Tinha medo das máscaras. Elas me causavam estranheza, como se alguém muito ruim se escondesse por trás delas. Depois fui entender que tinha medo é de gente. Gente que pudesse roubar-me. Levar-me para as ruas, pra perto do barulho e daquela alegria extravagante que só acontecia durante os dias de carnaval.
Quando era criança nunca vesti uma fantasia. Observava os vizinhos se movimentarem, entra e sai nos apartamentos, falatório, animação, mas em nossa casa de cinco irmãos jamais tivemos o hábito de nos fantasiar, sair às ruas, frequentar bailes matinês em clubes ou receber visitas durante os "dias gordos” que antecediam a Quaresma.
Mas, quando uma tia mais jovem desembarcou em Nova Friburgo, vinda das Minas Gerais, foi como se a vida em preto e branco se renovasse em cor. E nunca mais tive medo. Nunca mais tranquei-me no quarto, apavorado com o mascarado, o bate-bola, o dominó.
Fui pras ruas, descobri um novo mundo. Tornei-me mascarado, em meio aos blocos de sujo, às bandas, à farra, à alegria contagiante que entorpece. Jamais esquecerei aquela noite em que, sentado no meio fio da avenida, vivi o maravilhamento das escolas de samba, contando uma história musical, num espetáculo que encantou-me e tomou meu coração de assalto.
Não era o brilho. Não era só o colorido. Nem apenas a música. Era tudo. Eram todos. Gente feliz que transcendia seus personagens diários através da alegria.
Eu, que sempre quis ser feliz e continuo querendo, encontrei ali um atalho para as fantasias trancadas no cofre da minha alma. Poder ser rei por um dia. Ser escravo, sultão ou coisa qualquer. Viajar pela Amazônia, África ou pelo nordeste distante. Ser menino, ser velho, ser índio... Doce ilusão, eu sei.
Mas, de que importa a ilusão? Quando se é jovem tudo é permitido. Há uma vida inteira pela frente para aparar arestas, mudar, crescer, ser diferente, consertar aquilo que não cabe, não pode e não fica bem. E também ser feliz! Mesmo contrariando tudo e todos.
E o carnaval nos permite ser outro que não nós mesmos, como se as máscaras diárias fossem trocadas por outras que nos fazem pessoas melhores. Inversão de papéis sociais, o riso farto e frouxo, a simpatia quase amor...
E tem gente que descobre a fantasia tarde. Que pena! Tanto tempo perdido e quanta coisa para resgatar. Como disse minha amiga Elizabeth Souza Cruz: "Que mal há em querer um rolo de serpentina que fosse só meu? Um saquinho de filó, repleto de confetes coloridos, que durasse os quatro dias de folia? Uma espirradeira, uma máscara e um ingresso para a matinê? Querer voltar no tempo e ouvir o barulhinho do motor da máquina de costura Singer me fazendo dormir, enquanto a minha mãe arrematava a fantasia? Querer rever os retalhos de cetim jogados no chão do quarto de costura... A fantasia... O jogo... A magia do encantamento infantil. O movimento, a alegria e a certeza de fazer parte do grande espetáculo?”.
Os mascarados já não me assustam mais. Nada mais me assusta, senão gente. Gente me causa medo e receio. Mas há todo tipo de pessoas. E algumas até já se deram conta de que a delícia de estar vivo é poder sair um pouco do personagem diário que por vezes nos aprisiona, para dar lugar a alguém que não somos e gostaríamos de ser. Não é pecado. Creiam! Pecado é ser quem não aceitamos, num reinado que dura todos os dias do ano. Aí sim, nos tornamos mascarados cruéis e assustadores, disfarçados de justiceiros pela infelicidade. Torcendo que outros também sejam infelizes como nós.
Tire essa máscara, vai. Abra o seu coração. É carnaval! "São três dias folia, que duram uma vida inteira... o reinado da ilusão, que termina quarta-feira!”
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