ENTREVISTA - Comte Bittencourt e a política de Estado para a educação

Deputado defende política única para formação e carreira de professores com
sexta-feira, 17 de outubro de 2014
por Jornal A Voz da Serra
ENTREVISTA - Comte Bittencourt e a política de Estado para a educação
ENTREVISTA - Comte Bittencourt e a política de Estado para a educação

Texto: Ana Borges / Fotos: Amanda Tinoco

O deputado estadual Comte Bittencourt (PPS), reeleito no último pleito para seu quarto mandato na Alerj, preside a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro desde o primeiro mandato. Como professor, ele vê a educação como protagonista da transformação da sociedade e, em seus 22 anos de vida pública, sempre esteve à frente da luta pelo ensino de qualidade. Segundo Comte, volta e meia surgem editoriais na imprensa dizendo que o problema da educação não é recurso, é gestão. E rebate: "Isso é um grande equívoco. Podemos ter problemas localizados de gestão, mas o problema é de financiamento. Educação de qualidade requer financiamento. E para alcançar a qualidade, o profissional tem que ter carreira”, defende. Uma de suas lutas é pela aprovação da residência docente, um projeto que ele advoga há tempos. Advoga, ainda, que a população crie uma agenda e se engaje no debate sobre a educação. Estas e outras questões de fundamental importância foram abordadas nesta entrevista concedida para o Caderno Light. 

 

Light – Em vista de sua atuação persistente na Comissão, qual a base de seu projeto de educação? 

Comte Bittencourt - Temos procurado cumprir uma agenda que possa estabelecer as bases legislativas para um projeto de educação para o Rio de Janeiro. Ou seja, o nosso grande objetivo é criar o que chamamos política de Estado, para que a educação não se limite às iniciativas de governos. Os governos duram quatro anos, passam. A política de educação tem que ser de Estado, estar acima de governos. Tem que ter um projeto de médio e longo prazo, pois não há como colher resultados de outra forma. Não há formas milagrosas pra resolver essa questão. 


Em que época da nossa República houve uma política de Estado para a educação?

Talvez antes da ditadura. Durante o governo militar acho que houve uma certa desconstrução da qualidade da escola pública que havia antes do golpe. É bem verdade que antes de 64 a escola pública era para poucos. Existiam mais escolas públicas que privadas, mas poucos tinham acesso a elas. Metade da população em idade escolar estava fora dessa escola, não havia vaga suficiente.  


Quem conseguia vaga? Como fazia para entrar?

Entrava quem estava bem preparado, tinha que fazer concurso para entrar. Aqui mesmo, em Friburgo, para entrar no Instituto de Educação, tinha que fazer concurso. E em todo o país era difícil, poucos conseguiam. Muitos alunos, em várias capitais, como no Rio, faziam cursinho de admissão. Então, havia uma escola pública de excelência, mas pouco acessível. O grande desafio do Brasil, hoje, depois que universalizou a educação, com 96% da população de 6 a 14 anos dentro das escolas, o debate gira em torno da qualidade. É repensar a escola, vencer dificuldades que passam, essencialmente, pela formação do professor e sua carreira.


Aliás, formação e carreira têm sido os principais motivos de descontentamento da classe...

E com razão. Esses são os dois grandes desafios a serem vencidos. O ensino fundamental foi totalmente universalizado no final dos anos 90 e toda criança dos 6 aos 14 anos tinha que estar matriculada e frequentando a escola. Fomos um dos últimos países em desenvolvimento a tomar essa decisão. Enfim, com isso aumentou a quantidade, claro, mas a qualidade... 


Aí, chegamos à docência...

Exato. E docência passa por formação e carreira, que, torno a repetir, têm que ser debatidos seriamente, e a questão, resolvida. Isso tem que permear as próximas iniciativas governamentais. Os municípios assumiram responsabilidades enormes com a nova LDB (1996), com a nova Constituição (1988), que reorganizou a oferta da educação brasileira, onde Municípios, Estados e a União assumiram responsabilidades em cada etapa da escolaridade, do ensino infantil ao 3º grau. Isso é fundamental.


E agora, qual o desafio? Ajustar essa demanda à formação do professor?

Existe hoje um debate entre financiamento e gestão. Recurso. Volta e meia, surgem editoriais na imprensa dizendo que o problema da educação não é recurso, é gestão. Isso é um grande equívoco. Podemos ter problemas localizados de gestão, mas o problema é de financiamento. Repito, educação de qualidade requer financiamento. E para alcançar essa qualidade o profissional tem que ter carreira.        


O que pode ou deve ser feito para resolver de vez esse problema?

Antes de mais nada, quero reiterar que um professor não pode ganhar pouco mais de um salário mínimo. Seja no nível municipal, no ensino fundamental, em início de carreira, não importa, em qualquer situação é inaceitável. Isso envergonha a todos nós, assim como qualquer governo. Que jovem talentoso vai se interessar em fazer um curso de licenciatura, um concurso público municipal para ganhar R$ 900 por mês? No Estado, R$ 1.200? Por 16 horas semanais, vamos lá, que sejam duas matrículas, vai ganhar R$ 2.400 por mês... Tira o imposto de renda e a previdência, ele vai levar pra casa R$ 1.900. E vai terminar a carreira com R$ 2.400, R$ 3.000, mais ou menos. Ora, quem pode aceitar uma coisa dessas? 


A saída veio através do pré-sal, lei votada e aprovada há um ano, é isso mesmo?  

Isso, dos royalties do pré-sal. Essa lei determinou que 75% seja repasssada para a Educação, e 25% para a Saúde. E com a aprovação dos 10% do Plano Nacional da Educação (PNE do PIB) começamos a criar as linhas de financiamento. Na minha visão, tem que ter uma política nacional para a formação do professor e sua carreira. Eu entendo que independentemente do local em que ele esteja atuando, a carreira dele tem que ser a mesma de qualquer outro docente, do Oiapoque ao Chuí. Para oferecer uma educação de qualidade em um país com esta dimensão continental, com mais de 5.550 municípios, o profissional tem que ter formação e carreira iguais, em todo o Brasil. 


Bem, como o senhor imagina tornar realidade esta visão?   

Eu advogo uma política única, com recursos federais para formação e carreira. Se conseguirmos uma política única, nacional, para esta questão, certamente daremos o salto esperado. A escola não é esse investimento que muitas prefeituras fazem, com parafernália de tecnologia, compra de computadores... tudo bem, a tecnologia está presente, é importante, mas de nada adianta se a infraestrutura física, o prédio, o básico das instalações não forem dignas. Muitas escolas não têm nada disso. 


Como fica o estado de espírito de um professor trabalhando nessas condições? 

Completamente desmotivado. Ao passo que, revertendo esse quadro, com uma escola equipada, professor preparado e devidamente remunerado, com plano de carreira definido, conseguiremos desempenhar um belo projeto de educação. Caso contrário, ficaremos buscando paliativos que, no fundo, em pouco contribuem. 


E quanto à população, não tem que se envolver mais, tomar conhecimento do que está sendo feito ou não para resolver não só o problema do professor, mas da educação como um todo?

Digo sempre que a educação tem que entrar na agenda da população, para ser debatida a fundo. A sociedade civil não pode se acomodar, esperando que professores e uns poucos interessados a represente. A qualidade de mão de obra, para qualquer setor, está diretamente ligada à educação. Não só profissional, mas essencialmente à educação básica de qualidade. As competências e habilidades, que são pré-requisitos hoje para qualquer profissão no novo mundo do trabalho, estão diretamente ligadas à escola. 


O (a) jovem profissional que mal termina sua formação, com todos os estudos concluídos, está pronto para entrar numa sala de aula?

É o seguinte. Terminar os estudos não significa, necessariamente, estar pronto. Eu advogo a residência para o professor, como faz o médico quando se forma. Acho que é fundamental a residência docente. Porque o que acontece hoje é que o estado e o município abrem concurso, o docente passa, cumpre todo aquele processo admissional e no dia seguinte entra em sala de aula, com a devida titularidade. Que experiência ele tem, qual a metodologia dele, qual bagagem ou domínio de conteúdo ele traz? Às vezes, nenhuma. Portanto, eu sou favorável a que esse candidato ao magistério cumpra, no mínimo, seis meses de residência docente. 


E quanto ao desrespeito à profissão? Nem estou me referindo aos governantes e suas propostas salariais infames, mas o dos alunos e muitas vezes, até dos pais ou responsáveis. Tem como recuperar o respeito que a sociedade tinha pela figura do professor?

Essa é outra questão da minha agenda. Porque, além do status econômico e salarial, temos que recuperar o status social do professor. Recolocar este trabalhador no patamar do qual ele jamais deveria ter sido "expulso”, e para onde merece voltar. Num determinado momento, a família brasileira, a sociedade como um todo passou a olhar a atividade do professor como sendo de segunda linha. Isso é trágico para o Brasil, é trágico para todos nós. Não há reconhecimento pelo trabalho de extrema importância — o de ensinar e formar cidadãos —, deste profissional.


Para encerrar, resuma o seu estado de espírito em relação à Educação.

Como sou otimista, vou dizer, adaptando para a minha área de atuação, o que um candidato a presidente dizia em sua campanha, só que em relação ao Brasil. ‘Não podemos, não vamos desistir da Educação”. Assim sendo, a sociedade tem que acompanhar e cobrar, dos eleitos e dos que estão exercendo seus mandatos, o que prometem. 

 

    

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