Maurício Siaines
Laura Mury, ex-professora de música de Nova Friburgo, tornou-se meio acidentalmente uma militante pelos direitos da mulher, desde 2001. Através do Movimento Bandeirante, trabalhava com jovens. Realizou também alguns trabalhos com a ONG Ser Mulher e, a partir daí, começou a trabalhar com os projetos sociais do Ser Mulher, envolvendo-se, então, com as questões do chamado ‘sexo frágil’. Foi convidada a coordenar um projeto que lidava com solidariedade e cidadania para as mulheres, o qual tinha o Disque Mulher. A partir daí, diz ela: “apaixonei-me pelo projeto”.
Depois disso, a partir de 2007, começou a trabalhar o projeto Tecle Mulher, que realiza atendimento a mulheres através da internet.
Laura informa que, no período entre outubro de 2007 e junho de 2010, o Tecle Mulher foi visitado por 25 mil internautas. Foram contabilizados, pelo e-mail contato@teclemulher.com.br, até o mês de junho de 2010, 771 atendimentos, sendo que somente no mês de julho o Tecle Mulher recebeu 57 solicitações de ajuda vindas de diversos estados brasileiros e de cinco outros países.
Diz ainda que “os estados que mais procuram ajuda são Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. O perfil das mulheres usuárias do serviço é de: mulheres solteiras, mas que mantêm uma união estável, seguidas das casadas; informam serem brancas; possuem curso de graduação, pós-graduação e mestrado; são maiores de 21 anos e menores de 45 anos. A maioria é vítima de violência física e doméstica praticada pelo namorado, companheiro e/ou marido, e informa que permanece na situação de violência por medo. Em apenas 10% dos casos existe a informação de drogas lícitas ou ilícitas. O serviço mais indicado para as mulheres que procuram o Tecle Mulher são os Centros de Referência da Mulher”.
Quanto à sua própria experiência pessoal na militância que hoje realiza, ela diz que “é interessante como a vida nos propicia a ação de mudança dentro da própria sociedade”.
A VOZ DA SERRA - Como você caracterizaria a violência contra a mulher em Nova Friburgo?
Laura Mury - Nós sabemos que a maioria dos atendimentos da delegacia [de polícia] são relativos a questões de violência de gênero e doméstica. Sempre foram, não só agora. O Centro de Referência da Mulher (Crem) faz cerca de 30 atendimentos novos por mês, além dos que já vinha fazendo. Na verdade, este é um índice altíssimo. E a gente sabe, a partir de estudos já realizados, que apenas 30% das mulheres vítimas de violência fazem denúncias. A maioria das mulheres só faz denúncias após a agressão física. Enquanto for violência psicológica, a mulher às vezes nem acha que é violência. Nós achamos que nas cidades do interior a violência contra a mulher seja maior, porque nas grandes capitais há mais meios para a busca de ajuda. A violência fica muito velada. Se hoje nós temos 30 atendimentos por mês no Crem, imagine quantas denúncias seriam feitas se houvesse a Delegacia da Mulher e toda a rede de atendimento funcionando adequadamente!
AVS - E será que vai sair agora a Delegacia da Mulher?
Laura - Agora parece que sim. A gente fica assim meio em dúvida porque este é um ano eleitoral e por isso essas notícias correm: “vai sair”, “vai começar a construção”. E a gente fica esperando. Não se pode perder a esperança. Então, ficamos aguardando que o Estado cumpra o seu dever. Eu fiz um estudo, a partir de todas essas mortes que estão acontecendo agora. Em Nova Friburgo, de acordo com os registros do jornal A VOZ DA SERRA, foram assassinadas sete mulheres, somente no ano de 2009. É um índice altíssimo! Isto nos leva a pensar nas responsabilidades. Quem é responsável? Os movimentos de mulheres, desde o encontro de Beijing, na China, em 1995 – e em Friburgo também – vêm fazendo sua parte. Só conseguimos o Centro de Referência, estamos esperando a delegacia, a casa-abrigo e a casa de custódia feminina.
AVS - Você encontrou resistência quando começou a realizar esse tipo de trabalho?
Laura - Muita. Porque era uma coisa quase proibida. Comecei a criar uma rede de serviços para onde encaminhar as mulheres atendidas pelo Disque Mulher. Quando cheguei uma vez à delegacia [de polícia], por exemplo, o delegado negou que houvesse atendimento de violência doméstica ou contra a mulher na delegacia. No próprio Hospital Raul Sertã, negaram que houvesse algum atendimento relacionado com violência doméstica.
AVS - A sociedade então se esforçava para esconder essas coisas?
Laura - Era tudo empurrado para debaixo do tapete. Até que nós pudéssemos ter dados para mostrar que realmente essa violência acontecia no município e que ela não era pouca.
Alerta estatístico
Segundo a ONG Tecle Mulher, sete mulheres foram assassinadas em Nova Friburgo, em 2009, dados colhidos de reportagens do jornal A VOZ DA SERRA. No Brasil inteiro, o total é de dez mulheres assassinadas por dia, o que significa, 3,65 mil por ano. Se o país tem em torno de 190 milhões de habitantes e a cidade de Nova Friburgo, cerca de 190 mil, este número local é um milésimo do nacional. Assim, o número de assassinatos de mulheres em Nova Friburgo deveria ser também um milésimo do total nacional, para se manter a mesma proporção entre a incidência do crime e o número de habitantes, ou seja, o número de assassinatos de mulheres em Nova Friburgo deveria ser 3,65, isto é deveria estar entre três e quatro. Como foram sete as mulheres assassinadas na cidade em 2009, o número é o dobro da média nacional.
Os dados estatísticos sugerem uma indagação e um cuidado a ser tomado na formação das pessoas, pois é aí que reside o problema, em uma cultura que inferioriza as mulheres e condena algumas à morte. (MS)
No mesmo ano de 2001 em que Laura Mury iniciou sua militância pelos direitos da mulher, Maria Auxiliadora Siqueira, de 37 anos, conhecida como Dora, foi morta a facadas pelo ex-marido e foi objeto da seguinte manchete de A VOZ DA SERRA: “Marido traído mata a mulher em Duas Pedras”. A família de Dora recorreu ao programa Solidariedade e Cidadania, coordenado por Laura Mury, que escreveu ao jornal e conseguiu dele a retificação da informação. “Ela já estava separada do marido e trabalhava em dois turnos para sustentar as duas filhas. E ela saía à noite do Hospital Raul Sertã, onde fazia plantão. Uma vez, passou em um bar para falar com alguns parentes”, descreve Laura a situação em que Dora fora surpreendida pelo ex-marido, que a matou, considerando-se legitimado pelo ato que seria de traição.
No distante Irã, um caso tem chamado a atenção de todo o mundo: Sakineh Mohammadi Ashtiani está condenada à morte por apedrejamento; seu crime seria adultério, caracterizado por ela ter tido relações com outros homens, depois da morte do marido. Algo assim, lá no Irã, parece uma monstruosidade e, no entanto, é muito parecido com o que aconteceu com Dora. Esta não morreu por apedrejamento, mas esfaqueada. E o detalhe é que o registro policial, de onde foi tirada a notícia do jornal, informa o caso como sendo a ação de um “marido traído”. Não era verdade, mas mesmo que fosse, não legitimaria o assassinato, embora esta falsa informação – de que se tratava de um “marido traído” – pudesse atenuar a condenação do ato por parte da sociedade. (MS)
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