Entrevista com Marcelo Barucke - O direito de todos

quinta-feira, 02 de setembro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Acompanhar o defensor público Marcelo Barucke, 41 anos, do escritório da Defensoria Pública até o fórum, em Nova Friburgo, é ter a oportunidade de observar um lado da vida social da cidade que se costuma deixar de lado. Mal ele estaciona seu carro, algumas pessoas o cercam fazendo-lhe perguntas a respeito de processos, muitos dos quais relativos a jovens que se encontram presos. Pacientemente, ele dá explicações a quem o procura, mães e parentes de detentos.

Dificilmente, na rotina diária, o cidadão comum se encontra com mulheres, que falam de filhos que cumprem alguma pena, ou aguardam julgamento. Coisas assim ficam muitas vezes guardadas em um canto da mente, como se não existissem, embora isto seja algo cada vez mais comum. No caso da Defensoria, os personagens das histórias são pessoas de baixa renda, que não podem pagar os honorários de advogados.

Natural de Volta Redonda (RJ), Barucke, que tem Crime e Castigo, de Dostoievski, como livro de cabeceira, graduou-se pela Faculdade de Direito Cândido Mendes, campus Centro - Rio de Janeiro. Logo em seguida, resolveu trabalhar como professor universitário, além de dar aulas em cursos e estudar para concurso público. Trabalhou também como advogado civilista, em escritório de advocacia no centro do Rio.

Após aprovação no concurso para defensor público, tomou posse em dezembro de 1994, trabalhou em várias cidades do estado do Rio. Quando estava atuando no Júri de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, em final de 1996, resolveu mudar-se para Nova Friburgo, onde tem laços familiares, uma vez que sua mãe é friburguense, o que lhe permitiu conhecer a cidade e desenvolver uma expectativa em relação a ela, onde pretendia “viver uma vida mais agradável”. Tornou-se cidadão friburguense, por ter recebido título concedido pela Câmara Municipal. Atualmente, é professor de Direito Penal na Universidade Estácio de Sá.

Abaixo, algumas questões apresentadas por A VOZ DA SERRA ao defensor Marcelo Barucke.

A VOZ DA SERRA – A aplicação de uma pena inibe uma tendência existente no interior do indivíduo de praticar atos considerados como crimes?

Marcelo Barucke – Acredito que em vários casos a existência de uma determinada norma incriminadora estimula uma pessoa a cometer infração penal, por simples desejo de rebeldia e de violação das regras, pois o crime é um fenômeno social, derivado de vários fatores. Os jovens, principalmente, muitas vezes cometem crimes como forma de serem admirados pelos seus semelhantes. Em várias ocasiões, relacionadas a processos por crimes muito graves de nossa cidade, percebi no réu uma intenção de admitir a prática do crime como forma de atingir o topo da ‘pirâmide criminal’, pois, em alguns grupos, quanto mais grave o crime cometido, mais prestígio o infrator alcança. Percebi também casos em que o réu após cometer o crime deu demonstrações de que adoraria ser descoberto, como se fizesse questão de ser punido, o que é estranho, porque todos sempre acham que o criminoso faz de tudo para não ser descoberto e ficar impune. Nem sempre isso ocorre.

AVS – Um indivíduo pode melhorar ao cumprir uma pena de restrição de liberdade?

Barucke – Há um índice de criminalidade bem grande também relacionado aos nossos problemas sociais e econômicos, pois a falta de perspectiva na vida, o meio social em que vive e a ausência de uma estrutura familiar normal contribuem como fatores que estimulam a criminalidade. Acredito que a transferência de bons valores, seja por colégio, igreja ou família, para as crianças, tem um grande potencial inibidor da criminalidade, porque na verdade o que impede alguém de cometer um delito na maioria das vezes não é o medo de punição, mas sim os princípios fundamentais que estão inseridos no caráter. O problema é que em uma sociedade de milhões de habitantes fica cada vez mais difícil isso ocorrer, até porque, cada vez mais, os inúmeros grupos sociais possuem princípios, valores e modos de viver muito diferentes.

AVS – Pode-se considerar que a restrição da liberdade de alguém visa a impedir que essa pessoa pratique atos lesivos à sociedade. Há um senso comum, favorável à pena de morte, segundo o qual a sociedade não deveria gastar recursos com a manutenção de pessoas que estariam completamente incapacitadas de participar da vida social. Logo, essas pessoas deveriam ser eliminadas. Que resposta se pode dar a esse tipo de pensamento?

Barucke – Não acredito na pena de morte prevista em lei como fator de controle da criminalidade, pois esta realidade já existe de maneira informal e ilegal, através das execuções clandestinas e, mesmo assim, a criminalidade não se reduz. Basta imaginar que um garoto quando entra para a vida do tráfico tem plena consciência da grande chance de morrer, porque, no tráfico especificamente, a garotada morre muito cedo, não tem aposentadoria nesta vida, e mesmo assim não se intimidam.

A pena de morte, a meu ver, também acabaria matando muita gente inocente, em razão da grande deficiência que existe em nossa Justiça Criminal, os recursos de investigação que temos para os casos comuns, sem projeção na mídia, são muito precários, o que aumenta muito a possibilidade de falha. E pena de morte não tem volta.

AVS – O senhor considera que a maioridade penal deva ser mesmo aos 18 anos?

Barucke – Não acredito na redução da maioridade penal como solução para nada. O que eu acredito é que se o governo conseguir um dia cumprir com eficiência as regras do Estatuto da Criança e Adolescente, que é uma boa legislação, será reduzida a delinquência juvenil.

AVS – Como o senhor, que já trabalhou como defensor público criminal em diversas cidades do estado, vê Nova Friburgo sob esse aspecto? A criminalidade aqui é um problema mais ou menos grave que em outras cidades? E quanto aos jovens, a criminalidade entre os eles é mais ou menos grave, aqui nesta cidade?

Barucke – Acredito que em Friburgo a situação ainda está razoável, em comparação com cidades do mesmo porte, mas realmente houve um crescimento da criminalidade nos últimos anos, onde o tráfico de drogas se apresenta sempre presente. A maior parte da violência urbana está relacionada ao tráfico de drogas. Toda semana temos prisões por tráfico de drogas. Nos últimos anos percebi um aumento do crime de roubo com emprego de arma de fogo. Esses crimes geralmente são praticados por jovens, o que é muito triste, porque muitos morrem antes de completar 20 anos.

A Defensoria Pública no Brasil

O art. 5° da Constituição da República, inciso LXXIV, afirma que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”.

Mais adiante, no artigo 134, a Constituição diz ainda o seguinte: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV”. Prevê ainda o mesmo artigo, em seu parágrafo 1°, a Lei Complementar, que foi sancionada pelo presidente da República em 12 de janeiro de 1994 (LC 80), que “Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências”.

A Defensoria Pública no Brasil nasceu em 5 de maio de 1897, quando um decreto instituiu a Assistência Judiciária no Distrito Federal, então cidade do Rio de Janeiro. Uma curiosa contradição na história do Brasil é que, exatamente nessa época em que se afirmava o princípio da igualdade no ordenamento jurídico nacional, o Estado brasileiro estava empenhado em uma luta de morte contra parte da população do próprio país, a Guerra de Canudos, que terminaria em outubro daquele ano com a eliminação física de todas as pessoas que ainda se encontravam no Arraial do Belo Monte, criado pelo beato Antônio Conselheiro, no sertão da Bahia.

A Constituição de 1988 garantiu o “direito de ter direitos”, uma vez que apenas a afirmação do princípio da igualdade de direitos pouco significaria. Assim, a Defensoria Pública é uma instituição fundamental para a democracia, a igualdade e a construção de uma sociedade justa. (MS)

Personagem fácil de ser encontrado no ambiente da Defensoria Pública de Nova Friburgo, principalmente porque usa para trabalhar uma camiseta especial, em que consta escrito Pare de condenar! Você é o quê?, Maeli Cardoso de Oliveira, 45 anos, à esquerda, cumpre muito mais do que sua função, é um observador do drama vivido pelas pessoas que procuram a instituição, dando sempre a elas alguma orientação sobre o atendimento e, às vezes, até mais, torna-se uma espécie de companheiro com quem se pode conversar e falar da angústia vivida naquela situação.

“Aquelas simples portinhas ali têm coisas fantásticas”, diz ele, referindo-se às entradas dos escritórios onde as pessoas são atendidas. E conclui: “Vou para casa e fico meditando”. De uma dessas reflexões sai uma exclamação: “Como o povo precisa de um socorro!”. E é o que ele procura fazer, ajudar a dar esse socorro. Diz ainda: “A Defensoria é um órgão que aprendi a admirar.”

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