João Carlos Artigos, o palhaço Seu Flor, esteve em Nova Friburgo e falou sobre o universo do circo e o papel deste personagem na sociedade. Ele foi um dos fundadores do consagrado Teatro de Anônimo, em 1986, que busca a elaboração de espetáculos e a qualificação profissional de atores sociais.
Juliana Scarini
“Palhaço é uma persona. O material que temos para interpretar é a nossa própria pessoa.” Foi com essa frase que João Carlos Artigos definiu o seu trabalho. Para ele, não há como “interpretar” um palhaço. Com 25 anos de trabalho, sua paixão por essa arte não surgiu através da clássica história do circo que passou em frente à sua casa e resolveu fugir. Licenciado em Artes Cênicas pela Unirio, foi por acaso que descobriu a vontade de ser palhaço.
“Nós fazíamos [na época de faculdade, aos 22 anos] um teatro de rua e, através de uma pesquisa de cultura popular, nós queríamos ganhar mais elementos de espetacularidade. Fomos até o circo buscar isso e quando chegamos lá o palhaço foi o que nos encantou. Não deu para focar apenas num elemento e fomos abduzidos por esse mundo”, contou João Carlos, lembrando que tudo aconteceu de repente.
Entre 1986 e 1995 integrou a equipe de produção do Centro Cultural José Bonifácio e do Centro de Produção Cultural da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, gerenciando projetos como Palco sobre Rodas e Menu Cultural, além da produção de shows com Caetano Veloso, Sebastião Tapajós, Luís Melodia e outros. Sua experiência pelo mundo da arte e da palhaçada lhe rendeu vários questionamentos e conclusões sobre o que é ser palhaço.
“Ser palhaço é ter o desejo de encontrar pessoas como elemento fundamental da vida, de enxergar o mundo. Acho que isso pra mim é ser palhaço, trabalhar permanentemente com a visão do mundo de cabeça pra baixo e mesmo assim ser feliz, ou melhor, a gente só é feliz porque conseguiu lidar com a vida desse jeito, então, aí que reside minha grande felicidade e minha grande compreensão do mundo”, contou o palhaço Seu Flor.
Para ele, as limitações e os defeitos podem se tornar as principais virtudes de uma pessoa, caso consiga conectar, ou mesmo buscar um olhar fresco, da maneira como as crianças lidam com a verdade. “Poder olhar nos olhos e contar uma história. Isso foi o que o palhaço me ensinou”. Num mundo fragmentado e tão clipado, em que as pessoas acham que estão tendo relações verdadeiras através da internet e que a vida é retratada no Big Brother, João Carlos Artigos diz que o importante é poder ter contato com as pessoas, poder tocar e estar perto, sentindo e trocando sensações durante uma conversa ou apresentação.
O papel do palhaço na sociedade
“Humus” é o mesmo radical de humor e humanidade e significa “terreno fertilizado”. Logo, o palhaço vai ser esse agricultor que vai fertilizar a humanidade através do riso, da palhaçada. “E quando eu falo de humanidade, eu estou falando justamente dessa complexidade que é o ser humano. O mundo do palhaço vai falar das relações de poder, do mal. É poder tocar nas feridas da sociedade, falar de coisas muito sérias a partir do riso. Esse sempre foi o papel do palhaço, de ser o arauto do seu tempo, da sua sociedade. Ele sempre foi o jornalista que a partir do que acontece no nosso cotidiano consegue tirar a sua graça, na relação dele com o mundo”, frisa João Carlos, garantindo que através do riso surge um lugar de aproximação.
Quando o público consegue perceber essa humanidade, começa o processo de identificação, que acontece por aproximação ou distanciamento. Um palhaço que não consegue subir numa cadeira, por exemplo, ou um palhaço que fala coisas sérias de modo subvertido faz o público rir. Neste caso existem duas possibilidades: ri porque pensa como pode ele não conseguir subir na cadeira, como pode o mundo ser como ele está falando? “Eu sou capaz de fazer algo melhor, de reelaborar e fazer com que pensem: então eu também sou tão estúpido quanto ele, eu também acredito no que ele está falando! E aí você aproxima o público. Aí que está o riso e o papel do palhaço”, lembra.
Engana-se quem pensa que o circo e o palhaço estão desvalorizados. Segundo João Carlos Artigos, esta é uma arte que nunca vai morrer, pois faz parte da necessidade do ser humano, único ser vivo que ri. “Sou de uma geração que vê essa valorização crescer vertiginosamente. Jamais irá acontecer a morte do circo e do palhaço. A exemplo disso temos o Tiririca como deputado mais votado do Brasil. As pessoas acreditam no palhaço”, exemplifica, bem-humorado.
Quando questionado se falta um pouco de “ser palhaço” nas pessoas, a resposta de Seu Flor é enfática: “Com certeza!”. Num mundo onde as pessoas tentam ser sérias, ele lembra que a sociedade impregnou durante anos que todos devem ser produtivos, inteligentes eficientes e competitivos, além de trabalhar muito. Para ele, o palhaço está na contramão de todas essas questões e o humor é algo que falta nas pessoas de um modo geral. “No trânsito as pessoas andam estressadas, buzinando e xingando o tempo todo. Isso é falta de humor. Tem gente que tem transtorno de humor e é por isso que o palhaço está cada vez mais ocupando um lugar de relevância na sociedade”, declarou.
Em seus espetáculos, esse artista nato varia no estilo das apresentações. João Carlos não tem um perfil determinado. Seja stand-up, falando, mudo, com ou sem nariz de palhaço, cada show guarda uma surpresa. “Meu terreno é o da comicidade e isso tem a ver com a minha visão de mundo. O grande aliado de um palhaço é o tempo, quanto mais experiência, melhor”, ressaltou. Já trabalhou e troca experiências com o grupo de circo friburguense Trupe Família Clou, que já participou do Encontro Internacional de Palhaços Anjos do Picadeiro. O encontro já foi coordenado por João Carlos por seis edições. “Meu sonho é trazer o Anjos do Picadeiro para Nova Friburgo”, afirma.
Seu último espetáculo, intitulado “Inaptos?”, comemora os 25 anos do Teatro de Anônimo e é livremente inspirado na obra de Lysander Spooner, “Vícios não são crimes”. Sob a ótica de um palhaço, o espetáculo apresenta um humor sarcástico, em que os vícios, as compulsões e as perversões da sociedade contemporânea são analisadas.
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