uma concepção de guerra, que a intervenção militar no Rio de Janeiro só veio reforçar. Há uma guerra deflagrada, na qual quem mais sofre são as populações moradoras das periferias, das favelas, das comunidades, e nós entendemos que não deve haver esse confronto direto, da forma como é feito. Nosso projeto passa por uma polícia mais investigativa, por tentar barrar o tráfico de armas, rastrear como é que essas armas chegam aos morros, às favelas. Isso é muito importante, mas poucas vezes é feito.
A senhora acredita que o senador tem margem para colaborar nesse sentido?
Tem margem sim, porque o senador vai ter um papel de influência. Ele vai ser ouvido, não é uma pessoa isolada. O senador naturalmente vai ser articulado politicamente, tanto no Senado quanto na Câmara Federal e com o próprio governo, vai ter que haver uma interlocução. Acredito que nós temos que bater muito nisso, buscar um outro foco para a segurança pública, que é pensar na vida das pessoas. Nós não somos a favor desse bangue-bangue em que alguns querem transformar o país definitivamente, armando a população toda e coisas do gênero. Somos contra esse tipo de coisa. Quanto ao aspecto financeiro existem muitas formas de atuar. Uma, à qual eu já me referi, é a questão das isenções fiscais. Das desonerações. Por que uma joalheria precisa de isenção fiscal, como acontece hoje no Rio de Janeiro? Esse é um projeto, um modelo econômico, que também ajudou a levar o estado para o buraco. Não foi apenas a roubalheira em larga escala, é preciso olhar também para o modelo econômico de favorecer determinados setores, de garantir privilégios. Por que um magistrado precisa ganhar auxílio-moradia, se ele já recebe mais de R$ 30 mil por mês? Esse é só um exemplo. Sou a favor do servidor público, do concursado, de diminuir o volume de cargos comissionados. Sabemos que o servidor público concursado serve ao estado, ao passo que o cargo comissionado muitas vezes presta serviço para quem o nomeou, é completamente diferente. Penso que muita coisa deve ser mudada para que possa haver essa recuperação do estado. E o Rio de Janeiro é um estado que tem uma vocação cultural muito grande, que pode ser trabalhada. O próprio turismo... Existem formas sim de tirar o estado do buraco.
Deixe o seu comentário