Dalva Ventura
Uma unanimidade. Até aqueles que, teoricamente, seriam seus concorrentes, se curvam ao talento do carnavalesco Eloy Machado. Ele conheceu Nova Friburgo na década de 80, e se apaixonou pela cidade desde que esteve aqui pela primeira vez, pelas mãos de Francis. E não pensou duas vezes quando resolveu trocar o Rio de Janeiro pela serra; e a sua Mangueira, pela escola de Conselheiro Paulino, a Alunos do Samba.
Hilda Teixeira Soares, da Rádio Sucesso, também era sua amiga desde quando morava no Rio. Seu marido, Wagner Menta, dono da Rádio Continental, participava do júri dos grandes desfiles de fantasias, e Eloy sempre era o grande vencedor no quesito originalidade. Especializado em fantasias com movimento, não havia quem o superasse. Hilda lembra também que ele foi pioneiro em reaproveitamento de materiais e quem lançou aquelas fantasias que marcaram o programa da Xuxa na década de 80.
“Eloy foi um divisor de águas no carnaval friburguense”, afirma Hilda. “Além de ter revolucionado os desfiles, com seus conhecimentos no Rio de Janeiro, conseguia trazer todos os figurões para serem jurados dos concursos e dos desfiles aqui”, lembra.
Ele veio para cá em busca de uma vida mais tranquila. Não deve ter sido uma decisão fácil, pois nesta altura, Eloy Machado já era uma celebridade no carnaval. Além de carnavalesco das escolas de samba, colecionava prêmios nos concursos de fantasias do Teatro Municipal e do Hotel Glória, na categoria originalidade. Todos que o conheceram destacam que Eloy era uma pessoa simples, modesta e humilde. Aqui, logo se tornou amigo da turma do samba e, como era de seu estilo, mergulhou de cabeça no carnaval friburguense que, a partir daí, nunca mais foi o mesmo.
A grande foliã friburguense Marly Pinel, a maior de todas, também se tornou grande amiga de Eloy assim que ele chegou a Nova Friburgo. Frequentava sua casa, em Conselheiro, e faz questão de dizer que ele a orientou muito. “Eloy me deu muitas dicas, aprendi demais com ele. Além de ser uma pessoa alegre, leve, era, assim, totalmente desprovido de vaidade e egoísmo. Nossa cidade deve muito a Eloy Machado. Foi ele quem levantou o carnaval de Friburgo”, afirma.
Em seu livro recém-lançado, “Até Quarta-Feira!”, o jornalista David Massena, que também era muito amigo de Eloy, destaca o amor do artista por Nova Friburgo. “Ele gostava de nossa gente simples, da paisagem, da qualidade de vida e se encantou com a matéria-prima fabricada na cidade: os galões da Ypu, as rendas e filós da Arp, as passamanarias da Hak, a lycra de Filó e, mais do que isso, a mão de obra especializada que até então era subutilizada pelas escolas de samba”.
Em 1987, Eloy foi o carnavalesco da Alunos do Samba, contratado pelo Siqueirinha, então, presidente da escola, que se endividou e moveu céus e terra, não poupando esforços para dar um carnaval de verdade à comunidade de Conselheiro. Conseguiu muito mais do que isso. A partir daquele ano, o carnaval de Nova Friburgo nunca mais seria o mesmo. Como disse Hilda, Eloy fez com que as outras escolas daqui também se mexessem. Com o enredo “Historiada Tupiniquim”, a escola foi a grande campeã daquele carnaval, que há muito vinha correndo atrás do ambicioso troféu.
Quem estava lá lembra a maravilha que o Alunão apresentou na avenida. A escola encheu de fantasia, brilho, cor e alegria a Avenida Alberto Braune. Mesmo quem não torcia pela escola de Conselheiro, viu-se obrigado a explodir de alegria e a soltar um grito de emoção pela beleza de desfile que a escola apresentou, do princípio ao fim da passarela do samba. Também, pudera. Com seu entusiasmo, Eloy envolveu o comércio, a indústria, as instituições, enfim, contagiou toda a comunidade do distrito.
No ano seguinte, a Alunão fez, de novo, um belo desfile, com o enredo “Raízes Brasil, Negro Brasil”, mas perdeu para a Imperatriz. No ano seguinte, a escola estava coberta de dívidas e não desfilou. Em 89, nova decepção. O talento de Eloy não foi suficiente para desbancar a Vilage, que conquistou o campeonato, com “O Fascinante Canto das Estrelas”. Mas o carnaval de 90 foi da Alunão e de Eloy Machado, com o enredo que falava da cachaça: “Brasileiríssima”.
Eloy Machado morreu de aids, em 1991, no Hospital Raul Sertã, com menos de 50 anos, mas sua arte e seu trabalho até hoje influencia o carnaval de Nova Friburgo.
O reinventor do carnaval
Eloy criou uma nova visão de Comissão de Frente, levando em conta um conceito, um tema. Nada daquelas filas indianas desfilando em espirais ou apresentando coreografias de dança moderna. O mestre dizia, lembra David em seu livro, “frente é a síntese, o resumo do enredo e não um espetáculo à parte da escola”.
Não podia ser diferente. Eloy também modificou por completo os carros alegóricos, transformando-os em cenários. Nem pensar naqueles elefantes brancos que arrancavam fios pelas ruas da cidade. E o que dizer das fantasias? Bem, esta era, digamos assim, a praia deste carnavalesco. Ele deitou e rolou neste quesito. Não abria mão da leveza, sem deixar de lado o brilho, o glamour e a ousadia.
Eloy também valorizou mais o intérprete e as baianas, assim como fez questão de multiplicar o número de destaques. E mais: integrou a bateria ao enredo, vestindo ritmistas com luxo ou originalidade. Deu nova roupagem aos passistas, destacou a rainha da bateria, formatou o enredo passo a passo para melhor compreensão dos jurados e, com humildade, abriu as portas do barracão da Alunos do Samba para que outros, concorrentes ou não, tivessem acesso aos novos conhecimentos.
Apesar de ter sido uma personalidade tão importante para o mundo de samba, pode-se afirmar que Eloy Machado foi esquecido. O Google tem raríssimas referências a ele, os acervos do Pró-Memória, idem. Felizmente, David Massena, com seu livro, jogou um pouco de luz não apenas em Eloy, mas sobre tantas figuras marcantes do nosso carnaval.
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