Texto: Bruno Pedretti e Leonardo Lima
Parece que foi ontem, mas já se passaram dois meses que aconteceu o maior desastre natural do país. Um dia que nós, friburguenses, jamais esqueceremos. Foram momentos de muito desespero, dor, tristeza, e também de esperança, superação, união, solidariedade... Locais nunca imaginados como áreas de risco desabaram, vitimando centenas de pessoas e fazendo com que o mundo voltasse os olhos para a Região Serrana. Um luto eterno pelos que se foram, e os que ficaram buscam reerguer a cabeça e reconstruir a cidade.
A reportagem de A VOZ DA SERRA visitou alguns locais do município, cujos cenários de destruição, mesmo após dois meses, seguem assombrosos para os moradores. As comunidades de Córrego Dantas, Lazareto, Duas Pedras e Tingly ainda aguardam ações do poder público para que a vida possa voltar ao mínimo de normalidade.
Córrego Dantas: risco de novos deslizamentos
Córrego Dantas retrata bem o que foi a tragédia climática em Nova Friburgo. É possível ver, mesmo após dois meses, carros destruídos, lama por todos os lados, casas soterradas e, principalmente, gente desorientada. Pessoas caminham sobre escombros e tentam resgatar o que sobrou, para continuar a vida em algum lugar. A comunidade reclama da parca ajuda que o bairro vem recebendo do governo. Conforme relatado por moradores, a limpeza vem sendo realizada por eles mesmos, num ritmo lento, até por conta da falta de maquinário para remover toda a terra que inundou o lugar.
Segundo o aposentado Joel Correia Bayer, mesmo completando dois meses da tragédia, só agora a concessionária de água conseguiu iniciar um processo de distribuição à população. “Necessitamos de condições básicas para viver, de água para cozinhar, para tomar banho. Estamos tendo que nos banhar com a água da chuva, nos córregos e poços daqui”, revela Joel. Ele reclama que, apesar de existir máquinas trabalhando no local, os residentes não conseguem ter uma proporção do que já foi feito, pois a destruição no bairro é muito grande.
A situação em que Joel Bayer se encontra é de fato precária. O aposentado está tendo que catar lixo, pois esta é a fonte de renda que encontrou para sobreviver. “No início estavam chegando muitos donativos e roupas para a nossa comunidade, mas agora não vemos mais isso. Pedimos que as autoridades olhem com mais solidariedade para o nosso bairro, estamos fazendo o que podemos, mas precisamos demais de ajuda”, apela.
Na Rua José Teixeira a lama está impossibilitando o ir e vir dos moradores. “Essa chuva, além de nos atrapalhar a circular pelo bairro, traz muito medo. Ainda tem muita coisa pra cair e precisamos de mais visitas dos funcionários da Defesa Civil, pela segurança de todos que estão aqui”, comenta Joel.
Outro morador do bairro, Sandro Shottz enviou carta à redação de A VOZ DA SERRA relatando a situação do local. “O Córrego Dantas ainda tem muitas galerias pluviais entupidas, assim como toda a rede de água e esgoto foi comprometida, e só foi recuperada em caráter provisório”, escreveu. Também uma das maiores reivindicações dos friburguenses em geral é alvo de queixas da comunidade: “Na maior parte do bairro o sistema de telefonia fixa não funciona”, atesta Sandro.
O morador afirma que a principal ação do poder público se dá através da empreiteira Queiroz Galvão, que atua na dragagem e no desassoreamento do Córrego Dantas. “Essa ação ainda é feita em caráter emergencial, e não obedece a um plano de recuperação do bairro. Os estudos mais abrangentes envolvendo áreas ou todo o território ainda não foram apresentados à população, e os laudos da interdição dados pela Defesa Civil são feitos individualmente, casa a casa”, destaca Sandro. Por conta dessas interdições pontuais, as duas escolas públicas do bairro estão fechadas. “Não há obras e não conhecemos os planos para a contenção das pedras, que estariam pondo as escolas em risco”, protesta.
A carta de Sandro também mostra que a população de Córrego Dantas vem se unindo para conseguir mais ajuda das autoridades. “Estamos nos organizando, através da associação de moradores, para levantar a grande diversidade de problemas, propor ações e cobrar medidas do serviço público. Até aqui, a gravidade da tragédia tem sido uma justificativa para a morosidade das ações, mas deveria ser também motivo para ações que já poderiam ter acontecido”, pontua.
No Lazareto, o medo das chuvas
A chuva que insiste em cair em Nova Friburgo está trazendo muita dor de cabeça aos moradores do Lazareto. O bairro sofreu bastante com a catástrofe, registrando vítimas fatais. A comunidade pede para que o calçamento seja consertado, pois muitos idosos estão com dificuldade de locomoção, já que o ônibus que circula no bairro não tem condições de transitar. O caminhão de coleta domiciliar também não pode recolher o lixo no Lazareto.
De acordo com o morador Francisco, a maior preocupação da comunidade se refere à construção de muros de contenção em morros que deslizaram. “A Defesa Civil já esteve aqui, mas estamos precisando com urgência da construção desses muros, para trazer mais segurança para nós”, comenta. Francisco conta que os próprios moradores interditaram as lixeiras, a fim de evitar bichos e baratas. “O mau cheiro já está forte, porque uma manilha se rompeu desde o dia 12 de janeiro, por isso interditamos a lixeira e estamos levando nossos lixos até a Avenida dos Ferroviários, para evitar bichos”, diz.
“É preciso consertar o calçamento e retirar a terra aqui do nosso bairro. Estamos aguardando a reunião com o Ministério Público para as autoridades tomarem as providências”, comenta a moradora Beatriz Silveira Berbert. Ela lembra que ainda existem casas no Lazareto que não caíram, mas não é possível serem habitadas pela ameaça de novos deslizamentos. “É necessário prestar ajuda ao Lazareto para que novas tragédias não aconteçam no local”, apela às autoridades.
Uma das moradoras mais antigas no Lazareto é Janeth de Paula, que lá reside há mais de 34 anos. “Está a mesma coisa de quando aconteceu, nenhuma providência efetiva foi tomada. Temos ficado com muito medo, pois está chovendo frequentemente e corremos risco de mais morros deslizarem”, protesta Janeth.
No Tingly, moradores clamam por mais atenção das autoridades
“Até hoje não nos deram nenhuma definição do que será feito no nosso bairro. Estamos desabrigados. Começaram a demolir algumas residências, mas pararam. Estou morando numa casa com 15 pessoas. Do jeito que está não pode continuar. Queremos uma definição por parte das autoridades”. Este é o protesto de Maria Arinda Rodrigues Gonçalves, moradora da Rua Asth, local onde a queda de uma encosta destruiu cerca de dez casas e colocou outras em estado de risco.
De acordo com moradores do bairro, embora tenham chegado doações de roupas e alimentos, a população está sem recursos para recomeçar suas vidas. O ônibus da linha não vai mais até o ponto final, o que vem dificultando o acesso a determinados locais, principalmente para idosos e portadores de necessidades especiais. “Somente nessa barreira da Rua Asth morreram nove pessoas, sendo quatro crianças. Para quem sobreviveu, o jeito foi ir para a casa de parentes”, afirma Elimar Lourenço. Em outros pontos do bairro, a queda de encostas também vem causando transtornos e apreensão à comunidade, como por exemplo, na Rua Rio Tocantins.
Em Duas Pedras, um lento recomeço
Ao caminhar por algumas ruas de Duas Pedras, a impressão que se tem é que a tragédia ainda está longe de completar dois meses. Muito afetado pela catástrofe, o bairro ainda sofre com o excesso de lama e barreiras, ainda não retiradas em diversos pontos. A principal via da localidade, a Rua São Pedro, teve seu acesso liberado à passagem de veículos e pedestres, mesmo em meio a muita lama e poças d’água. No local, uma casa, localizada acima de uma barreira, tem deixado os moradores apreensivos quanto a um possível desmoronamento. A Rua São Pedro, inclusive, está irreconhecível desde o dia 12 de janeiro. Várias mortes foram registradas e muitos dos sobreviventes tiveram que deixar suas residências, pois devem ser demolidas.
Localizado no ponto final do bairro, o Córrego dos Mosquitos foi totalmente assoreado pelos detritos que desceram das pedras e das casas destruídas na tragédia. O córrego funcionava como galeria de águas pluviais e de esgoto. De acordo com uma queixa feita pelo morador Michel Affonso Rosa, em reunião realizada recentemente na Defensoria Pública, representantes da construtora Queiroz Galvão se dirigiram ao local, a pedido dos moradores, e iniciaram a limpeza. Porém, a Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop) e a Secretaria de Obras impediram a continuidade do trabalho, alegando que isso só poderia ser feito após a elaboração de um projeto.
Na Rua Dr. Hélio Veiga, localizada num quarteirão abaixo do Hospital São Lucas, impressiona o amontoado de terra proveniente da catástrofe. Diversas casas foram parcial ou totalmente destruídas e os próprios moradores vêm se mobilizando para tornar o acesso possível. Na Rua João Belório diversos moradores deixaram suas casas, pois, de acordo com eles, a Defesa Civil afirmou que há risco de pedras rolarem e acontecer um novo desastre. A rua, localizada atrás do Colégio Estadual Tuffy El-Jaick, sofre com a mudança do curso de um córrego que passava nos fundos. O medo de novos deslizamentos também vem tirando o sono dos moradores da Rua Benjamin Constant.
No último dia 1º, a Defensoria Pública havia agendado atendimento à comunidade local num salão de festas do bairro. Entretanto, o encontro foi adiado para o próximo dia 18, das 10h às 17h. Para os moradores, será mais do que uma oportunidade de fazer suas reivindicações. O encontro servirá também para a população de um dos bairros mais devastados voltar a ter esperanças de viver com condições mínimas de segurança.
Prefeitura ainda precisa de doações e voluntários
A Secretaria Municipal de Comunicação afirma que a Prefeitura ainda trabalha para ampliar os programas sociais e dar moradia a quem perdeu tudo. Dos 89 abrigos oficiais cadastrados no início da catástrofe, 26 estão em funcionamento, recebendo 387 famílias. O aluguel social, benefício de até R$ 500 mensais, durante um ano, foi retirado por duas mil famílias, que aguardam nos imóveis alugados a construção das casas populares no terreno da Fazenda da Laje, em Riograndina. Aqueles que ainda residem em abrigos estão sob os cuidados das equipes da Secretaria de Assistência Social.
Segundo o titular da pasta, Carlos Antônio Maduro, o decréscimo no número de doações faz com que o déficit em produtos essenciais da cesta básica - como sal, açúcar, arroz, carne, óleo, leite, legumes, verduras e café - prejudique o planejamento da rotina de alimentação nos abrigos.
Ele explica que as doações não podem cessar e solicita a quem foi solidário com as vítimas da tragédia que continue a direcionar donativos à cidade, pois o estoque de mantimentos organizado na antiga Fábrica Ypu diminui a cada dia. “Grande parte do grupo de voluntários, que teve papel fundamental durante o período crítico da tragédia, também já retornou às atividades rotineiras. A Prefeitura precisa que mais pessoas procurem a Secretaria de Assistência Social e voltem a nos ajudar nesse trabalho gigantesco de socorro aos desabrigados”, diz Maduro.
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