Quando chega o fim de mais um ano, todo mundo quer ler frases bonitas, escrever textos profundos que toquem o coração alheio, que façam brotar lágrimas nos olhos, que expliquem, justifiquem, acariciem e confortem as nossas dores e as feridas e machucados dos mais próximos.
É chegado o tempo em que cada ser humano se melhora numa rapidez quase ficcional. Parecemos personagens de uma novela que, de um capítulo para o outro, mudam personalidade e caráter.
Arrisco afirmar que somos todos assim, movidos por esse sentimento natalino, de bondade, fraternidade e solidariedade. Até quem diz que não gosta de Natal. Mesmo os que se fazem de durões e insensíveis. E me pergunto se não seríamos mais práticos se começássemos a ser melhores em julho, por exemplo?
Para ser bom não precisamos esperar um ano inteiro, não é mesmo? E do jeito que as coisas vão, da forma como o Natal comercial dos shoppings e lojas tem se antecipado, alguns inaugurando decorações em pleno novembro, nossos corações se tocarão mais cedo também.
Não. Eu não estou fazendo apologia ao Natal comercial. Apesar de, culturalmente, não acreditar que a maioria saiba o verdadeiro significado da data. Apenas falo dos símbolos que nos remetem ao sentimento natalino que funciona como uma onda.
Pisca-pisca, árvore de Natal, guirlandas, festão, bolas, estrelas que brilham, músicas que encantam e nos remetem a natais que foram marcantes, a emoções passadas, a lembranças que tocam a alma...
O calendário é mesmo curioso. Datas, festas, celebrações, cada qual com suas crenças e ritos, servem de certa forma para pulverizar as atitudes humanas e melhorá-las. É porque somos movidos por "sentires”. Uma espécie de virose provocada pela maioria.
Cada um em seu mundo. Em seu círculo de amizades. Em seu meio social.
Assim, vivemos profundamente as "ondas” a que somos submetidos, ou nos deixamos submeter.
É clichê falar em reflexão, fazer balanço, olhar para trás, avaliar o que fomos, fizemos e conquistamos... mas vamos confessar uma coisa, junto a tudo isso vem culpa, cobrança, mágoas, ressentimentos, dores... para, enfim, falarmos em perdão. Em sermos melhores, mais tolerantes, mais parceiros, mais amigos, mais bondosos.
E seremos? Queremos ser realmente?
No íntimo somos todos do bem. Eu acredito. Mas na acirrada competição em que vivemos, onde disputamos até inconscientemente lugares, espaços e funções – também como uma "virose negativa” em que vamos perdendo foco, deixando para trás novas vontades, revisitando as falhas e os pecados cometidos lá atrás – acabamos por não mudar. Contra nossa vontade muitas vezes. Na maioria das vezes.
Tenho exercitado o desejo de não olhar para trás. Vontade enorme de zerar tudo sem muita preocupação, sem reflexões, sem memórias, sem balanços e contabilidades. Sem frases de efeito e sem promessas de ser diferente no ano que vem.
Queria zerar tudo. Começar de novo. Com o coração inteiramente aberto, sem defesas, defensivas e estratégias. Não sei se é possível. Se alguém souber me diga.
Sei que por mais que fuja, que tente ser diferente, acabo me emocionando com tudo o que vejo quando chega dezembro. E como ser humano que falha, que peca e comete seus vacilos, acabo sendo o que fui. Sem novidades, sem inovações. Porque no íntimo continuo acreditando que somos todos do bem. E quando acreditamos na bondade alheia ficamos assim mexidos, sensíveis e emocionados. Afinal, como um reflexo, é na bondade alheia que nos avaliamos e nos espelhamos para sermos melhores.
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