Entrevista com Lenine: “Vai ser incrível voltar a Friburgo”

Com palavras afiadas, músico abre os braços e o Festival Sesc de Inverno no próximo fim de semana
sexta-feira, 05 de agosto de 2016
por Alessandro Lo-Bianco
(Foto: Alessandro Lo Bianco)
(Foto: Alessandro Lo Bianco)
Com mais de 30 anos de carreira e dez discos lançados, o “recifense-carioca” Lenine, ou o “brasileiro do mundo” — como se autodefine o cantor — avisa que chega em Nova Friburgo no próximo fim de semana desconsiderando qualquer tipo de rótulos ou classificações.  Animado para abrir a 15ª edição do Festival de Inverno do Sesc no próximo dia 12, o músico contou para A VOZ DA SERRA como pretende levar ao palco "Carbono", seu álbum mais recente. 

Quanto mais frio estiver quando eu chegar, maior será o calor do meu abraço para os meus amigos friburguenses”
O trabalho é considerado um dos projetos mais maduros do cantor. O nome não surgiu aleatoriamente: “Embora pretexto, embora elemento, embora título, faz jus ao início da minha juventude, quando eu era ainda um estudante de Engenharia Química”, explica. De lá pra cá, depois de três décadas de carreira, Carbono traz toda musicalidade do cantor numa só apresentação. 

“Carbono é liga para tudo quanto é coisa; suas conexões com outros átomos podem gerar uma infinidade de resultados; do grafite ao diamante, e agora canção”, diz. 

Lenine aposta que os friburguenses entenderão bem “essa liga para tudo quanto é coisa”. Animado, adianta que o público será servido musicalmente da viola ao afro jazz, da valsa ao “frevo’n roll”.  E o nome das canções estampam essa diversidade e caíram mais uma vez no gosto das rádios. 

Músicas como “A causa e o pó”, “Cupim de ferro”, “O impossível vem pra ficar”, “Grafite Diamante” e “O universo na cabeça de um alfinete” também trazem uma ponte entre o cantor e as cidades do Rio, São Paulo, Salvador e até Amsterdã, na Holanda, ao mesmo tempo em que revela suas raízes com o maracatu e os tambores de Recife e Olinda. 

Uma das músicas se chama “Undo”, uma canção feita por toda a banda e que expressa exatamente o que Lenine deseja atingir na serra: “Música pra todo mundo, para todos os tipos de pessoas. Vai ser incrível voltar a Friburgo, esse lugar lindo e charmoso, e expressar tudo o que tenho sobre essas experiências condensadas neste trabalho. Levarei tudo isso pro palco comigo”, conta. 

Sobre a cidade, o músico confessa que andou dando umas fuxicadas: “Escutei que estava bem frio na cidade e espero encontrar esse frio mesmo. Quanto mais frio estiver quando eu chegar, maior será o calor do meu abraço para os meus amigos friburguenses”, diz ele, que também se proclama um “litorâneo da serra”. 

Lenine (assim chamado por conta de uma homenagem do pai socialista ao líder soviético) além de demonstrar enorme entusiamo para subir a serra, foi mais fundo nesta entrevista para demonstrar que seu interesse pela música nasceu ainda criança, quando seu objeto de desejo era o violão da irmã mais velha. 

“Tocava clandestinamente, quando conseguia roubar a chave do armário onde ele ficava guardado”, lembra. A cara é de reflexão quando pensa nessa época e lembra que é dono hoje de cinco Grammy´s Latinos e centenas de prêmios que chegam dos quatro cantos do mundo. 

Entre as missas com a mãe católica e as audições de discos com o pai, conta que aos oito anos adquiriu o direito de optar sobre a programação dos domingos, quando escolheu a música, que ia do folclore russo e Tchaikovsky a Dorival Caymmi e Jackson do Pandeiro. 

Aos 17 anos, fã do rock’n roll – de Zeppelin a Zapa passando pelo The Police – e já impactado pela sonoridade do Clube da Esquina, ingressou na faculdade de Engenharia Química. Na época, começa a arranhar suas primeiras composições. Aos 20 anos tranca o curso e vai morar no Rio, dividindo a casa e o sonho de viver de música com outros amigos e compositores. O grupo passa a viver em Botafogo, na chamada Casa 9, famosa por ter sido moradia de Luis Carlos Lacerda (Bigode), Jards Macalé e Sônia Braga. Depois, Lenine finalmente radicou-se na Urca, onde reside até hoje.

Entre o primeiro e segundo disco foram-se dez anos. O cantor lembra que o Rio lhe recebeu com rodas de samba e, na contrapartida, diz ter retribuído compondo sambas para blocos como o Simpatia é quase amor e o Suvaco de Cristo. Tão logo estava no ano de 1989 com Elba Ramalho gravando sua música “A Roda do Tempo”. “Comecei a ser requisitado nessa época para compor trilhas sonoras de novelas e seriados”, conta. 

Mas, de acordo com Lenine, foi em 1993 que alcançou um voo maior. “Fizemos Olho de Peixe (Velas), que nos projetou para o  mundo, com turnês pelos Estados Unidos, Europa e Ásia, e em especial no Japão. E aí, literalmente, iniciamos uma viagem sem volta no mundo da música”, conta. 

A viagem foi longa: em 1997 lançou “O Dia em que Faremos Contato”, em Londres, conquistando dois prêmios Sharp. Em 1999, “Na Pressão” conquistava o prêmio APCA figurando na lista de melhores discos em vários países e com milhares de cópias vendidas somente na França.  “Gosto muito da França, o país me acolheu. Passei a realizar turnês anuais no país”, explica ele.  Em 2002 apresentou ao público “Falange Canibal” e recebeu o Grammy Latino, na categoria. 

Um dos momentos mais marcantes desta época chega num convite de Paris, do qual, até então, apenas um brasileiro – Caetano Veloso – havia participado: uma proposta “carta branca” para produzir o espetáculo que desejasse. A apresentação deu origem ao Lenine Incité, que ganhou outros dois Grammy´s Latinos. 

O álbum recebeu também quatro prêmios da música brasileira. Por tudo isso, Paris caiu aos pés do brasileiro e ele se tornou uma das principais atrações musicais do “Ano do Brasil na França”, onde se apresentou no Teatro Zenith, ao lado da Orquestra Nacional de Île de France e um coro de 1.400 jovens franceses do ensino público, interpretando sua obra.

Em 2006, lança “Lenine Acústico MTV”  e mais um Grammy. Neste ano é editada nos Estados Unidos a coletânea Lenine (Degrees Records). Em 2008 lança o CD “Labiata” em 20 países e, novamente, é supreendido com outro Grammy Latino. No ano seguinte lança o projeto “Lenine.doc – Trilhas”, reunindo canções compostas para novelas, seriados, filmes, comerciais, espetáculos de teatro e dança. 

Em 2011 gravou “Chão” e atingiu o auge do estrelato após ser considerado pela crítica como o canto de um pássaro, o ruído de uma chaleira e barulho das cigarras no verão da Urca. Em 2013 celebrou 30 anos de carreira. 

“Em 2014 passei por transformações e me lancei pelo Brasil numa ‘Turnê Socioambiental’, compartilhando minha música nas sedes de projetos sociais de referência em todas as regiões do país, entre os extremos do Acre ao Rio Grande do Sul”, relembra com carinho.

E se o passado é lembrado com felicidade e orgulho, “o presente é uma benção e o futuro um entusiasmo”, diz ele ao encerrar a entrevista ressaltando que chega na cidade daqui a uma semana. Como nos versos com o filho João, Lenine termina dizendo como chegará em Friburgo, que, de certa maneira, não poderia expressar melhor as mensagens que deseja passar aos fãs friburguenses: “solene, terreno, imenso, perene, pequeno, humano”.

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TAGS: Lenine | Festival Sesc de Inverno | Música
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