O ano era 1983. Começava a se formar aos poucos, no Brasil, uma movimentação que buscava instituir novamente o sistema de eleições presidenciais diretas — desde 1964 e até aquele momento, perdurava o regime ditatorial militar no país, cujas garantias individuais e sociais de direitos eram restritas a uma constituição imposta pelo governo federal. O estopim surgiu do senador alagoano Teotônio Vilela, durante uma entrevista para a TV, e o deputado federal Dante de Oliveira apresenta, naquele mesmo ano, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 5, que estabelecia as eleições diretas, depois de haver coletado as assinaturas de 170 deputados e 23 senadores. As primeiras manifestações populares pelas “Diretas Já”, nome pelo qual o movimento ficou conhecido, ocorreram também naquele ano, ainda rançosas dos tempos de ditadura. Por este motivo, reuniram poucas pessoas, já que o medo da retaliação era tal qual uma nuvem, rondando todas as cabeças. Mas... sabe como é o brasileiro — ou pelo menos, o brasileiro com um coeficiente mínimo de inteligência emocional. Ele protesta, ele grita, ele se une aos outros em prol de um bem comum — o bem comum, naquele caso, era o restabelecimento da democracia.
Depois que as primeiras centenas de manifestantes botaram a cara na rua, os primeiros milhares também começaram a aparecer. As Diretas Já chegaram a reunir um milhão e meio de pessoas na Praça da Sé, em São Paulo, e reuniram outras milhares em várias capitais. Para reprimir as manifestações, o então presidente João Figueiredo aumentou a censura sobre a imprensa e ordenou prisões, ocorrendo violência policial. E apesar da rejeição da Emenda Dante de Oliveira na Câmara, o episódio das Diretas Já teve grande importância na redemocratização do Brasil. Suas lideranças passaram a formar a nova elite política brasileira e esse processo culminou com a volta do poder civil, em 1985, com a aprovação de uma nova Constituição Federal, em 1988, e, enfim, com a realização das eleições diretas para Presidente da República em 1989. Ou seja, a dita democracia sob a qual vivemos no Brasil hoje é mais nova que a repórter que digita a matéria, e, considerando aspectos do cenário político atual, onde um chefe de estado é deposto sem ter crimes comprovados, é tão frágil quanto o papel em que está impresso este texto. Mas lutar por um estado democrático de direitos jamais será uma luta em vão.
Nas escolas de Friburgo
O ano era 2009. O vereador Cláudio Damião, então no primeiro mandato, com base na resolução 007/2007 do Conselho de Educação, protocola na Câmara Legislativa de Nova Friburgo um projeto de lei com o objetivo de instituir na rede municipal de ensino um sistema de eleições para a escolha democrática de diretores e dirigentes das unidades, favorecendo o desenvolvimento de uma política de participação da comunidade escolar, qual seja, pais, alunos e corpo docente. “Como a resolução não tinha força de lei, não era sequer considerada pelo Executivo. Protocolei o projeto em 2009, sendo sancionado em 2011, instiuído sob a lei 3989/2011, em vigor desde então. Através dele, passou-se a ser possível evitar nomeações políticas, oriundas de troca de favores entre as partes”, conta Cláudio, que informa, ainda, ter convidado o vereador Professor Pierre para assinar a lei como coautor.
Lei 3989/2011: abaixo à indicação
Ao diretor da unidade escolar é reservado o dever de administrar a instituição — inclusive financeiramente —, mantendo-a dentro das normas do sistema educacional, seguindo portarias e demais instruções da secretaria municipal, além de supervisionar a qualidade do ensino e do projeto pedagógico, orientando professores e demais profissionais e buscando oportunidades de capacitação para os colegas da equipe docente. A este papel administrativo soma-se a imagem de um líder sociocomunitário: o diretor deve preocupar-se em manter uma gestão democrática, em consonância ideológica com os profissionais que lá trabalham e com os pais que lá deixam seus filhos; a escola ideal é esta rodeada de pais e comunidade, e onde há trânsito e diálogo livre para todos.
Este profissional precisa conhecer a legislação e as normas da Secretaria de Educação para reivindicar ações junto a esse órgão, identificar as necessidades da instituição que gerencia e buscar soluções pedagógicas junto às comunidades interna e externa e à própria secretaria. Mas, quando a indicação se dá desconsiderando-se estes aspectos a profissionais despreparados para exercer tamanha responsabilidade, toda a comunidade escolar sai perdendo. Primeiro, porque sua estada ali foi imposta arbitrariamente por um agente maior da administração municipal. Segundo, porque o próprio diretor, na fragilidade de sua posição de líder, pode não conseguir os elementos necessários para uma gestão democrática.
Segundo a Secretaria Municipal de Educação, o calendário de eleição segue conforme o estabelecido pela Deliberação 19, publicada pelo jornal A VOZ DA SERRA no último 11 de novembro. Na semana passada, ocorre o período de campanha onde as chapas apresentam para a comunidade escolar o projeto de gestão elaborado pelos candidatos, para que a comunidade escolar conheça as propostas das chapas. Durante esse período, estão sendo realizados debates, panfletagens e reuniões para que os eleitores sintam-se esclarecidos para votar. Entre os dias 28 de novembro e 2 de dezembro, ocorrem as eleições.
No ano de 2012, primeira vez que ocorreu o processo de escolha dos gestores, 57 escolas participaram do pleito. Em 2014, esse número subiu para 66 Unidades Escolares. Esse ano, 109 escolas participam do processo, o que representa aproximadamente 90% das escolas da Rede Municipal de Educação. Somente as unidades recém-inauguradas e as conveniadas, cujo convênio prevê a indicação do diretor, não participam do processo eleitoral. Além da lei de autoria dos vereadores Cláudio Damião e Professor Pierre, o processo é garantido nas deliberações 007/07, 014/12, 18/16 e 19/16 do Conselho Municipal de Educação de Nova Friburgo, além de versada no artigo 206, inciso VI, da Constituição Federal de 88, nos artigos 14 e 15 da LDB 9394/96, no Plano Nacional de Educação - Lei nº 13005/ 2014, na Meta 19, na lei Orgânica Municipal, artigos 4 e 5 e no Plano Municipal de Educação - Lei nº 4395/2015, Meta 19.
Reeleição, eis a questão
No ano de 2016, houve uma alteração no Caput e inclusão do § 4º no Art. 1º da lei Municipal 3989/2011, visando garantir o direito à reeleição dos diretores, ilimitada e ininterruptamente. Antes da alteração, a lei previa apenas uma reeleição para cada mandato de dois anos.
A posição do Conselho de Educação é pela manutenção da lei original, qual seja, a que possibilita apenas uma reeleição. Segundo o professor Ricardo Lengruber, ex-secretário de Educação — era ele quem ocupava a gerência da pasta na época da implementação da lei —, e membro efetivo do Conselho, tal alteração é um equívoco. “A obrigatoriedade de alternância garante que não haja eventuais constrangimentos sobre os membros da equipe escolar. Garantir reeleições infinitamente pode, também, abrir espaço para o lado nocivo da política de clientelismo e favorecimentos, algo que notada e historicamente se percebe no processo de nomeações. Além disso, o Plano Municipal de Educação (Lei 4395/2015) também garante o processo de escolha democrática, com conceito de eleição circunscrita, respeitados os critérios estabelecidos pelo Conselho Municipal de Educação, que igualmente preveem mandato de dois anos, com direito a uma reeleição”, diz o professor, que acrescenta: “Considero que a discussão deve ser feita sempre se levando em conta a melhoria da escola pública e a garantia de efetivo aprendizado dos estudantes. O tema permanece aberto. Não se resolverá com dispositivos legais. Trata-se de construção democrática, que só se efetivará com ampla participação das escolas e suas comunidades”, conclui.
Em nota pública, o Conselho afirma que uma eventual modificação no Plano de Educação só poderia ser realizada em nova conferência municipal de educação. “A alteração não leva em consideração o fato de que a possibilidade ilimitada de reeleições pode dificultar a alternância do quadro diretor, uma vez que pode inibir outros profissionais de uma mesma escola a montarem chapa contra o poder que lá já está constituído. Fora que, eventualmente havendo qualquer espécie de má-fé, por ter o poder de decisão concentrado nele, o diretor pode omitir informações dos colegas. Há ainda o fato de que, se o profissional fica durante muito tempo no trabalho administrativo, e não vivencia experiências em sala de aula, como ele pode ter plena visão das necessidades dos alunos, dos professores, da comunidade? Há diretores que estão no cargo há mais de 20 anos, e durante todo esse tempo, não trabalharam mais com os alunos em sala de aula. Os pais, por conta da alta carga horária, muitas vezes não participam do processo de gestão da escola, atendo-se a manter do jeito que está. Vê o resultado do trabalho do professor, e gosta. Mas e administrativamente? Será que eles estão avaliando isso também? Por esses e outros motivos, não concordamos com as reeleições ilimitadas”, diz a professora Marília Formiga, assessora técnica do Conselho. A entidade reitera, no entanto, seu caráter fiscalizador, razão pela qual não se eximiu de acompanhar o processo executado pela Secretaria Municipal de Educação.
Já para o atual secretário de Educação, professor Renato Satyro, a mudança da lei não trouxe nenhum prejuízo ao processo de eleição e ainda possibilitou alguns benefícios, como o aumento de praticamente 100% no quantitativo de unidades escolares participando das eleições. “O que acontecia anteriormente é que muitas diretoras, em razão de como a lei havia sido feita, não tinham mais direito de se candidatar e não se formava nenhuma outra chapa para concorrer. Com isso, a Secretaria de Educação tinha que nomear os gestores das unidades onde não havia concorrentes. O que a secretaria fez foi garantir a realização do processo eleitoral, dando o direito à comunidade de decidir quem irá gerir as unidades escolares. Se a direção fez um bom trabalho, poderá continuar fazendo, caso contrário, a mudança será estabelecida democraticamente, no voto”, concluiu o secretário.
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