Elas não merecem ser estupradas

quarta-feira, 31 de dezembro de 1969
por Jornal A Voz da Serra
Elas não  merecem ser  estupradas
Elas não merecem ser estupradas

Karine Knust

Uma pesquisa realizada entre maio e junho de 2013 pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sisp/Ipea) foi divulgada no dia 27 de março e movimentou as redes sociais de todo o país. Dentre os temas pesquisados, estava a violência sexual. A pesquisa ouviu 3.810 pessoas em todo o Brasil e, de acordo com os dados divulgados inicialmente, quase três quintos dos entrevistados, 58%, alegaram que os estupros estavam diretamente relacionados ao comportamento da mulher — "Se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros” — e 65% afirmaram que as roupas também incentivam a violência sexual — "As mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. 

Logo após a divulgação dessa pesquisa, uma campanha brasileira em reação a este resultado alarmante teve início nas redes sociais. O movimento contra o machismo e o abuso sexual denominado "Eu não mereço ser estuprada” começou por uma foto divulgada pela jornalista e organizadora da campanha, Nana Queiroz. A foto, em que a jornalista posa seminua e escreve a frase-tema do movimento em seu corpo, gerou repercussão internacional e incentivou mulheres do Brasil inteiro a fazerem o mesmo. Em menos de uma semana, a campanha já havia mobilizado milhares de mulheres, homens e pessoas próximas a vítimas de estupro. Diversos eventos de protestos estão sendo programados através das redes sociais e mais de 65 mil pessoas já curtiram a comunidade no Facebook "Eu não mereço ser estuprada”. 

O estudo foi realizado mediante o acesso a dados que apontam que, por ano, mais de 500 mil pessoas são vítimas de estupro no Brasil. Dentre essas, muitas sofrem, inclusive, estupros coletivos, e a polícia só tem acesso a 10% desses casos. Centenas de mulheres que aderiram à campanha em prol do fim da violência sexual, incluindo Nana Queiroz, foram ameaçadas e ridicularizadas pela internet.  

Mas, como se não bastasse toda a polêmica gerada em torno desse assunto, na sexta-feira, 4, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão que pertence ao governo federal, divulgou uma errata admitindo falhas graves no resultado divulgado sobre a pesquisa "Tolerância social à violência contra as mulheres”. De acordo com o instituto, houve uma inversão dos dados divulgados. Na verdade, não foram 65% dos brasileiros que concordaram completamente ou parcialmente com a frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”, mas sim 26%. Depois de toda essa situação, o diretor do Departamento de Estudos e Políticas Sociais, Rafael Osório, pediu exoneração do cargo. Mas, independente da percentagem ter diminuído depois de verificado o erro, a questão é que a realidade ainda é muito assustadora e o assunto ainda merece total atenção.

 

Campanha recebe o apoio de Dilma Rousseff

Através de uma conta pessoal no Twitter, a presidente Dilma se solidarizou com a jornalista: "A jornalista Nana Queiroz se indignou com os dados da pesquisa do Ipea sobre o machismo na nossa sociedade. Por ter se manifestado nas redes contra a cultura de violência contra a mulher, a jornalista foi ameaçada de estupro. Nana Queiroz merece toda a minha solidariedade e respeito”, escreveu a presidente. 

 

 

 

É preciso dar o primeiro passo: denunciar

Em Nova Friburgo, a Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (Deam) chega a registrar de dois a três casos de estupro por mês. A maior incidência de violência sexual é contra menores de 14 anos. De acordo com a delegada da Deam, Alessandra Andrade, a nova legislação mudou o conceito do que é estupro: "Antes de 2009, o Código Penal considerava estupro somente a conjunção carnal mediante ameaça ou violência, mas agora o estupro é considerado todo tipo de ato libidinoso, ou seja, do passar a mão até o ato sexual em si”, explica Alessandra. Também de acordo com a delegada, a maioria dos autores de violência sexual consegue ser identificado ou, além disso — e é o que mais assusta —, são pais, tios, vizinhos ou avós. 

Para a delegada, esse tipo de pensamento mostrado na pesquisa e o ato de violência sexual são problemas sociais: "Homens com cabeças doentias, muitas vezes, praticam o crime ao se atraírem por mulheres simplesmente por suas vestimentas. Acredito que o problema social seja um dos maiores motivos para crimes como esses e para pensamentos preconceituosos como os da pesquisa do Ipea.” Segundo Alessandra, as denúncias têm aumentado: "Hoje, as mulheres — principalmente — denunciam mais. Ainda existem aquelas que por dependência ou medo suportam os abusos, mas mesmo assim as denúncias aumentaram. E isso não está diretamente relacionado ao aumento de casos e sim, à coragem. A delegacia da mulher funciona desde setembro de 2011 e muitas pessoas ainda não conhecem a Deam. Por isso estamos fazendo vários movimentos, inclusive com o Crem, para dar visibilidade a nossa atuação. Estamos aqui justamente para fazer um alerta. Quando realizamos palestras e programações, é exatamente com esse intuito de chamar a atenção da população, tanto para violência doméstica como para os casos de estupro”.

Apesar de o estupro não entrar na Lei Maria da Penha, as penas são altíssimas, começando com oito anos de reclusão. Mas apesar de o assunto ser muito sério ainda existem casos em que as denúncias são falsas, conta a delegada Alessandra: "Temos alguns casos de falsa notícia de crime, mas a maioria deles são, de fato, verdadeiros. Quando uma mulher faz uma queixa falsa ela também responde pelo crime de denunciação caluniosa.” Exceto os crimes com ameaça, em que tem que haver a representação da vítima, a maioria dos casos, como lesão e principalmente estupro de vulnerável, são crimes de ação pública. Isso significa que, uma vez a delegacia recebendo a notícia, se inicia a investigação, relato e envio ao Ministério Público. Para dar um basta a essa situação, é preciso denunciar.

 



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