Educação é tudo!

quarta-feira, 21 de julho de 2010
por Jornal A Voz da Serra
Educação é tudo!
Educação é tudo!

“Um país realmente desenvolvido não é aquele que chega a ser uma potência industrial, mas um país em que todos possam ler e escrever”

Por Alessandro Lo-Bianco

Definitivamente a escola marcou a vida da atriz Tuna Dwek, que fez a poliglota Justine, em Tempos Modernos, na Globo. Nascida em São Paulo, a artista também é tradutora e repórter colaboradora do jornal Folha de São Paulo. Ela, que se formou em ciências sociais pela PUC-SP, e também como atriz pela Escola de Arte Dramática na USP, é filha de libaneses e, desde cedo, pode colher os frutos de uma rígida educação. Autora de biografias como Alma de Cetim, de Alcides Nogueira, e Emoção Libertária, de Maria Adelaide Amaral, Tuna revela nessa entrevista como o colégio foi importante para sua carreira, além das vantagens que obteve ao aprender novos idiomas. Confira!

Como foi sua infância no colégio?

Estudei no Lycée Pasteur, em São Paulo, e tive uma formação muito abrangente. A escola exigia muita dedicação. O estudo era puxado, mas me possibilitou, por exemplo, prestar vestibular e entrar na faculdade de ciências sociais sem cursinho.

 

Qual a lembrança que ficou desse tempo?

Minha alegria ao encontrar os amiguinhos era imensa. Lembro muito de uma professora de literatura que adorava a cidade de Paris. Ela descrevia as pontes, as ilhas e a Catedral de Notre Dame com detalhes, e precisávamos desenhar o que ela contava e o que víamos nas fotos e nos livros. Quando fui a Paris pela primeira vez, fui a todos os lugares de que ela falava e me lembrei muito de como estudar história e literatura me estimulou tanto a imaginação como o desejo de ultrapassar fronteiras.

O que mais você lembra da escola?

Lembro que o sistema era rígido e exigia imensa disciplina, estudo e dedicação. Havia um sistema de premiação no final do ano  que favorecia tanto  o estímulo para estudar  como o receio de falhar. Acho bom que a escola mostre o reconhecimento do valor do aluno, mas em vez de um prêmio que estimule a competitividade, poderia se oferecer uma viagem de aprimoramento, um curso. Foi assim comigo nos anos 60. 

 

Qual a importância da escola na vida de uma criança?

A base é fundamenta! Ela molda a mente, o caráter e a postura que teremos ao longo da vida. Se você der uma boa educação, independe de ter dinheiro e ensinar o jovem a ir além, poderá formar pessoas sólidas. Por exemplo, hoje em dia há internet. Em muitos lugares é gratuito acessar, nas escolas públicas há computador, portanto até uma pessoa com poucos meios materiais tem acesso à informação e à cultura, ler um livro até pelo computador. Com um bom direcionamento, a educação e cidadania sempre caminharão juntas e isso é útil para todas as profissões.

 

Depois você se formou em ciências sociais e arte dramática. Qual foi a importância da escola na sua formação e na sua vida?

A escola contribui para que sejamos melhores como seres humanos. Ela reforça nosso caráter e a capacidade de se colocar no lugar do outro. A sociologia me é útil até hoje e a antropologia também. Abriram minha mente para diversas culturas e diferenças. O curso de ciências sociais até hoje me dá uma visão ampla, até do teatro. Para ler um texto, já coloco no contexto histórico, na época em que foi escrito, na linguagem e na abordagem. Também me formei na Escola de Arte Dramática da USP e lá achei minha vocação. Pude ler dos clássicos aos contemporâneos, encenar tragédias gregas e teatro moderno. Lá podemos tentar tudo, sem nos preocuparmos com noções como errar e acertar. Pude desenvolver a experimentação e testar os limites. Buscar em nós o que cada personagem contém, e a convivência com as pessoas é de uma riqueza incalculável. Isso nos torna melhor, essa vontade de superar nossas limitações e enxergar o outro, ouvir com atenção. Hoje a tendência parece ser ouvir pouco e é tudo tão frenético! A arte é uma possibilidade de nos debruçarmos sobre a alma humana com mais atenção e, espero, mais generosidade.

 

Você teve que se refugiar uma época na Europa. O que aconteceu?

É um assunto doloroso demais. Prefiro resumir assim: Fui presa política na Ditadura Militar e não sei como estou viva. Isso diz tudo!

 

Você tem feito inúmeros personagens na televisão que falam outros idiomas... 

Falo cinco idiomas e meio. Digo meio, porque o que seria um sexto idioma, árabe, entendo bastante e consigo me expressar, mas preciso de muito estudo ainda. Mas como tenho boas noções, me permito dizer que falo pela metade (risos). Falo francês, inglês, italiano e espanhol também.

 

E como foi o caminho para aprender outros idiomas?

Além de ter estudado e começado os ensinos em uma escola francesa, me dediquei muito às aulas de inglês. Ouvi muita música e assisti a filmes. Me abri e me deixei corrigir sempre que errava. Quanto ao italiano, aprendi na marra quando fui morar lá uma vez. Uma parte de minha família mora lá e eu não falava uma palavra. Mas tinha que sobreviver, não é? Então fiz amigos e todos me ajudaram muito a superar as limitações. O espanhol tem uma trajetória curiosa: quando fui terminar minha formação de ciências sociais na França, o curso tinha muito enfoque sobre os países na época classificados em vias de desenvolvimento. Então havia muitos sul-americanos e africanos. Também por conviver muito com chilenos e argentinos na época exilados na Europa, pude treinar muito o espanhol. Muita gente acha que por falarmos português, o espanhol é fácil. Mero engano! É uma língua muito precisa. É tão linda e rica quanto o português e até hoje acho muito difícil.

 

O que foi mais importante desses ensinamentos, desde a escola até a formação universitária?

O mais importante foi poder me comunicar com muitas culturas, conhecer pessoas, descobrir outros  universos, ter a humildade de dizer “não sei o que significa isso, me explica, me traduz?”. Isso nos faz ampliar horizontes, conhecer cada vez mais os povos, as crenças e os lugares. Isso trouxe para minha vida mais disposição para me comunicar, conhecer o que os outros possuem de valioso para nos dar, e dar o que os outros gostariam de receber. Assim, entender cada vez mais que, no fundo, somos iguais em nossa aspiração para um mundo melhor. Ser feliz é um desejo da humanidade, não importa a língua que se fale.

 

Seus pais sempre te apoiaram em suas escolhas? Qual foi o ensinamento mais valioso que eles lhe passaram?

O maior ensinamento foi, sem dúvida, a perseverança, e que nada cai do céu. É preciso lutar pelo que se quer e ter princípios. Embora minha família não apoiasse sempre minhas escolhas e até resistissem a elas, já que meu pai tinha muito medo da instabilidade da profissão de atriz, por exemplo, acabei sendo o que ele me ensinou: lutadora e perseverante, com ética e dignidade.

 

Como você avalia toda essa formação para sua carreira de atriz?

A formação que temos não é apenas intelectual ou acadêmica, é essencialmente humana. Se não soubermos nos relacionar e conviver num mundo tão complexo, tudo se tornará apenas um acúmulo de informações. Ser atriz me dá a possibilidade de ser outras pessoas e aprender mais sobre mim mesma e sobre todos nós. Nossos paradoxos, anseios, lugar no mundo. As línguas, por exemplo, me possibilitam também ler textos na língua original, embora  muitas vezes me dê preguiça, porque me acomodo a ler em português. Mas faço um esforço e procuro destrinchar a riqueza do texto original. E assim, também fui me especializando em sotaques. Pude fazer trabalhos diferenciados em televisão e cinema. Por exemplo, em meu filme de estréia no cinema, Anjos da Noite, longa metragem do talentoso e já falecido Wilson Barros, interpretei uma carioca que vivia em São Paulo; em O Efeito Ilha, longa de Luiz Alberto Gal Pereira, era uma americana que falava em inglês e em português com sotaque americano; em O Quintal dos Guerrilheiros, curta metragem de João Massarolo, era uma portuguesa. Em TV, na minissérie Um Só coração, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, na Globo, era uma francesa (Marinete Prado), que existiu, o que requer um trabalho muito preciso. Em JK, de ambos os autores, era uma espanhola que também existiu (Olímpia Garcia) com sotaque da Espanha e muitas falas em espanhol. E um dos episódios de A Diarista, era uma árabe (Safira) e tanto eu como Otávio Augusto, meu marido no episódio, falávamos com sotaque árabe. Na novela Tempos Modernos, minha personagem era poliglota. Pude usar várias expressões em diversas línguas.

 

E você trabalha também como intérprete...

Enquanto intérprete e tradutora em eventos internacionais transito por várias línguas, traduzo as entrevistas coletivas, as montagens e acompanho os artistas. Trabalhei com Pavarotti, Peter Brook, Isabelle Huppert, Vanessa Redgrave, Franco Nero, Fanny Ardant, entre muitos outros.

O que você acha que poderia ser feito atualmente no Brasil para levar mais cultura ao nosso povo?

Uma campanha incansável e exaustiva de alfabetização nos lugares mais remotos de nosso país. Se em cada pequeno vilarejo ou bairro construirmos uma casa que sirva de escola, os mais velhos ensinarão aos mais novos, o professor alfabetizará, os alfabetizados alfabetizam outros e assim por diante. Há muito dinheiro desperdiçado e desviado que poderia servir para que se construíssem escolas, pequenas que fossem, mas espaços onde se ensinasse o que não se sabe ainda.

 

Um país desenvolvido, definitivamente é um país com as crianças na escola, né?

Um país realmente desenvolvido não é aquele que chega a ser uma potência industrial, mas um país em que todos possam ler e escrever, ter dignidade e cidadania. Assim começa a cultura. Não é só um conjunto de hábitos, rituais e costumes. É também saber escrever seu nome, ler uma notícia, um livro, ver uma peça ou escrever um bilhete de amor.

 

Que conselho você deixa para os leitores de AVS?

Que sempre façam de tudo para jamais desistirem do que traz alegria e plenitude. Haverá sempre alguém para nos desanimar, a começar por nós mesmos, mas é preciso  nos cercarmos de pessoas positivas e combater o desanimo que nos acomete no meio de nossas batalhas. Os caminhos são árduos, mas podemos  transformar as dificuldades em oportunidades para nos conhecermos mais profundamente e conviver melhor neste mundo tão caótico. Se eu puder dar um conselho, só posso dizer que perseverar  é um deles. Não é fácil! Ser ético e não ter pressa também é fundamental. Estar disponível para o que a vida traz e acreditar que ninguém está aqui a passeio.

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