Empresários, banqueiros friburguenses poderiam se unir no microcrédito para estender dignidade econômica aos pobres e lucrar

sexta-feira, 09 de janeiro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Peter Howard Wertheim

Jornalista Internacional

Em novembro do ano passado, o Valor Econômico reportou que é visível a evolução recente do microcrédito no Brasil. E já é possível falar até da existência concreta de um mercado de crédito para populações vivendo em situação de pobreza, geralmente excluídas do sistema financeiro tradicional. O atual desenrolar dos fatos de dimensão mundial dá pouco espaço para falar de imunidade de países e, mais ainda, de setores específicos da economia à crise financeira atual, sistêmica e de dimensões mundiais. Marolas em meio à tempestade são bazófias e é preciso lembrar que eventos adversos tendem a afetar de maneira mais forte parcelas menos favorecidas da população. Assim sendo, é relevante avaliar os potenciais efeitos da crise financeira atual sobre o microcrédito no Brasil.

Tal como é conhecido hoje, o microcrédito surge a partir dos anos 70, com a introdução de um conjunto importante de inovações, como empréstimos em grupo, presença de um agente de crédito, foco no crédito para mulheres, frequência semanal de pagamentos e aumento progressivo do crédito. Estas inovações ganharam notoriedade com o sucesso do Grameen Bank, em Bangladesh, cujo fundador, Mohammad Yunus, ganhou o Prêmio Nobel da Paz, em 2006.

Interessante: Nobel da Paz e não de Economia. A dignidade econômica gera paz. Recentemente li que muitos casais de classe média alta americanos não estão se divorciando por motivos financeiros. Têm que se aturar não pelo amor, mas por laços econômicos.

Yunus, economista que idealizou o microcrédito, se reuniu com grandes empresários do país, na Editora Abril, e mostrou, na prática, que a pobreza pode ser combatida por meio de empréstimos e iniciativas de empresas que visem menos o lucro e mais o social. O evento teve o apoio do Planeta Sustentável.

Após a palestra, Sérgio Armando, presidente da Ogilvy & Mather Brasil (http://www.ogilvy.com.br), disse que Yunus mostra, na prática, que é possível ter lucro e ser socialmente responsável ao mesmo tempo. Para isso, basta que o empresariado destine parte do que ganha para aqueles que estão abaixo da linha da pobreza por meio de programas que incentivem o desenvolvimento do ser humano.

Ao contrário das instituições financeiras comuns, o banco é que vai até a casa de seus clientes e dialoga com eles sobre suas necessidades. Às pessoas não é exigida nenhuma garantia, não é necessário contar com a presença de advogados ou atrasar o procedimento por conta de burocracias.

NOVA FRIBURGO

Na nossa cidade já temos a experiência exitosa de algo parecido para muitas costureiras que, em vez de voltar para o tanque quando despedidas, tiveram oportunidade de comprar suas máquinas, ir à luta e várias já estão exportando e movimentando a economia friburguense. Por que não expandir o conceito do microcrédito a milhares em Nova Friburgo que jamais teriam acesso a um banco comercial com os juros nas alturas?

O jornal O Valor aponta que um estudo recente examinou o desempenho de uma amostra de 671 instituições de microfinanças (IMF’s) no período de crise 1998-2004. Para efeitos de comparação, os autores escolheram uma amostra de bancos comerciais tradicionais de países emergentes.

1) Os clientes mais pobres tendem a ter mais fidelidade às suas instituições por terem menos oportunidade de acesso a serviços financeiros do que clientes tradicionais;

2) Os empréstimos têm prazos médios mais curtos e as parcelas vencem muitas vezes semanal ou quinzenalmente;

3) A metodologia de empréstimo diferenciada, baseada em empréstimos em grupo e na presença de um agente de crédito, tende a produzir menor inadimplência;

4) Os níveis de alavancagem operacional e financeira das IMF’s tendem a ser menores do que aqueles dos bancos comerciais. No estudo, a relação dívida/patrimônio líquido dos bancos comerciais é cerca de três vezes maior do que das IMF’s;

5) Grande parte dos bancos comerciais é listada em bolsa, ao passo que as IMF’s têm, via de regra, capital fechado e investidores majoritários, inclusive investidores públicos. Portanto, as IMF’s são menos integradas ao mercado financeiro tradicional e, consequentemente, menos sensíveis aos movimentos exagerados dos investidores (over reaction).

No Brasil, não há um retrato consolidado de todo o setor. Contudo, há indícios de que as principais IMF’s que atuam no microcrédito produtivo tendem a apresentar características semelhantes àquelas aqui descritas.

Por exemplo, os dados atuais do principal programa de microcrédito produtivo do país (Crediamigo) mostram um valor médio de empréstimo de R$ 902, o que corresponde a 9% do PIB per capita. Além disso, 64% dos tomadores são mulheres. Estes dois dados são indicativos de foco nos pobres. Há ainda o predomínio de empréstimos em grupo e a presença do agente de crédito, o que geralmente propicia baixas taxas de inadimplência.

Em grande medida, a expansão do microcrédito produtivo no Brasil tem ocorrido devido justamente às inovações em tecnologia de crédito para os mais pobres. Estas mesmas inovações, conforme evidenciado pelo estudo aqui citado, constituem fator mitigador de risco sistêmico, conclui o jornal.

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