Texto: Karine Knust / Fotos: Amanda Tinoco
Luzia Thereza Carletto Gomes. Uma senhora de 72 anos que demonstra ter uma alegria de viver capaz de vencer qualquer adversidade. Ela descobriu que tinha um nódulo na mama esquerda há mais de quatro anos, mas, sem desconfiar que pudesse ser algo grave, deixou o tempo passar. "Comecei a notar um nódulo na região do seio direito que incomodava, no fim de 2009, mas não procurei saber do que se tratava. Nem imaginava que poderia ser um câncer. Tive uma irmã que apresentava uns nódulos no mesmo local, mas nunca foi diagnosticado como um tumor maligno”, conta ela.
No início de 2010 o nódulo de Luzia começou a crescer e ficou cada vez mais difícil conviver com o incômodo. Na certeza de que havia um caroço em sua mama, ela buscou o apoio da família para enfrentar a provável doença que já havia atingido mais da metade de sua família. "Quase todos da nossa família já tiveram algum tipo de câncer. Quando constatei que tinha um caroço suspeito na mama, chamei minhas duas filhas para conversar. Contei que o resultado sairia dali alguns dias e que não queria que ninguém chorasse ou reclamasse e, muito menos, tivessem pena de mim. Sempre fui muito alegre, participava de tudo na vida delas. Não queria que me vissem de outra forma, queria apenas que me ajudassem a superar a doença caso fosse comprovado o tumor”, relata Luzia.
No dia 22 de abril daquele ano, ela foi ao médico acompanhada de suas filhas e lá foi confirmado o que já imaginavam, mas Luzia não se desesperou, foi firme e decidida. "A única coisa que falei foi: seja o que for, eu quero que você tire. Só me diga quanto isso vai me custar. Se o INPS empresta dinheiro para todo mundo passear, vai me emprestar para eu passar pela operação. Não me importo em viver para pagar, o importante é conseguir sobreviver. Queria resolver aquele problema de uma vez, consegui operar em menos de um mês e graças a Deus não precisei tirar a mama.”
Luzia já havia passado pela operação com sucesso, mas ainda faltava um caminho a percorrer. Para se tratar da doença e eliminar as possibilidades de um novo diagnóstico, ela precisou passar pelos dois tipos de tratamento, a quimioterapia e a radioterapia. No entanto, além de enfrentar mais essas etapas era preciso ir à luta para conseguir recursos financeiros para bancar o tratamento. "Os tratamentos são muito caros e eu não tinha mais condições de pagar. Cheguei à Associação da Mulher Mastectomizada (Amma) chorando porque já estava desesperada, os preços eram exorbitantes. E lá fui muito bem acolhida e consegui começar o tratamento pelo SUS”, explica Luzia.
Para passar pelas seis sessões de quimioterapia orientadas pelo médico, ela precisou se deslocar para Teresópolis de 21 em 21 dias. Por ser um tratamento com diversos efeitos colaterais, o mal-estar depois da sessão já era esperado, mas também era preciso lidar com o sacrificante percurso. "O tratamento se tornou mais difícil porque quando a dor começava a passar era preciso se preparar para viajar novamente.”
Alguns meses depois, Luzia precisou começar a fazer a segunda parte do tratamento em busca da cura: a radioterapia. O problema é que os primeiro procedimentos estavam marcados para janeiro de 2011, período em que a Região Serrana estava vivenciando dias de caos por conta da catástrofe climática. "Tive que esperar para começar o tratamento; não tínhamos como chegar a Petrópolis. Tivemos que procurar um local para que eu pudesse dormir durante os dias que ia precisar ficar na cidade. Com muito custo conseguimos achar uma casa e passei a dividir o aluguel com outro paciente que estava lá também para se tratar de um câncer. Cada um pagava R$ 900 por mês.”
Se para se tratar em Teresópolis era preciso lidar com o sofrimento da viagem, em Petrópolis o drama era ainda maior. "Meu tratamento era de 30 dias, mas chegamos a ficar por 45. Às vezes a aparelhagem do tratamento estava quebrada ou em manutenção, e aí era preciso voltar outro dia. Na época que fiz o procedimento também não havia condução para fazer o trajeto de ida e volta até Petrópolis. Começamos a reclamar até que disponibilizaram uma Kombi. Era horrível, imunda, quebrou várias vezes na estrada, os acompanhantes tinham que sair para ajudar a empurrar.”
Por fim, quando conversamos sobre a questão de ter que se ausentar de sua casa por longos e difíceis dias, Luzia desabafou: "Ficar longe de casa numa situação dessas é muito ruim. Eu tinha que ficar ocupando os outros, modificando a rotina das pessoas para ter alguém comigo durante o tratamento. Minhas filhas trabalham, cada uma ficou uma semana, depois comecei a ser acompanhada por parentes. Meu neto chegou a passar mal por diversas vezes porque estava com saudade. Aquilo me sacrificava muito, quando ele me ligava eu não conseguia conter as lágrimas. A quimioterapia sacrifica o corpo, mas a radioterapia vai além disso, sacrifica a alma e toca toda família. Eu sofria porque o câncer era meu, mas todos acabaram sofrendo junto.”
Hoje Luzia vai a Teresópolis de seis em seis meses para fazer o acompanhamento com o oncologista. Ela, que já se considera curada, tem lutado e chegado mais perto de transformar o sonho de receber alta uma realidade. "Minhas visitas ao médico tem se distanciado cada vez mais. Antes ia de três em três meses, agora vou com uma distância de seis meses. Se Deus quiser, daqui uns dias não vou precisar ir mais.”
Amma: o ‘anjo da guarda’ das mulheres mastectomizadas
Descobrir que se está com câncer não é fácil. O caminho dessa etapa até a cura é bastante penoso. Para amenizar esse sofrimento, foi fundada no dia 11 de abril de 2000 a Associação da Mulher Mastectomizada (Amma), que se tornou um "anjo da guarda” das mulheres vítimas de câncer de mama. A ONG foi fundada por Rosângela Coelho Gomez — que também havia sido vítima da doença — junto com o médico José Luiz Souza Ramos. Ao receber o diagnóstico, ela começou o tratamento, mas aos poucos foi detectando todos os obstáculos que envolviam o caminho até a cura: de um atendimento psicológico até questões financeiras. Foi aí que viu que era preciso mais do que apoio familiar, que só uma entidade organizada e disposta a amenizar o problema.
Nestes 14 anos, a Amma conquistou o respeito e admiração da população friburguense, mesmo daqueles que não têm caso da doença na família. Prova disso são os eventos realizados pela entidade, como o Outubro Rosa.
À frente da instituição atualmente está Maria Helena Moraes dos Santos, que passou pelo câncer de mama em 1994 e em 2000 começou a participar da ONG.
"É muito importante termos um hospital do câncer aqui na cidade, o que diminuiria o sofrimento de quem passa pelo tratamento”, diz a presidente da Amma, "mas também é preciso que as pessoas se conscientizem de que a realização do autoexame é fundamental para que se possa detectar precocemente a doença e, consequentemente, iniciar o tratamento que dará mais chances de cura.”
Quem quiser saber mais informações sobre a instituição pode acessar ammafriburgo.blogspot.com.br ou ir à sede da Amma, que fica localizada na Rua Mato Grosso 20 (rua em frente ao Country Clube). Telefones: (22) 2526-5104 e 2526-5322. E-mail: ammanf@hotmail.com
‘Tratamento Fora Domicílio’: entenda o que é
O "Tratamento Fora Domicílio” (TFD) é um programa oferecido pelo Sistema Único de Saúde destinado às pessoas que precisam de tratamento especializado não disponível na localidade de origem. O serviço é concedido a pacientes atendidos na rede pública de saúde e pode ser garantido através de encaminhamento médico constatando a necessidade de atendimento em uma unidade de maior recurso, localizada em outra cidade.
Para os gastos com alimentação e estadia (nos casos de tratamento continuo e diário como a radioterapia) o serviço também disponibiliza o reembolso. Os pacientes que fazem esse tipo de solicitação devem estar previamente cadastrados no programa junto ao órgão de controle do SUS. Os documentos apresentados para requerer a restituição do valor passam por análise do setor responsável para averiguação de cumprimento de normas e veracidade dos comprovantes.
Em Nova Friburgo o departamento fica localizado no Hospital Municipal Raul Sertã, atrás do setor de tomografia, e atende das 8h às 17h. Para mais informações: (22) 2522-4350.
Em entrevista exclusiva para A VOZ DA SERRA, o secretário de Saúde de Nova Friburgo, Luis Fernando Azevedo, fala sobre os problemas encontrados para a realização do reembolso do TFD e também sobre a importância de uma unidade para o atendimento do câncer na cidade.
A VOZ DA SERRA – Muitos pacientes têm reclamado da demora do reembolso TFD. Por que isso vem acontecendo?
Luis Fernando Azevedo - Ao assumir a Secretaria constatamos que os requerimentos de reembolso se encontravam muito atrasados, dificultando ainda mais este processo. Assim a primeira missão foi reunir todos os requerimentos e analisá-los um a um, para um posterior encaminhamento às Secretarias competentes — Procuradoria, Controladoria e Fazenda. Tais análises minuciosas se faziam necessárias haja vista inúmeros requerimentos em duplicidade, bem como requerimento de reembolso de itens absurdos como vinho, sushi, declaração médica de comparecimento com data divergindo dos cupons fiscais e bilhetes de passagens, entre outros. Ocorre que os requerimentos de reembolso devido à grande quantidade, costumeiramente, são analisados e pagos por lotes, logo, caso se constate alguma irregularidade em apenas um requerimento todos os demais sofrerão atraso. Infelizmente, algumas pessoas que agem de má-fé acabam prejudicando todo um grupo. Estamos empenhados em solucionar o problema com a maior urgência possível.
Os pacientes e seus familiares esperam com ansiedade o anunciado Hospital de Câncer aqui em Nova Friburgo. O que o senhor pode dizer para eles?
O Hospital do Câncer é a melhor solução para atenuar o sofrimento dos diversos moradores de Nova Friburgo e Região Serrana que precisam realizar o tratamento do câncer em outras cidades. O deslocamento destes pacientes se torna desgastante dificultando o tratamento que já é doloroso e muitas vezes demasiadamente longo. São horas de viagem, sem contar o trânsito que muitas vezes acarreta na perda da consulta, gerando estresse e prejudicando o tratamento. O hospital é a melhor solução para a região, com ele vamos proporcionar maior qualidade de vida, tratamento e atendimento mais digno e humanizado para os pacientes e familiares.
A matriarca da casa das sete mulheres e um homem
Edazilma Ferreira de Oliveira. Uma mulher simples, que nasceu em família humilde e foi criada na roça. Apesar de reproduzir algumas letras que via em revistas em seu caderninho, mal sabia ler e escrever. Mas quem poderia afirmar que ser analfabeta era um problema para ela? Aquela que fazia amizade com todo mundo com poucos minutos de conversa, conhecia a todos no morro onde morava e na primeira oportunidade que tinha prendia a atenção daqueles que paravam para ouvir seus "causos”, de fato, não tinha conhecimentos teóricos sobre a vivência humana, mas disso nem precisava. Suas experiências lhe renderam muita sabedoria e conhecimento prático da vida — seja em suas felicidades ou infortúnios — que muitos estudiosos provavelmente não irão vivenciar.
No entanto, uma forte gripe no início de 2013 foi responsável por detectar o mais triste dos diagnósticos. A exata doença que havia levado Manoel de Oliveira, o homem que ela era casada há mais de 50 anos, foi confirmada naquela mulher de força inabalável. Edazilma estava com câncer em um dos pulmões.
Um mês depois dessa constatação começaram as idas ao Instituto Nacional do Câncer para que fosse analisado qual seria o melhor tratamento, já que a idade avançada e os problemas de pressão alta e circulação podiam impossibilitar alguns procedimentos. De fato, segundo o parecer do médico, a única alternativa era a radioterapia.
Em busca do tratamento, a família resolveu procurar uma vaga no Centro de Terapia Oncológica de Petrópolis. O que eles não esperavam era que não poderiam ficar na casa de apoio do CTO da cidade por conta dos demais problemas de saúde de Edazilma. "O que nos explicaram é que caso ela passasse mal durante a noite — já que ela tinha outras complicações de saúde — eles não poderiam se responsabilizar, e aí tivemos que começar a procurar outro lugar para ficar. A maioria dos imóveis que eram alugados para pacientes durante o período que precisávamos, dois meses, era longe do CTO. Mas, por sorte, a enfermeira nos ligou avisando que uma casa tinha desocupado perto dali”, conta Marlene de Oliveira, uma dos oitos filhos de dona Edazilma.
Para manter um tratamento deste porte — fora do domicílio e com sessões diárias que impedem o paciente de fazer viagens para ir e voltar para casa todos os dias — é preciso dispor de um bom dinheiro. Alguns dos aluguéis chegam a custar mais de mil reais, sem contar com a alimentação do paciente e acompanhante. Mas desistir não fazia parte do vocabulário de Edazilma tampouco de seus familiares.
"Primeiro a pessoa tem que dispor do dinheiro para depois receber o reembolso do SUS. Graças a Deus nós conseguimos levantar o valor necessário para se manter lá durante o tratamento, foi difícil, mas conseguimos. A questão é que muitos não têm nem condições de conseguir esse valor e por isso não conseguem fazer o tratamento”, desabafa Marlene.
Os dias foram passando e os efeitos colaterais da radioterapia ficando cada vez mais fortes. O sofrimento de ficar longe da família, de oito filhos e 18 netos, estava abalando Edazilma e era preciso parar um pouco e voltar ao lar. Foi exatamente isso que fizeram, ela voltou para passar uns dias com sua família, mas não conseguiu mais retomar o tratamento.
Menos de um ano depois de descobrir o infeliz diagnóstico — que quem sabe tenha sido gerado por conta do vício em cigarro que começou timidamente aos nove anos, quando já trabalhava na roça e curiosamente o utilizava para espantar os mosquitos que a perturbavam durante o trabalho, e só foi interrompido mais de 50 anos depois por complicações na saúde — o sonho de estar presente no nascimento de mais um de seus dez bisnetos foi interrompido. A fraqueza ocasionada pela série de sessões de radioterapia unida aos demais problemas de saúde a levaram a morte, em 8 de março deste ano.
Mas não fora simplesmente uma partida. Uma das coisas que a matriarca de fé, amor e garra incontestáveis não abria mão era a família. Juntar filhos, netos e bisnetos era a razão de sua alegria e vontade de continuar vivendo. Independente dela não estar mais tão perto, a família manteve a tradição de estar sempre juntos. E, sempre compartilhar as histórias vividas com ela. Talvez seja por esse motivo, de ser tão viva na memória e coração, que todos têm a sensação de que Edazilma está apenas em uma viagem e que um dia irá voltar.
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