Entrevista - A riqueza cultural como antídoto para os males dos tempos modernos

Psicanalista Maria Inez Espírito Santo se inspirou em contos indígenas para escrever o livro Vasos Sagrados, que será lançado em Nova Friburgo neste sábado
sexta-feira, 28 de maio de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Maria Inez do Espírito Santo fala basicamente das relações humanas, especialmente da relação homem/mulher, usando a mitologia indígena como fonte de reflexão. No livro Vasos Sagrados – mitos indígenas e o encontro com o feminino, editado pela Rocco, que será lançado neste sábado, 29, às 16h30, na Livraria Arabesco, ela aborda essas histórias, fazendo uma análise detalhada de seus conteúdos, estabelecendo paralelos com mitologias e saberes de diferentes culturas. Maria Inez afirma que os mitos são os vasos sagrados da cultura e traz a proposta de que seja a riqueza cultural o antídoto para os males de nosso tempo.

LIGHT - Por que Vasos Sagrados?

MARIA INEZ - O livro recebeu este nome porque no texto afirmo que “mitos são vasos sagrados da cultura”. Esta é uma declaração enfática, que pretende ressaltar a importância fundamental do conteúdo mitológico como fonte de compreensão da vida.

LIGHT - Como surgiu o projeto do livro, como foi a sua pesquisa?

MARIA INEZ - Desde 1998 eu vinha estudando sobre as culturas brasileiras e, em especial, sobre a mitologia de nossos ancestrais indígenas, com o professor Fernando Lébeis, porque já intuíra que este era um caminho muito interessante a oferecer aos meus pacientes. Em 2000, já utilizando os mitos indígenas brasileiros como instrumento de meu trabalho como psicoterapeuta, participei de um congresso internacional de psicanálise em Nova York, apresentando um caso clínico, e senti muita receptividade e grande interesse dos colegas europeus pelo tema. Passei, então, a pesquisar mais e mais e a fazer analogias entre os nossos mitos e mitos de outras culturas, muitas vezes recorrendo a reflexões filosóficas, a registros históricos, tudo com a intenção de ampliar o continente oferecido pelas histórias e, mais que tudo, de mostrar que nossa mitologia não fica a dever, em nada, às outras mitologias universais, reconhecidas e usadas por diversos campos do saber oficial. Pelo contrário, acredito que por estar entranhada no espaço onde vivemos, usando referências ligadas ao nosso ambiente, nossos mitos falam mais diretamente à nossa alma, ao nosso psiquismo.

LIGHT - Em que você se inspirou para escrever esse livro?

MARIA INEZ - Minha inspiradora foi Clarissa Pínkola Estés, uma analista junguiana, que trabalha com contos de fadas, lendas e mitos universais em seu maravilhoso trabalho sobre o self profundo, que ela chama de feminino selvagem. Coordeno grupos de leitura e reflexão e oficinas sobre seu livro Mulheres que correm com os lobos (best-seller internacional). Conhecendo a riqueza das culturas brasileiras, pensei em iniciar um trabalho de reflexão sobre as relações humanas a partir dos nossos mitos indígenas, ainda tão desconhecidos até mesmo em nosso país.

LIGHT - O que você pretende com o livro e por quem, e onde, ele pode ser utilizado terapeuticamente?

MARIA INEZ - Não chega a ser uma intenção que meu livro seja usado terapeuticamente. Os casos clínicos em que trabalhei com os mitos, narrados no corpo do texto, são apenas uma forma de exemplificar a potência que eles têm como dinamizadores da energia inconsciente. Pretendo, isto sim, contribuir para o reconhecimento cada vez maior do valor das culturas brasileiras, em especial da cultura indígena, nascedouro de todo o sentimento de brasilidade, tão necessário para desenvolvermos nosso autoconhecimento e nossa autoestima. Meu livro é apenas um compartilhar do tesouro que descobri e que pode ser útil a cada um de forma diferente.

LIGHT - A partir de sua experiência como terapeuta, como você pode avaliar os resultados de histórias no processo de autoconhecimento e nas práticas de terapia?

MARIA INEZ - Histórias têm efeito transformador, mesmo quando não são usadas para determinado fim terapêutico. Tanto como educadora quanto como psicoterapeuta pude ir constatando, durante meu percurso, a importância desse manancial de valores, dinamizador de energia, que são os mitos – histórias dos antigos – como são chamados pelos nossos índios. Como nosso psiquismo é pura energia, provocar que novas associações possam se fazer naturalmente, através dos afetos e emoções que os conteúdos das histórias provocam, é possibilitar que se desfaçam os ‘nós’ que impedem o fluir dessa energia, necessária à saúde psíquica e física do indivíduo e do grupo social, por extensão.

LIGHT - O que o livro trouxe de mudanças na sua vida? Você teve alguma experiência pessoal com alguma história do livro?

MARIA INEZ - O primeiro mito que ouvi, há 36 anos, Ceiuci, a velha gulosa, mudou a minha vida. Compreendi instantaneamente a importância de o ser humano dar um sentido maior à existência, não vivendo apenas reativamente. Eu tinha 26 anos e estava criando a Escola Viva, em Petrópolis. Eram os idos de 70, tempo de ditadura militar e levei para meu trabalho um comprometimento maior e muito mais abrangente de dar às crianças a oportunidade de conviverem diariamente com as diferenças, quer interna, quer externamente. Mas cada um dos mitos que tive a oportunidade de conhecer mais profundamente me traz contribuições infindas cada vez que os retomo. Atualmente estou na fase de colheita e tenho recebido em meu site (www.mariainezdo espiritosanto.com) depoimentos maravilhosos sobre a interligação dos mitos contados por mim em Vasos Sagrados, e novas percepções que eles vêm provocando nos leitores. Tem sido uma experiência muito boa a continuidade espontânea das histórias do livro.

LIGHT - Como você aconselha os leitores a aproveitarem o máximo do conteúdo de Vasos Sagrados?

MARIA INEZ - Embora Vasos Sagrados seja um livro de fácil leitura, já que usei intencionalmente a linguagem coloquial para envolver o leitor na narrativa e nas reflexões, ele é um livro denso, porque provoca associações que, às vezes, podem parecer inquietantes. Nesse caso, aconselho a continuar a leitura, para alcançar o alívio interior que cada novo sentido encontrado pode trazer. Logo no início do texto explico que se pode também ler apenas as histórias (e por isso elas vêm grafadas de forma especial, para facilitar sua localização). Mas meu desejo é que os leitores não só se sintam encorajados a acompanhar minhas reflexões, como as ampliem, a partir de sua própria experiência com os mitos ali relatados, contribuindo, assim, para que a preciosa herança de nossos ancestrais possa ser propulsora de muitas novas e fortes brotações, num tempo de valores tão desgastados quanto o nosso.

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